Shuffle: a ordem contemporânea de Rafa Barreto

Músico traz originalidade na produção de seu trabalho, que será apresentado em show no Sesc Sorocaba

Em plena era digital as informações chegam ao público em quantidade e frequência desmedidas. A maioria acaba ignorada ou assimilada superficialmente. No caso da arte, esse acesso tanto pode ajudar quanto prejudicar. Um músico desconhecido do grande público ou um artista renomado estão sujeitos ao compartilhamento do estrelato e do esquecimento.

Nessa nova ordem mundial, a originalidade se mantém como qualidade essencial para se destacar em meio aos modelos explorados exaustivamente para conquistar a atenção do público. É nesse ponto que se encontra o novo trabalho de Rafa Barreto - músico, compositor, cantor e produtor. Assim como o mundo atual, múltiplo.

Um observador crítico, o compositor organiza o caos em forma de canções. No momento de trabalhar seu segundo disco, se interrogou sobre a forma de produzir e divulgar sua música, e, a partir daí, encontrou inspiração no desafio de produzir algo “que dialoga mais com os dias de hoje”. Assim nasceu Ordem Aleatória, em que cada canção foi composta, pensada e arranjada individualmente. O músico sugere ao ouvinte que faça a audição no modo shuffle, ou aleatório: “Ao organizar o formato físico, criei prensagens distintas a partir da ordem aleatória de audição e o ouvinte pode continuar essa proposta”.

“Sinto que é um disco vivo. Ele vai se renovando a cada audição, pois na proposta uma nova sequência é criada, gerando para o ouvinte sensações e impressões distintas”, opina Barreto. Em cada canção há elementos diferentes, que as identificam distintamente. Elas não são numeradas e evocam ritmos e sonoridades regionais, com letras que evocam o cotidiano das metrópoles. “Se tem um tema recorrente nessa proposta aleatória é o urbano, e na sonoridade procurei utilizar ritmos e instrumentos regionais que são grande parte da minha formação”, observa.

Condensando influências

Quem pode pensar que o álbum é uma colcha de retalhos, como uma coletânea, vai encontrar como fio condutor a marca registrada de um compositor. Imerso no mundo musical há mais de dez anos, Rafa soube condensar suas influências que vão do pai, o renomado compositor e violonista Vicente Barreto, à vanguarda sonora de Tom Zé, passando pelo tropicalismo de Gilberto Gil e outros artistas como Alceu Valença, Itamar Assumpção e Lenine. “Fico feliz quando vejo minhas influências transparecerem sem que minhas próprias características como artista se percam”.

O músico paulista sugere que suas composições “são como contos” e representam o reflexo da pessoa no compositor.  Ele conta que essa concepção surgiu após a leitura do livro O fio das missangas, de Mia Couto, e que a busca do formato aleatório “é resultado direto do trabalho que realizei com o Tom Zé”. Barreto foi convidado pelo músico baiano para pesquisar e incluir sonoridades distintas em seu álbum Tropicália Lixo Lógico, lançado em 2012. “Ao ver o Tom preocupado com a questão da inovação, tendo muitos anos de carreira, me instigou a querer essa busca para o meu próprio trabalho”.

A ordem do show

Para levar a proposta de ordem aleatória para o show, Barreto também inovou. “No lançamento pedi que cada músico que me acompanha entrasse no palco e tocasse a primeira coisa do álbum que lhe surgisse na cabeça”. Criado o caos musical, “a partir daí eu tocava algo que viesse à minha mente e, com isso, direcionávamos para uma determinada canção”. Seguindo os passos de Tom Zé, Rafa confunde para explicar. O músico testou vários formatos, fez mudanças e criou com a banda “uma liberdade” que permite fazer o show em ordem aleatória.

De fala calma, o músico ordena uma série de pensamentos e conteúdos em colocações precisas. Seus apontamentos demonstram que Rafa Barreto tem muita ciência sobre a sociedade contemporânea e sua posição dentro do atual cenário artístico em tempos de internet. O próprio sentencia: “Eu sou essa mistura”.