Postado em 04/09/2014
Como as artes cênicas surgiram na sua vida?
Surgiram muito cedo. Descobri esse gosto pelo teatro, é uma forma de expressão que está na gente. A gente se descobre por ele. Já fazia teatro na adolescência e, quando cheguei naquela fase de decidir o que queria da vida, o teatro foi para onde todo meu interesse se voltou. Também estudei Rádio e TV na ECA-USP, enquanto me profissionalizava no teatro. São linguagens complementares. Passei a trabalhar como ator e também com o audiovisual, sempre com projetos mais autorais. Só que a inquietação continuava. Então, consegui uma bolsa para estudar em Londres, onde me aprofundei na técnica de Étienne Decroux e trabalhei na companhia Theatre de L'Ange Fou, com a ideia do teatro total, tendo o ator como o centro da arte teatral e a intersecção com outras linguagens artísticas, como as artes plásticas, o cinema, a música, a poesia. Em 2006 voltei para o Brasil e criei o estúdio Lusco-Fusco para continuar explorando essas linguagens, não apenas como ator, mas também como diretor.
Como você avalia o atual teatro ibero-americano?
A força do teatro ibero-americano está na experimentação. O teatro no Brasil mais interessante é o de grupo. É um teatro marcado pela diversidade, pela multiplicidade de pesquisas e de propostas. E no qual muitas vezes as fronteiras entre as linguagens artísticas são dissolvidas. Outra característica desse teatro é sua vocação política, que vira material de trabalho para um debate muito interessante. E isso não quer dizer que não haja experimentações estéticas também, como é o caso do Oficina [Uzyna Uzona], no qual Zé Celso realiza um teatro de absoluta poesia, incorporando outras linguagens. Acho que isso tem tudo a ver com a raiz do teatro do século 20, quando os criadores se rebelaram contra um teatro essencialmente literário e perceberam que o teatro pode incorporar todas as artes. Esses reformadores disseram que a essência do teatro é o ator, porque faz essa conexão com o público e permite que a mágica aconteça.
Rompemos as fronteiras entre as linguagens artísticas?
Acho que sim. Ao mesmo tempo, há o perigo da banalização disso. Em que tudo pode e nada significa. A mim incomoda esse cinismo do contemporâneo de experimentar por experimentar e de usar a tecnologia apenas porque ela existe. Também precisamos nos voltar à tradição. Se você propõe um espetáculo com o uso de uma tecnologia, mas tem um ator antigo em cena, vira uma enganação, porque é só uma moldura para algo que não é de uma discussão mais profunda e contundente. Diante das infinitas possibilidades de linguagem e tecnologias, o ator precisa ser instrumentalizado mais do que nunca. E isto significa voltar-se aos estudos tradicionais e ter uma formação sólida, que domine o texto, que saiba atuar Shakespeare. Porque, muitas vezes, ele vai contracenar com fantasmas, vai ter seu corpo dissolvido, ampliado, dissecado pela câmera. Vai interpretar com atores já mortos, com atores virtuais. O teatro só vai ser uma experiência única se essa questão toda sair do ator. A partir dele a tecnologia pode virar pura mágica ou uma parafernália que só atrapalha.
Você acredita que esse hibridismo entre as linguagens artísticas é passageiro, fruto de uma fase?
A arte vive de ciclos, de movimentos dialéticos. É difícil dizer o que será. Mas a influência de outras mídias no teatro não se desfaz. Isso modificou o teatro para sempre. Influenciou teorias de atuação, a dança moderna, a tecnologia que envolve o teatro, os dramaturgos. O teatro tem esse estranho poder de ser a grande arte para incorporar a sugestão. Tudo acontece na mente de quem assiste. É uma arte da imagem visual, até mesmo a palavra teatral remete à imagem. Shakespeare é imagético. A partir disso, se a tecnologia vai estar mais ou menos presente, provavelmente sim, estará. O teatro abraçou as tecnologias presentes. Tudo é instrumento e não existe tecnologia proibida, mas mal utilizada. Todos os experimentos interessantes mantêm os princípios essenciais do teatro: ter o público como co-criador.
Como a televisão pode contribuir para intensificar essa confluência de linguagens?
A TV é uma mídia instigante, com um potencial de experimentação gigantesca. Por questões comerciais, a maioria dos canais não faz isso. A TV aberta riscou a palavra risco e inseriu a palavra imitação. Mas já houve experimentos interessantíssimos, como o Olhar Eletrônico, a TV Pirata. Lembro de ter assistido na infância a programas com uma ousadia deliciosa. Hoje, com a TV por assinatura e a internet, amplia-se essa possibilidade, com canais voltados para as linguagens artísticas.
Como foi trabalhar na assistência de direção do espetáculo A Dama do Mar, com o diretor Robert Wilson?
Foi excelente. Ele representa um teatro no qual acredito, que busca uma experiência completa, que cria uma realidade que não é a da vida, que só existe no palco. Essa é uma das formas de o teatro sobreviver. A arte da experiência compartilhada. Houve muito entrosamento na proposta artística. Foi um trabalho de intensidade total. Com ele, tudo é muito controlado, seguimos uma partitura, mas ao mesmo ele dá espaço para experimentar. É um teatro de precisão, de estrutura, onde o ator encontra a segurança necessária para fazer seu trabalho. Foi extremamente mobilizador trabalhar com ele, porque ele nos desafia a ir para lugares pouco conhecidos e a descobrir novas soluções.