Postado em 29/07/2014
Quadrinhos, cinema, teatro... Quais são as diferentes portas de entrada para o universo literário?
Em Dom Quixote das crianças (Globo Editora, 1936), adaptação na qual Monteiro Lobato conta a história de Cervantes ao seu estilo, Emília diz que um bom livro deveria ser narrado com as palavras de Dona Benta. A frase da boneca reflete uma das principais questões que vieram à tona em maio deste ano, durante a polêmica sobre um projeto para criar versões simplificadas de livros de Machado de Assis: utilizar uma nova linguagem é um caminho para ganhar o gosto dos leitores?
Um autor que na infância teve contato com grandes obras por meio das adaptações de Monteiro Lobato foi Carlos Heitor Cony. Hoje, um dos mais célebres escritores brasileiros, Cony acredita que, muitas vezes, para uma iniciação literária, ler certos livros no original é complicado. “As adaptações não são necessárias, mas são recomendáveis, porque criam interesse pelos originais. Um jovem inglês médio, por exemplo, toma conhecimento de Shakespeare por adaptações escolares e depois decide se vai ou não procurar os originais”, exemplifica ele, que durante a carreira também adaptou livros como Moby Dick, de Herman Melville.
Quanto à adaptação para outras linguagens, Cony observa que elas também podem conquistar novos leitores, mas não se equivalem. “Um bom romance, um bom poema ou um bom texto teatral não pode ser reduzido para o cinema, porque são coisas próprias”, opina. “O enredo pode ser o mesmo, mas o encanto do livro é diferente do cinema. Cada arte tem a sua autonomia.”
O escritor Evandro Affonso Ferreira, vencedor do Prêmio Jabuti de 2013, considera a literatura ainda menos flexível. “Eu acho que a batalha deveria ser eternamente para fazer o leitor ler o livro, e não procurar outros caminhos”, afirma. “Não acho que a pessoa deve ver o filme e depois ler o livro. Como ex-dono de sebo, sou um amante visceral da palavra, do papel. A mídia dá muitas alternativas, mas, para mim, a grande alternativa é o livro.”
Palavras constroem mundos
Na opinião da professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais Zélia Versiani, uma das autoras de Livros e Telas (Editora UFMG, 2011), virar as costas para as produções em diferentes linguagens seria negar fortes aliados para a democratização da literatura. “Embora seja uma experiência artística única, a literatura está em permanente diálogo com outras produções culturais. É preciso superar o medo de que um filme substitui o livro que foi sua fonte de criação, ou de que a adaptação de uma obra para a TV põe em risco o seu valor estético. São linguagens diferentes e não há como compará-las”, defende. Para ela, é preciso mostrar que palavras dão conta de construir mundos e que somente lendo se alcança o tipo de prazer oferecido pela literatura. Assim, a principal porta de entrada para a literatura continuaria sendo a biblioteca: “Uma biblioteca bonita, agradável, confortável, com um bom acervo, que promova atividades literárias e que daqui a alguns anos tenha livros e tablets, que vão andar juntos ainda por muito tempo”.
O ponto de vista da professora reflete o de muitos educadores que veem, em tempos de imediatismos, a necessidade de estratégias na formação de leitores, para tornar a leitura uma atividade mais fascinante para crianças, jovens e adultos. As crianças seriam as mais fáceis de cativar, segundo Zélia. “Os livros ilustrados atraem, por si só, cumprindo com êxito esse papel. As mediações na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental devem favorecer a circulação dessas obras”, aponta a professora. No caso dos jovens, um caminho seria a criação de espaços de socialização das leituras, para compartilhar experiências ou produzir livros, vídeos e quadrinhos a partir dos textos lidos.
As histórias em quadrinhos têm sido cada vez mais aceitas como um caminho para incentivar a leitura, principalmente desde que passaram a fazer parte das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação e do Programa Nacional Biblioteca na Escola, em 2006. O professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos, Waldomiro Vergueiro, acredita que o uso de quadrinhos em sala de aula tem diversas vantagens: “Você traz para os alunos algo que faz parte do dia a dia deles, não havendo uma agressão à sua realidade”.
O professor vê com bons olhos o fato de grande parte do acervo de quadrinhos do programa Biblioteca na Escola ser formado por adaptações de obras literárias. “Uma visão instrumental parte do princípio de que o aluno vai ler a obra em quadrinhos e se interessar pelo original, mas não existem pesquisas que comprovem isso. Particularmente, eu acho indiferente”, opina. “O que nós temos é que ficar atentos, porque se tem feito muita coisa às pressas, prestando um desserviço tanto aos quadrinhos quando à literatura. Mas uma boa quadrinização, como a que é feita por Fábio Moon e Gabriel Bá, por exemplo, vai levar o estudante a ter contato com a obra literária, e isso é o que é mais importante.”
Parceria de sucesso
Sesc é responsável pela curadoria da programação cultural da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo
A 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo é um dos maiores acontecimentos do livro na América Latina e reúne as principais editoras, livrarias e distribuidoras do Brasil. Comprometido com o incentivo à leitura, o Sesc aceitou o convite da Câmara Brasileira do Livro (CBL) para compor a programação cultural desta edição do evento, que ocorre entre 22 e 31 de agosto.
“O Sesc já desenvolve nas suas unidades uma programação de incentivo à leitura e difusão da cultura de modo abrangente. Nesta parceria com a CBL, poderemos participar da bienal de forma mais forte”, explica o assistente de literatura e bibliotecas na Gerência de Ação Cultural Francis Manzoni. Em edições anteriores, o Sesc já realizava uma programação cultural no Estande das Edições Sesc e, na última, foi também convidado a compor parte da programação do Salão de Ideias. "Agora vamos poder participar com aproximadamente 400 atividades, somando forças com a Câmara Brasileira do Livro na realização do evento", completa Manzoni.
A curadoria da programação foi feita por uma equipe do Sesc, após diálogo com as editoras associadas à CBL. A grade foi criada para unir temas do universo da cultura literária a temas de interesse social, como protestos, Copa do Mundo, os 50 anos do golpe militar e outros assuntos da atualidade.
A programação divide-se em cinco espaços:
Salão de Ideias
Com a participação de escritores, críticos, filósofos, sociólogos, artistas nacionais e internacionais, o Salão de Ideias é um dos destaques da Bienal do Livro. Com uma pauta que inclui alguns dos principais assuntos da atualidade, foram concebidas 34 mesas, com 120 convidados. Os temas contemplam discussões atuais, como as manifestações que tomaram conta das ruas a partir de junho de 2013, o polêmico mundial de futebol de 2014, as leituras diferentes sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964, ou ainda temas culturais ligados à literatura, música, quadrinhos, teatro e cinema. Estarão presentes, entre outros, os escritores Jeff Lindsay, autor dos livros que deram origem à série de TV Dexter, os romancistas Cristovão Tezza, Patrícia Melo, Luiz Ruffato, Milton Hatoum e Elias Khoury, críticos de literatura, artes e música, como Silviano Santiago, Hans Ulrich Gumbrecht e Alex Ross, da revista The New Yorker, além de Chico César e autores consagrados pelo público infantil, como Ziraldo (foto) e Eva Furnari.
Espaço Imaginário
Com foco no público em idade escolar, as atividades irão tratar de temas como leitura, tecnologia, quadrinhos, games, blogs, vlogs, cosplay e RPG. Além da exposição de ilustração Brasil: Incontáveis Linhas, Incontáveis Histórias, o Espaço Imaginário terá oficinas, contação de histórias e interação com conteúdos digitais. Destaca-se a floresta de narrativas, onde árvores cenográficas narram histórias e proporcionam experiências interativas em “aplicateiros”, com tablets à disposição do público para leitura de app books. Há ainda atividades que possibilitam o contato direto com artistas e autores, como os ateliês abertos de criação ilustrada e as conversas com autores como Pedro Bandeira, Fábio Moon e Gabriel Bá.
Anfiteatro
O espaço terá mais de 40 espetáculos de teatro, música, dança, circo e cinema para todas as idades. A programação busca o diálogo entre literatura e outras linguagens artísticas. Um dos destaques é uma série de shows em que alguns dos maiores compositores e músicos brasileiros escolhem seu repertório inspirados em arquétipos que povoam a literatura e a imaginação dos leitores: Hermeto Pascoal, por exemplo, será o Bruxo; Zélia Duncan, a Amazona; Emicida, o Guerreiro. Além disso, haverá espetáculos teatrais com obras relacionadas à literatura, como a peça Imago – Uma Lua N’Água, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor argentino Júlio Cortázar, e Carta ao Pai, baseado na correspondência que o escritor tcheco Franz Kafka escreveu ao pai, em 1919.
Estande Edições Sesc
O estande receberá uma programação cultural integrada aos demais espaços, com intervenções artísticas e sonoras, como em Pixinguinha, com Carlos Malta e Bia Paes Leme. Além disso, estão programados encontros poéticos com convidados como Marcelo Nova e Drake Nova, e oficinas para pessoas cegas e com baixa visão. Nessas atividades, criadas a partir das publicações na área de artes visuais das Edições Sesc São Paulo, o público poderá ter contato com as obras dos artistas por meio de experiências táteis, sonoras e de criação artística, como em Mil e um Geraldos, sobre o artista plástico Geraldo de Barros.
BiblioSesc
Mais de 15 mil livros que fazem parte do projeto BiblioSesc, bibliotecas volantes coordenadas pelo Sesc e localizadas em bairros da capital e Grande São Paulo, estarão disponíveis para o público da bienal. Nos espaços BiblioSesc Praça da Palavra e BiblioSesc Praça de Histórias haverá também uma programação diversificada, com contação de histórias, intervenções musicais e bate-papo com autores. Em Clássicos da Periferia, convidados como Rappin Hood, Rodrigo Ogi e Ellen Oléria contam, em linguagem própria, a história de clássicos como Vidas Secas, de Graciliano Ramos; O Príncipe, de Maquiavel; Capitães da Areia, de Jorge Amado; e A Revolução dos Bichos, de George Orwell.