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Trabalho
Batente notívago

Postado em 01/11/2000

A inusitada (e dura) rotina dos profissionais que trabalham para os outros se divertirem à noite

São oito horas da noite. Cumprindo o típico programa paulistano de sexta-feira, diversas pessoas concentram-se na fila do Cine Belas Artes, na rua Consolação. Algumas acabaram de sair do escritório, outras do colégio, todas em busca de entretenimento. Mas para Antônio Vidal, que opera os projetores das salas, o trabalho vai ficando cada vez mais intenso. "É um serviço difícil, mas que alguém tem de fazer. Você trabalha enquanto o resto do mundo dorme", conta o projecionista que atua na área há catorze anos. Tendo trabalhado anteriormente como segurança, Antônio diz já estar acostumado ao período noturno, mas confessa que é bastante cansativo e que é muito difícil conciliá-lo com a vida familiar. Ironicamente, o projecionista, nascido no interior, até os 15 anos de idade não sabia o que era cinema e hoje assiste a uma média de quinze filmes por mês. Trabalha da uma da tarde à uma da manhã. "No nosso caso, até que se torna divertido. A gente acompanha tudo: vê filme, gente, e o tempo passa rápido e gostoso. Unimos o trabalho com a diversão. No dia de folga, sinto falta do cinema."

Antônio conta ainda que o único momento em que tem contato com a platéia é quando ocorre alguma falha técnica que chega à projeção: "Teve um caso em que um senhor ficou furioso e veio aqui na sala querendo quebrar tudo. Ou seja, tenho de ficar atento o tempo todo, não posso ler um jornal nem ouvir rádio".

Os empregos noturnos no ramo do entretenimento podem ser um trampolim para alguns entrarem no mercado de trabalho, como é o caso de jovens que trabalham temporariamente apenas para juntar alguma quantia para investir em um projeto pessoal. Entretanto, podem significar um retiro, como é o caso do pianista Aloízio Ponte. Ele atua como músico há quarenta anos e atualmente apresenta-se à noite no Piano Forte, além de fazer arranjos para um programa de televisão ao lado de Moacir Franco. "A nossa vida é completamente diferente da do resto das pessoas. Na verdade, até gostaríamos de estar ali nas mesas participando, mas quando eu estou trabalhando eles estão se divertindo e vice-versa." A respeito de como seu trabalho é aceito pelo público, Aloízio comenta: "O que eu faço aqui é música de consumo: para ouvir, cantar junto, dançar, ou seja, mais comercial. Parece que passamos desapercebidos, mas na verdade tocamos o coração dessas pessoas".

Aloízio já conviveu com artistas da bossa-nova em seu áureo tempo, viajou mundo afora e se apresentou com grandes nomes da música. Hoje, o pianista enfrenta uma fase mais calma, embora a carga de trabalho ainda seja grande: "Quando se está realmente atarefado, você trabalha dia e noite. Agora eu estou tocando demais, mas eu gosto e isso me faz bem. Às vezes eu gostaria de me divertir, mas não sempre, porque na realidade isso aqui já é uma diversão". Pelas próprias palavras do músico, "a noite é uma vitrine", um lugar onde o artista pode estar sendo sempre contatado para outros serviços e seu nome é lembrado mais facilmente: "Você não é esquecido enquanto está em expediente. As pessoas se lembram do seu toque".

O restaurante Friday's se notabilizou por seu clima descontraído, com temática americana e funcionários, digamos, um pouco fora dos padrões usuais dos restaurantes. Caracterizados com roupas coloridas e dezenas de bottons pendurados, tanto garçons como bartenders (atendentes de bar que fazem malabarismos ao servir drinks) têm uma média de idade jovem, incluindo ex-universitários. Esse é o caso da bartender Andréia Bazzo, 24, que há dois anos trabalha na casa. Formada em artes cênicas, logo que acabou a faculdade ela começou a trabalhar no Friday's pensando que seria só um bico. A moça não parou mais.

Foi uma mudança drástica em sua vida. Hoje, ela enfrenta uma jornada das seis da tarde às quatro da manhã e conta que nunca mais teve tempo para se dedicar ao teatro: "Se você não tiver uma vida muito regrada, se forçar a acordar mais cedo do que seu corpo pede, você não vive, só trabalha. E isso demora um ano!". A respeito da vida pessoal, Andréia conta que hoje os amigos que tem são as pessoas com quem trabalha. Até seu namorado está no mesmo restaurante, mas numa outra loja: "Se um dos dois trabalhasse de dia, não nos veríamos nunca. Não dá para ter namorado que não trabalhe à noite". A jovem conta ainda sobre o ambiente: "O serviço aqui é mais descontraído, podemos ter mais contato com os clientes. De vez em quando até que rola umas cantadas, depois que o cliente já bebeu um pouquinho. Eu me sinto dentro da balada".

Seu colega de balcão, também bartender, o ex-estudante de engenharia Paolo Demitri, conta que também não consegue manter uma rotina produtiva paralela ao emprego, que é integralmente desgastante. Para seu próprio bem, é muito caseiro e dificilmente passa o tempo livre em algum "agito": "O máximo que eu faço é sair com o pessoal daqui depois do turno. Nem que eu quisesse teria pique para outra coisa".

Andréia reclama ainda de problemas de insônia, perda de peso e falta de uma vida social: "Temos de abdicar da vida pessoal por um tempo. Só saio na folga e durmo o restante do dia. Como a maioria dos que trabalham aqui, moro sozinha e no tempo livre cuido da casa, mas não aproveito o dia".

Em qualquer um dos casos, esses notívagos do batente admitem que o trabalho é bastante árduo e exigente, mas que, no final das contas, pode-se sair lucrando financeiramente, adquirir conhecimento e estabelecer diferentes formas de convívio social.

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