Postado em 19/12/2013
texto: Gabriel Vituri
Música, dança, cinema. Artes plásticas, artesanato. Capoeira, inclusão digital. Alfabetização, cultura. Além de educativas, todas essas práticas convergem também no sentido de promover a convivência entre diferentes gerações. Diversas entidades, públicas ou privadas, têm estimulado relações intergeracionais entre pessoas de todas as idades.
De olho nas mudanças no próprio perfil demográfico do país, que tem envelhecido nas últimas décadas, instituições públicas e privadas investem em programas que buscam promover relações entre os diversos segmentos da sociedade.
É precisamente esse o caso da OCA – Escola Cultural, que, desde 1996, promove diversas atividades sem separação por gênero ou idade. “Realizamos encontros frequentes com líderes da comunidade, na maioria dos casos da terceira idade, que vêm compartilhar saberes e demonstrar a importância de suas experiências”, explica Lucilene Silva, coordenadora da instituição. Na inclusão digital, por exemplo, são os cidadãos mais velhos que acabam aprendendo com crianças e adolescentes, habituados desde muito novos a usar computadores e outros aparatos tecnológicos.
Baseada em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, a escola atende em torno de 180 alunos de forma direta – e quase mil indiretamente. A OCA também atua em creches, colégios da região e em parques e áreas públicas. Para Lucilene, as ações devem acontecer “na perspectiva da troca de saberes e da valorização do que os mais experientes têm para compartilhar”, além, é claro, de fortalecer as contribuições mútuas. “Para nós, não há esforço em reunir todas as gerações, porque faz parte da nossa prática desde o início e os participantes dos programas têm isso em mente. Não existe um exercício ou um foco de que é assim ou assado que deve ser, porque acaba acontecendo de forma espontânea”, acrescenta. Um dos programas desenvolvidos pela instituição, por exemplo, promove encontros de crianças e adolescentes com mulheres mais velhas – algumas delas mães e avós – para ensinar a fazer rendas de tecido.
Bem longe da instituição paulista, no distrito de São Sebastião das Águas Claras, em Minas Gerais, outra organização não governamental trabalha de maneira parecida, com o princípio das relações intergeracionais sempre em mente. O Instituto Kairós, criado em 2002, tem a missão de gerar e transferir tecnologias sociais orientadas ao desenvolvimento humano, atuando no território por meio do fortalecimento de políticas públicas, de redes sociais e educativas, da autonomia produtiva, do protagonismo cultural das comunidades e da valorização dos recursos naturais e da biodiversidade.
Na ONG mineira, os encontros entre diferentes gerações são mediados por educadores sociais, artistas populares e griôs aprendizes, que usam da oralidade e contribuem para aproximar as linguagens. No Kairós, as atividades musicais com crianças e jovens são desenvolvidas junto com lideranças locais, que contam casos, lendas e outras brincadeiras criadas a partir da tradição oral. Nas rodas das idades, diferentes atividades acontecem: construção de brinquedos, histórias compartilhadas e até conversas sobre questões ligadas à sexualidade.
Dentre os projetos artísticos do Kairós, a música tem se destacado bastante nos últimos anos. Desde 2009, a organização desenvolve um trabalho sistematizado e aprofundado de formação musical, que resultou no Grupo Musical do Instituto Kairós - hoje convidado a participar de eventos culturais internos e externos à comunidade. O registro dessas histórias, acumuladas e registradas ao longo de anos, resultou no disco Currupio, em 2011, que rendeu apresentações não só no município de Nova Lima, onde é baseada a instituição, mas também em outras cidades.
Na OCA, conta Lucilene Silva, o convívio entre todas as gerações é “absolutamente natural”. A educadora, no entanto, ressalta que ainda há desafios a serem superados. “Quando levamos tais práticas para fora, em propostas com outros ambientes que não vivem isso, há uma resistência, e aí é necessário fazer trabalhos continuados para criar uma consciência de respeito”, diz. “Há escolas do entorno em que ninguém fala sobre essas experiências, onde não há essa tradição. Quando eles veem uma aluna nossa, adolescente, ministrando aulas e atividades com crianças menores, existe um estranhamento”. Na visão da educadora, esse “choque” acontece principalmente porque muitas instituições reproduzem em seus espaços apenas questões do senso comum, corriqueiras, deixando de lado as tradições e os ideais de respeito ao próximo.
CULTURA E EMPREENDEDORISMO
Embora as relações intergeracionais fora de casa sejam mais comuns em instituições voltadas para as áreas de educação e cultura, como é o caso da OCA e do Instituto Kairós, há também iniciativas que exploram outros nichos. Fundado em 2010, o Instituto Prosseguindo (IPROS) tem como foco o empreendedorismo e promove atividades para jovens, adultos e idosos. “Promovemos cursos e oficinas de intervenção comunitária, em que diferentes gerações são convidadas a buscarem conhecimento sobre como trazer suas experiências de vida para encontrarem juntos uma proposta de trabalho ou intervenção na comunidade”, explica Cláudia Soares de Oliveira, idealizadora e supervisora do IPROS.
Mesmo sem ter ainda um processo de avaliação sistematizado, Cláudia conta que o instituto vem usando outros métodos para estar a par de como seus alunos e ex-alunos estão atuando fora do curso. “Eles não passam pela gente e vão embora. Nós criamos uma rede com essas pessoas, que continuam sendo acompanhadas”, explica. Além disso, o IPROS tem uma página no Facebook, em que os participantes podem trocar suas experiências.
Para 2013, conta a especialista, que é graduada em matemática e pós-graduada em psicopedagogia pela PUC- -SP, o Prosseguindo prepara mais ações com ênfase na intergeracionalidade. “No IPROS partimos de uma visão relacional do mundo e entendemos que as gerações são interdependentes”, afirma Cláudia. Na visão da organização, o foco não é esta ou aquela geração, e sim o ideal de que é possível transformar vidas de forma empreendedora, “para que as pessoas sejam mais felizes realizando seus grandes sonhos”, nas palavras dela. “Mas não adianta achar que não vai ter conflito, pensar que vai ser tudo lindo e maravilhoso. As brigas, a criança que não quer, o idoso que não entende, isso existe, e é a partir disso tudo que você vai criando as relações”, ela completa.
Em março de 1998, com a promulgação de uma lei na cidade de Santos, no litoral paulista, a Secretaria de Assistência Social do município criou o Vovô Sabe Tudo. A ideia original, conta Rosana Gomes, uma das representantes do programa, era de que os idosos pudessem ensinar ofícios e profissões aos mais jovens. “No entanto, decorridos poucos meses, percebemos que a riqueza estava na possibilidade de integrar as gerações, e o foco do trabalho passou a ser esse”, explica a psicóloga. Desde então, mais de cem ‘vovôs’ passaram pelo projeto e muitos deles continuam participando em diferentes áreas: educação, turismo, meio ambiente, saúde e até junto à companhia de engenharia de tráfego local (CET).
Com apoio da Secretaria de Educação, para citar uma das frentes de atuação do Vovô Sabe Tudo, os idosos têm carga horária integrada ao ensino fundamental de algumas escolas, e atuam como orientadores de oficinas, contando histórias e ajudando a montar brinquedos. “No Meio Ambiente, temos uma vovó que ensina jardinagem e ministra cursos regulares no Jardim Botânico”, exemplifica Rosana Gomes. E o campo dos vovôs não se restringe aos assuntos mais batidos. Na CET, eles participam de programas que conversam com jovens e idosos sobre como se comportar e como ajudar a deixar o trânsito mais harmonioso. Há ainda aqueles que são monitores nos principais pontos turísticos de Santos, em igrejas e santuários, no Aquário Municipal, no orquidário da cidade e mesmo durante rotas do bonde que circula pelas grandes atrações da Baixada Santista.
Rosana Gomes, psicóloga e responsável pelo Vovô Sabe Tudo desde a sua implantação, resume: “O que realmente importa é que a relação intergeracional se estabeleça de forma continuada, dando ao idoso oportunidade de transmitir seus conhecimentos e sua experiência de vida a outras gerações”.
A opinião é semelhante a de Cláudia Soares, do Prosseguindo: “É importante deixar claro que o objetivo das atividades propostas não é tanto conseguir um resultado final, mas sim aproveitar ao máximo as possibilidades para que os participantes se relacionem, entrem em contato”. Em suma, a interação é mais importante que o produto. “O empreendendorismo deve florescer em diferentes gerações. Essa é a nossa razão de existir”, conclui.