Postado em 01/07/1998
CASTRUCCI -- O tema desta exposição é o futuro do sistema bancário brasileiro. Se eu me prendesse apenas a essa idéia central, certamente, precisaria ter em mãos uma bola de cristal, pois trata-se de uma tarefa difícil a de prever com a necessária precisão como será o sistema bancário brasileiro. Tentarei me aproximar o mais possível dessa proposta, utilizando critérios mais genéricos.
Apesar de a Constituição de 1988, em seu artigo 192, ter previsto uma nova regulamentação para o sistema financeiro nacional, ela ainda não saiu. Portanto, vou me basear na última estruturação do sistema vigente no país. O sistema que funciona até o momento foi revisto pela lei 4.595, conhecida como lei do mercado de capitais, responsável também pela correção monetária, ORTN e tudo o que se seguiu. O sistema financeiro nacional é liderado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). No período da Constituinte e da reformulação do sistema financeiro, o CMN era integrado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio, contando também com os presidentes das principais instituições financeiras públicas nacionais, como o Banco do Brasil, o BNDES, o extinto BNH, e representantes da iniciativa privada aprovados pelo Senado. O CMN dispunha também de uma série de comissões consultivas das quais falarei mais adiante.
O Conselho Monetário Nacional atuava por intermédio do Banco Central, encarregado de pôr em prática a política monetária estabelecida pelo conselho. De criação bem mais recente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) data da época da reforma da Lei das S.A., que destacava do Banco Central as tarefas relativas ao mercado de capitais, ou seja, controle de emissões e circulação de títulos de valores mobiliários emitidos pelas empresas e pela iniciativa privada. A partir daí vêm o Sistema Financeiro da Habitação, o BNDES, outro ponto de sustentação na realização da política de investimentos; e o BNH, atualmente substituído pela Caixa Econômica Federal, responsável pela política habitacional. Essa era a cúpula do sistema financeiro nacional. Abaixo vinham as instituições financeiras governamentais, estaduais e federais, incluindo o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, as Caixas Econômicas e os bancos estaduais. Finalmente, a iniciativa privada, tendo os bancos comerciais como pontos de referência. Seguem-se os bancos múltiplos, bem mais recentes, que datam de 1988; as empresas especializadas do sistema financeiro, os bancos de investimento, que apresentaram uma atuação importante na área de mercado de capitais, financiamentos a longo prazo, debêntures e ações; as empresas de leasing, que fazem o que se convencionou chamar de "aluguel" financeiro; as famosas Companhias de Crédito, Financiamento e Investimento (CFIs), especializadas em crédito ao consumidor final; e as empresas de crédito imobiliário, dedicadas ao financiamento da casa própria. Trata-se portanto do esqueleto das instituições financeiras, que atuam basicamente no sistema e que lhe dão estrutura.
É necessário citar também a parte referente à distribuição de valores, de grande peso no sistema financeiro de um país. São as distribuidoras de valores mobiliários e as corretoras de câmbio e valores mobiliários que atuam nas Bolsas de Valores, das quais se destaca a Bolsa de São Paulo como a principal, seguida pela do Rio de Janeiro. A Bolsa de Mercadorias e Futuros vem a seguir, e é hoje considerada a quarta em importância no mundo. Essa é a estrutura do sistema que funciona atualmente e que partiu da lei 4.595, com algumas modificações no decorrer do tempo.
Apenas para entender melhor como isso se coordena, no fundo a função do sistema financeiro é de transferir poupança de quem tem em excesso para quem tem pouca, de uma maneira ordenada, disciplinada e segura. Basicamente essa é a estrutura do sistema financeiro que indica por que e como ele funciona.
Para avaliar um pouco melhor a situação, vejamos algumas alterações importantes que ocorreram nos últimos anos, em alguns casos até prejudiciais ao sistema. A primeira refere-se à evolução do CMN, cuja função básica, descrita na lei 4.595, é a de se responsabilizar pela política monetária e cambial, pela segurança e eficácia do sistema financeiro, coordenando a política monetária fiscal, creditícia e da dívida pública. O CMN era composto por vários membros, dentre eles ministros, presidentes de instituições governamentais, diversas comissões consultivas (bancária, de mercado de capitais, de crédito rural e de crédito industrial), inicialmente sete pessoas, que mais tarde ficaram reduzidas a três, de ilibada reputação, aprovadas pelo Senado. Infelizmente, as comissões consultivas foram praticamente desativadas. O CMN, que deveria refletir as necessidades de toda a política financeira do país e coordená-la, ficou reduzido a três membros: o presidente do Banco Central, o ministro da Fazenda e o do Planejamento. O ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central representam um voto só, restando apenas o do ministro do Planejamento. Isso significa uma perda, mas acho que as coisas não vão ficar assim.
Há uma questão antiga, polêmica, que se refere ao artigo 192 da Constituição, que, em 1988, se propôs a regulamentar o sistema financeiro nacional. No entanto, era necessária uma lei complementar que o regulamentasse. Acontece que nesse artigo há o famoso limite de juros a 12% ao ano. Como viabilizar uma lei que estipula 12% de juros ao ano se o próprio governo praticou, na crise da Ásia, juros de 43% ao ano?
Os pontos polêmicos dessa regulamentação são vários, porém, destaco aqui três. O primeiro refere-se à desregulamentação, pois um sistema financeiro ágil precisa ser mais flexível. A regulamentação do sistema financeiro nacional deveria ser mais sucinta e objetiva. Todas as tentativas feitas para enfrentar o problema se perdem num excesso de detalhes, o que de certa forma engessa o sistema.
O segundo ponto relaciona-se à necessidade de independência do Banco Central. Seria realmente o ideal, pois ele não pode estar subordinado a um governo, a decisões menores. Afinal de contas, ele é o aplicador da política monetária e cambial. Ele precisa ter independência total.
O terceiro ponto é a separação entre a supervisão bancária e a coordenação da política monetária e cambial. No meu ponto de vista, essa separação é importante. Vejam a crise do sistema financeiro em 95 e 96. Na ocasião, o presidente do Banco Central ocupou todo o seu tempo na liquidação das instituições financeiras problemáticas, e a política monetária e fiscal foi delegada a um segundo escalão. Se a supervisão bancária fosse independente, um pouco dessa crise teria sido contornada.
Vejamos alguns números. Em 86 havia 107 bancos comerciais. Em 97, eram 219, entre comerciais e múltiplos, que são basicamente a mesma coisa. Os bancos de investimento, que tiveram um papel importante e predominante nas décadas de 60 e de 70, eram 38 e hoje não passam de 22.
Tínhamos 274 sociedades corretoras em 88. Hoje são 200. Havia 411 sociedades distribuidoras, que caíram para 252, uma condição típica de mercado, pois de certa forma os bancos comerciais ficaram mais agressivos na distribuição de valores e tiraram um pouco o espaço das distribuidoras.As sociedades de arrendamento mercantil, que compõem as empresas de leasing, passaram de 58 empresas, em 86, para 75, em 97.
As sociedades de crédito mobiliário ficaram muito reduzidas, primeiramente porque o mercado se tornou um tanto inviável pelas fontes de captação e devido a outras razões mais; além disso, a maior parte dessas sociedades acabou sendo incorporada pelos próprios bancos.
Atualmente temos 1.028 cooperativas de crédito, que em 97 totalizavam 979 e em 86 eram 586. Acho o assunto bastante interessante e de certa forma delicado porque as pessoas estão mexendo com crédito sem entender muito disso.
Quando se trata de sistema financeiro, não podemos deixar de analisar os agregados. Para entender melhor, a quantidade de bancos em dezembro de 1995 era de 241; em 96, 234; hoje, 217. Tínhamos 32 mil agências e postos de serviços, hoje temos 26 mil. O número de contas correntes, em 95, era de 40 milhões, mantendo-se inalterado em dezembro de 96. Isso mostra que o acesso ao sistema bancário está limitado a menos de 30% da população. As contas de poupança, que eram de 53 milhões, passaram para 67 milhões. São 35 bilhões de cheques compensados por ano. Operações de crédito: US$ 215 bilhões em dezembro de 95 e US$ 186 bilhões em 96. O patrimônio líquido dos bancos, que era de US$ 43 bilhões em 95, manteve esse nível em 96. De 578 mil empregos diretos, em 95, resultaram 457 mil, em 96.
Há um aspecto importante no sistema bancário brasileiro que se refere à sua modernidade, atualização e competitividade, que o colocam em igualdade de condições com os sistemas bancários de qualquer outro país. Primeiramente a adesão do Brasil às normas de supervisão bancária de Basiléia. O BIS (Bank for International Settlements) foi criado pelos sete maiores países ricos do mundo e conta hoje com a adesão dos 13 maiores. Seu objetivo principal era o de nivelar a competitividade no mundo. Como se diz em gíria bancária, era um problema de alavancagem. Cada país tinha uma regulagem para quantas vezes um banco podia emprestar em relação a seu patrimônio. O BIS teve que reunir todos para pôr ordem na casa da concorrência. Mas, como tudo na vida, pode-se atirar no que se vê e acertar o que não se vê. O assunto evoluiu muito em termos de segurança e de supervisão bancária. O Brasil aderiu ao acordo de Basiléia, embora essa adesão seja obrigatória somente aos 13 países que o compõem. Por causa disso, o Brasil tem participado de suas reuniões. Hoje o acordo de Basiléia está consolidado em 25 princípios de gestão e supervisão bancária, dos quais falarei adiante.
Automação
Em termos de automação bancária, diria que o Brasil foi o primeiro país a ter caixa automático. Essa prática de simplesmente entregar o cheque no caixa, sem maiores burocracias, foi lançada primeiramente no Brasil. No mundo inteiro o cheque era pago no caixa e depois processado por outro caminho. Por volta de 84/85, apareceram no país os primeiros terminais bancários, iniciando assim a evolução da automação bancária. Automatizamos primeiro a parte da frente e depois fomos para a retaguarda. Considero que em nível de automação bancária o Brasil não deve nada a ninguém.
A compra e venda de títulos do governo federal eram feitas fisicamente, ou seja, o título era entregue e recebia-se o cheque, que era compensado. Hoje temos um sistema completo, que trabalha o dia inteiro com as operações de compra e venda de todo o Brasil.
Outro sistema de liquidação de títulos, bastante moderno também, é o Cetip. Ele faz as mesmas coisas para títulos da iniciativa privada, como debêntures e até títulos de privatização, TDAs, enfim, tudo que está girando no público hoje fica registrado nessa central. Isso dá uma tal segurança e agilidade ao sistema que de outra maneira seria impossível.
Outro ponto bastante moderno refere-se ao sistema de custódia e liquidação das bolsas. Hoje a custódia está totalmente centralizada: o cliente entrega o título que fica registrado eletronicamente no nome do aplicador.
Não posso deixar de mencionar que o sistema de compensação de cheques mais ágil do mundo é o executado pelo Banco do Brasil. Logicamente há todo um sistema bancário trabalhando nele, mas trata-se do único que consegue compensar cheques do Brasil inteiro em 24 horas. Obviamente há uma tolerância para cheques pequenos, mas a regra é compensar em 24 horas. Isso foi muito importante principalmente na época da inflação.
Outro assunto importante do sistema financeiro, que teve início na época da crise no sistema bancário de 95/96, é o Fundo de Garantia de Depósitos. Hoje os bancos contribuem para esse fundo com uma pequena parcela de todos os seus depósitos à vista e a prazo. No caso de uma liquidação, esse fundo responde por qualquer depósito de até R$ 20 mil por pessoa. Sabemos que mais de 95% dos depositantes têm importâncias inferiores a essa.
Lembro também um serviço central que hoje atende bancos e empresas, o Serasa. Seu imenso cadastro central tem facilitado tremendamente o crédito e as informações sobre clientes e hoje é usado não só pelo sistema bancário, mas também pelo comércio e pela indústria.
A crise de 95
Ao falar do futuro do sistema bancário, não podemos evitar a crise de 95/96. Há três pontos importantes. O primeiro é o das causas básicas. Todo mundo diz que o sistema bancário brasileiro entrou em crise porque acabou a inflação. Isso não é verdade. Aconteceram dois fatos, em 95, que causaram esse problema. O primeiro diz respeito à questão da liquidez bancária. Na ânsia pela manutenção de uma política cambial estável, era necessário manter os juros altos e, para evitar o risco de retomada da inflação, o consumo baixo. Para isso o Banco Central criou depósitos compulsórios altíssimos. Só para ter uma idéia, sobre o depósito à vista era de 100%, hoje é de 75%. Diante desse quadro, a liquidez bancária correu para os bancos de maior porte; na verdade, já estava lá. Em qualquer sistema bancário, os bancos de maior porte fornecem recursos aos menores. Eles têm uma grande rede de varejo e uma captação enorme, não conseguem emprestar todo esse dinheiro, por isso o emprestam ao próprio sistema financeiro.
Fora todas essas restrições (o banco tinha que depositar esse dinheiro todo da noite para o dia), a liquidez ficava nos três ou quatro maiores bancos do país. Os outros bancos não só tiveram que fazer o depósito compulsório, mas ainda perderam essa fonte de financiamento dos bancos grandes. O que o banqueiro faz numa hora dessas? Recolhe o dinheiro que está emprestado. Na medida em que todos pediram seus empréstimos de volta, as empresas se viram ilíquidas e não puderam pagar o empréstimo de volta. Isso gerou uma inadimplência enorme no sistema. Por outro lado, as empresas não só foram chamadas a devolver o dinheiro como também as instituições financeiras estavam praticando juros altos. É o que chamo de "veneno na veia de uma empresa": juro alto, empréstimo bancário baixo e uma queda do consumo; isso atingiu as empresas e automaticamente voltou-se contra o banco. Eu diria ainda que os problemas que houve em alguns bancos na verdade eram antigos e apenas vieram a aflorar em 95/96.
Falemos do Proer. Depois da crise da Ásia, acredito que poucos falariam mal dele, mesmo aqueles que o criticavam, porque no mundo inteiro estamos vendo o mesmo problema. No fundo, o Proer foi uma solução que o governo brasileiro encontrou para socorrer o sistema financeiro. O Proer canalizou mais ou menos R$ 20 bilhões para o sistema financeiro, e com isso conseguiu segurar uma grande crise. Particularmente acredito que dos R$ 20 bilhões mais de R$ 10 bilhões devem voltar, porque desse total uma parte ficou bancando déficits, mas outra financiou os grupos que assumiram o que sobrou de bom das instituições liquidadas. Penso que, apesar de o Proer ter sido um dinheiro público que foi para o sistema bancário, era um mal necessário, pois uma crise no sistema, naquela época, desmontaria o país.
Depois de 96 o sistema entrou em processo de recuperação progressiva, e foram saneados seus principais problemas. Acredito que a crise da Ásia de certa forma pegou o sistema bancário um pouco na contramão no que diz respeito a ativos e derivativos, mas o sistema administrou a dificuldade e foi em frente.
Voltando ao grupo de países ligado ao acordo de Basiléia, atualmente eles chegaram à conclusão de que a estabilidade política, econômica e social de um país depende de um sistema financeiro forte e seguro. Por outro lado, um sistema financeiro forte depende de uma economia estável, segura e previsível principalmente. O grupo de Basiléia emitiu agora 25 princípios de instituições bancárias, todos eles ligados a riscos, que foram aprovados no Conselho Monetário Nacional. Hoje o sistema bancário apresenta dois tipos de riscos bastante distintos, claros e definidos e que têm que ser enfocados com muito cuidado. O primeiro é o risco de crédito.
A segunda categoria de riscos que surgiu nos últimos dez anos, há três no Brasil, é a que chamamos de "risco de mercado". O sistema bancário começou a evoluir no mundo inteiro, inclusive no Brasil, de forma que hoje atua fortemente no que chamaríamos de uma certa aposta, no futuro, em relação a juros, câmbio, Bolsa e tudo o mais. É um risco, e pode ser muito grande. Há teorias extremamente modernas a esse respeito, e cabe mencionar que o pai da teoria de controle desse risco ganhou o Prêmio Nobel de Economia, no ano passado. Hoje, o que mais ajuda a alavancar uma crise mundial é o fato de que não é necessário ter o ativo em dinheiro para comprar na própria carteira. As Bolsas de Mercadorias e Futuros vendem exatamente futuros; com uma pequena margem, é possível comprar uma posição de juro ou uma posição de dólar futura em que, se o dólar subir, há ganho, mas se cair, há perda. Não é preciso ter o dinheiro para desembolsar o dólar, o que alavanca muito as posições e também os riscos quando há uma crise.
Volto a insistir num ponto importante: o acordo de Basiléia, que está dominando o mercado internacional, com todo mundo se sujeitando a essa regulamentação. Há hoje um despertar muito grande para a questão da lavagem de dinheiro, e temos no Brasil a Lei Jobim, que trata justamente desse assunto. Embora ainda dependa de regulamentação, essa lei é bastante rigorosa a respeito da entrada no banco de dinheiro cuja procedência seja desconhecida ou que apresente um número que não seja compatível. Isso mexe consideravelmente com os paraísos fiscais.
Outro fator importante é que os bancos, de maneira geral, possuem excesso de poupança no mundo inteiro.
Dentro desse contexto, temos que considerar muito bem os instrumentos de desintermediação. Chamamos de desintermediação no sistema bancário as operações feitas fora do sistema, assim, a factoring é uma desintermediação bancária, e uma emissão de debêntures com colocação privada também é uma desintermediação bancária. Isso cresce no mundo inteiro. A tal securitização consiste em transformar recebíveis de empresas em títulos transacionados no mercado, quer dizer, o mais moderno no comércio são as empresas de finalidade específica, os Serviços de Proteção ao Crédito, que compram os recebíveis do crediário de uma loja e com base neles emitem debêntures que são colocados no mercado. Isso é uma securitização. Como podemos ver, todo o processo sai do ramo bancário, pois não precisa ser feito por esse meio. É lógico que essa securitização se dá no mercado primário, na primeira colocação, ou no mercado secundário, que seria a Bolsa de Valores.
Um ponto importante que temos que considerar é a moeda européia, o euro, que entra em operação em 1999. Aparentemente não são muitos os países que estarão trabalhando com ele. A própria Alemanha, que liderava a adesão à moeda, não está conseguindo atingir os índices econômicos previstos, por causa da Alemanha Oriental. Acho que com a entrada da nova moeda há dois fatos a serem analisados. Primeiro, poderá haver uma perda de receita no sistema bancário como um todo, pois ocorrerá menor transação de moeda. Segundo, a paridade euro-dólar é complicada, que ninguém sabe onde vai dar. Para quem tem uma política cambial fixa, isso pode ser um empurrão ou um tropeço, não sabemos. Pouco se sabe em relação à conversão das moedas em euro, sem saber qual será a paridade. Tudo isso compõe uma conjuntura a ser definida melhor no futuro.
Tenho observado que as instituições estão se fundindo para ganhar mercado e poder e não para a busca de uma economia de escala. É uma coisa interessante. O Itaú comprou o Banerj, mas não fundiu; comprou também o Francês e Brasileiro, mas não fundiu, e o próprio Bradesco parece que não vai fundir o BCN. O banqueiro acha que é pequena a economia de escala que ele faz, perto do custo que há numa fusão, com os problemas culturais e tudo o mais. Seguindo esse raciocínio, li num artigo em que uma firma de auditoria americana fazia a mesma afirmação: a economia de escala em banco é complicada. Talvez a explicação esteja no fato de que para crescer abre-se uma agência, o que levará à abertura de uma segunda, e assim sucessivamente. Acontece que o custo da agência em relação ao rateio da despesa de administração central acaba ficando insignificante. Com a estabilidade econômica, a conjuntura brasileira ficou totalmente aliada à política cambial, dentro de um canal e de uma política monetária que tornam difícil para a economia caminhar bem.
Dentro dessa conjuntura, quais seriam as tendências do sistema bancário? Penso que o sistema ainda precisa de novo ajuste, que tem de se dar na arquitetura de agência e de rede. Na verdade, não podemos pensar em um banco de 2 mil agências, e estas 2 mil agências são bancos plenos: se o cliente quer um Finame, ela estuda o caso; se for pessoa jurídica, a agência viabiliza um empréstimo; se for um consumidor final e quiser cheque especial também terá de ir à agência. Em alguns países, como na Espanha, vemos um banco de 2 mil agências, mas que tem 1.820 agências de pessoas físicas, com três ou quatro pessoas dentro, e 180 agências completas, full branch, em que se faz qualquer coisa. Isso implica uma certa desassistência.
Outro problema sério no Brasil é o do desenvolvimento gerencial, não só do sistema bancário, mas de todas as empresas. Hoje a competição é muito forte especialmente no sistema bancário. A maior parte dos bancários que deram certo não é formada pelos que saíram da universidade ou que têm pós-graduação; o bancário que faz carreira na agência, geralmente, fez uma escola superior à noite, a duras penas e fora da idade.
Hoje se formos a uma empresa de R$ 500 mil de faturamento/mês, o funcionário perguntará: "E o câmbio para onde vai?" Ele quer assessoria ou pelo menos trocar opiniões. E o gerente tradicional de banco não está preparado para isso. Ele precisa ter uma carga de cultura geral mais apurada, além de maior agressividade comercial. Portanto, o treinamento desse pessoal é uma prioridade.
Outra questão importante é a da inadimplência, já que ninguém sabe onde ela vai parar. Os bancos das montadoras, que não estão ganhando dinheiro, mas trabalham para dar vazão à produção das montadoras, estão com 8% de inadimplência na carteira de carros zero quilômetro. E eles estão praticando taxas que giram em torno de dois terços das taxas utilizadas normalmente pelos bancos. Isso significa que estão com a nata do comprador. Quando falamos em 8% de inadimplência em veículos não nos referimos àquele indivíduo que atrasou um ou dois meses, como ocorre no comércio, mas sim ao que já está em fase de execução para a retomada do veículo. A inadimplência, portanto, é um caso sério.
Usando um pouco de futurologia, acho que a tendência aponta para poucos bancos de varejo com capital nacional. Vários bancos de varejo de porte médio (com 300 ou 400 agências) têm capital estrangeiro; e há diversos bancos pequenos de capital nacional e especializados em uma ou outra coisa. Provavelmente haverá um incremento no sistema bancário das companhias de financiamento e investimento e das companhias hipotecárias. Financiar o consumidor final é um problema-chave para promover o desenvolvimento da economia. Além do mais, trata-se de culturas diferentes. Dentro de um banco essas carteiras não estão aptas a fazer o serviço como faria uma companhia independente. Por isso, haverá um incremento dessas empresas e das companhias hipotecárias recém-criadas, por enquanto sem nenhum charme, não pelo objetivo, mas pela dificuldade do funding, que se tornará mais fácil na medida em que o nosso environment deve ser o da securitização.
Do ponto de vista do usuário, as taxas de juros praticadas são muito elevadas, independentemente do ajuste nas taxas primárias. A relação entre despesa fixa e empréstimo é muito forte, levando a um spread alto por simples questão de sobrevivência. E a inadimplência alta também eleva ainda mais o spread. Por isso, teremos mais padronização, ou seja, estaremos cada vez mais sujeitos a regras. Em resumo, não haverá muita conversa, a situação estará definida, quer se goste, quer não.
Atualmente há uma tendência enorme de se tirar o cliente da agência. É só uma questão de tempo. Trata-se de um plano para diminuir custos, embora não deva ser concretizado imediatamente. De modo geral, estamos nos transformando em número, o que vai acontecer também com os bancos. Isso quer dizer que vamos nos comunicar cada vez mais com vozes eletrônicas e, quando ocorrer um problema sério, alguém falará conosco, provavelmente quando não pagarmos a conta. As tarifas são elevadas e vão se manter assim, e o acesso ao sistema bancário ainda continua limitado. Hoje, eu diria que um banco muito bem administrado precisa de pelo menos R$ 20 a R$ 25 de tarifa por consumidor. Mas R$ 20 para quem ganha R$ 800 é impossível; não vou nem dizer para quem ganha salário-mínimo. E a inadimplência não será solucionada no médio prazo. Acredito que vamos ter taxas de juros em níveis compatíveis com o poder aquisitivo do usuário; não sei como chegar lá, mas terá que haver uma saída desse tipo. Participei de um congresso sobre bancos, em Londres, em que cada um tinha que falar sobre o seu país. Quando discorri sobre a taxa de juros mensal no Brasil, alguém disse: "Não pode ser, isso é ao ano". E respondi: "Não, é ao mês". Havia gente do mundo inteiro, e a opinião foi unânime: "Mas vai dar um nó nisso em algum momento; é impossível operar com essa taxa de juros". No longo prazo alguma coisa tem que acontecer. O país está se estruturando e, ao depender menos da política cambial, poderá liberar os juros.
A poupança vai continuar crescendo, com uma atuação muito forte em sua administração. Seguindo a nova tendência de colocar o cliente fora da agência e barateando os custos, haverá maior utilização de meios eletrônicos e de centrais de atendimento. O acesso ao sistema bancário aumentará, também em decorrência de um incremento de renda, e a questão da inadimplência deverá ser solucionada.
DEBATE
ISAAC JARDANOVSKI - Como ficou claro pelo seu pronunciamento, o sistema bancário brasileiro pode ser considerado hoje pioneiro numa série de iniciativas, tanto do ponto de vista da informatização como da baixa alavancagem; além do mais, soubemos contornar a crise asiática e estamos ensinando os parceiros do Mercosul a usar banco, coisa que eles não costumavam fazer. Apesar disso tudo, dá para notar o receio dos banqueiros brasileiros em relação à entrada de bancos estrangeiros em nosso mercado, a ponto de se pensar em fusões inimagináveis, por exemplo, para assumir o controle do Banespa, impedindo a entrada de um conglomerado estrangeiro. Como ficam nossos banqueiros em relação à competição dos banqueiros estrangeiros que estão entrando firme em nosso mercado?
CASTRUCCI - O concorrente muitas vezes é visto como uma ameaça.
Mas há problemas internos que o banqueiro estrangeiro não vai saber resolver. A experiência de fora nem sempre ajuda. Ele não vai conseguir controlar, por exemplo, a massa de bancários. Terá que treinar esse pessoal, como os bancos brasileiros fazem. Alguns bancos estrangeiros entraram no Brasil passando circulares deste tipo: "De hoje em diante, cada gerente tem que ter 350 clientes pessoa física e cem clientes pessoa jurídica". Impossível. Se conseguir 30, já é muito. Esse é o índice lá fora. Nós não temos essa massa toda. E há questões internas em que eles também vão apanhar, como em relação à tecnologia. Eles não têm mais tecnologia do que nós. E quando digo que a tendência é ter poucos bancos de varejo, predominando o capital nacional, é porque eles não podem comprar um banco grande.
EDUARDO SILVA - Não faz muito tempo, li que há um século já havia excesso de dinheiro nos bancos. Então o problema nunca foi, pelo menos no mundo moderno, falta de dinheiro e sim excesso. Nos últimos cem anos tivemos duas guerras mundiais, uma série de crises e precisamos aprender a controlar esse excesso de dinheiro, sem correr os riscos que há hoje em dia. O mercado de derivativos não é simplesmente uma aposta no futuro, de juros ou de câmbio. O apostador vira um agente. A partir do momento em que ele põe o dinheiro nesse mercado, corre para conseguir o que quer e se transforma num fator de desestabilização.
CASTRUCCI - O excesso de poupança é uma história mundial, secular. Quanto mais sobra, pior fica. O negócio de derivativos é uma ferramenta complicada. Do ponto de vista bancário, o derivativo, no fundo, é um seguro. Ao comprá-lo, o executivo de uma multinacional, por exemplo, quer mostrar para a matriz que o patrimônio em dólar continua igual ou maior. Fica com medo da desvalorização e está disposto a pagar um prêmio. O banco assume o risco e banca o prêmio para o executivo. Recebe o prêmio e, se o dólar se desvalorizar, cobre a diferença; se não se desvalorizar, o banco ganha o prêmio. E o pior de tudo é que o derivativo alavanca a poupança, o investidor vende futuro de dólar com uma margem muito pequena. Na crise asiática, alguns bancos mudaram de mãos por causa dessa área. O dono do banco não sabia, o controle do banco não sabia, porque são operações off balance.
CLÁUDIO CONTADOR - Hoje no Congresso estão sendo discutidas propostas de reforma do sistema financeiro, e eu gostaria de destacar duas questões. Uma delas estabelece penalidades mais severas para crimes no setor financeiro, principalmente o bancário. A segunda é que nessas propostas estão sendo criadas novas agências reguladoras. Parece que estamos mais uma vez caminhando fora da tendência mundial, aumentando ou tentando aumentar a regulação do sistema, quando na verdade a maior parte dos países está reduzindo essa regulação. Acho também que a entrada dos bancos estrangeiros não está sendo um grande negócio para eles, como se imaginava. Foi um problema de falta de percepção deles acerca de um ambiente diferente, porque no país faltam mecanismos, que eles têm nos países de origem, de canalização de recursos para atividades produtivas, ou seja, interação entre setor financeiro e real. Na década de 80, os bancos se aliaram ao governo para pilhar o setor produtivo: o governo fortemente deficitário, necessitando colocar títulos, permitiu uma grande farra. Essa farra ainda continua, em parte.
CASTRUCCI - Em relação aos crimes do sistema bancário, eu diria que há uma regulamentação desigual. Mesmo que um banco que venha a ser liquidado faça tudo certinho, existe o crime do colarinho branco e coisas assim. Vamos tomar como exemplo a duplicata fria. Estou em banco há 30 anos, e nunca vi alguém ser punido por emitir duplicata fria. Se publicar um balanço com uma deformação qualquer, voluntária ou involuntária, é crime de colarinho branco. Com o contador comum de uma empresa não acontece nada. Eu diria que a lei para o crime do colarinho branco é dura para o sistema financeiro. Acho que tem que ser, mas é um pouco desigual devido ao resto da legislação. A contraparte não é punida e a parte é. Admito que ocorreu muita coisa errada no sistema bancário que merece ser punida. Quando o banqueiro entende que seu patrão é o público, seja acionista ou não, então não faz besteira. Alguns não conseguem entender isso.
O senhor fala também da separação entre previdência e seguro. Na verdade, o sistema previdenciário no Brasil é um problema seriíssimo, a começar pelo INSS, nem é preciso comentar. A complementação é uma rotina em todo o mundo, atualmente. Essa atenção especial que se dá hoje para a previdência privada é importante, é o futuro. Sou contra o excesso de burocracia, mas temos que dar ênfase à previdência privada no país.
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