Postado em 19/12/2013
Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade do Sesc São Paulo
Ouvimos, com certa frequência, queixas de pais que dizem que seus filhos não conversam com eles, pois preferem conviver com outros jovens fisicamente nas rodas de conversas e baladas ou pelo mundo virtual da internet. De fato, o isolamento dos jovens em seus quartos diante de uma tela de computador é uma cena muito comum atualmente, embora cada vez mais se reproduza também entre os mais velhos. Os avós, igualmente, se ressentem da falta de atenção dos netos, reclamando que estes dirigem a eles apenas frases, como: “Oi, vó” ou “Tchau, vó”, em breves e passageiras aparições. Mas, e os jovens, por sua vez, o que pensam sobre isso? Para muitos deles os adultos são chatos, mandões, incoerentes e vivem fazendo cobranças, enfim, não os entendem.
A dificuldade de relacionamento entre as gerações passou a ficar mais visível a partir dos anos 1960, anos de rebeldia juvenil, em vários países do mundo. Naquela época, protestos contra o autoritarismo dos pais e do Estado resultaram em greves e passeatas estudantis pela Europa e pelas Américas. Esse fenômeno chamou a atenção de cientistas sociais, psicólogos, psicanalistas e educadores que passaram a estudar mais profundamente as relações familiares.
Mas, até que ponto essa situação é nova? Não terá sido sempre assim? Muito se fala do conflito de gerações, buscando entender se o mesmo seria algo natural, seguindo a ideia de que os mais velhos são mesmo mais conservadores e que os jovens sempre anseiam por mudanças. Outra corrente considera que essa situação se deve à maneira como nossa sociedade se organiza. É provável que as duas hipóteses sejam procedentes. Ou seja, fatores filogenéticos seriam reforçados por determinações culturais.
Nas últimas décadas, porém, os movimentos de juventude arrefeceram. Muitos adultos até se queixam de certa apatia política dos jovens, quando comparados com aqueles moços do passado que já foram mais mobilizados, vale dizer, que são os que agora são pais! Irônica e contraditória situação. Mas, seja por apatia, indiferença ou, ainda, por rebeldia, as críticas se mantêm.
Sabemos que, no cotidiano, sobretudo das grandes cidades, as chances de encontro de gerações são raras, seja pela pouca oferta de espaços compartilhados, seja pela força dos preconceitos recíprocos. Percebemos que as atuais formas de organização social não favorecem o estabelecimento e o fortalecimento de laços afetivos. Ao contrário, valores que estimulam o individualismo, a competição e o consumismo, marcas registradas de nosso tempo, tendem a distanciar as pessoas. O exagerado crescimento urbano escasseou o relacionamento com amigos, parentes e vizinhos, ocasionando enfraquecimento dos esquemas de ajuda e cooperação.
Diante desse quadro de pouco diálogo entre gerações, qual pode ser o papel das entidades culturais? Desde sua fundação em 1946, o Sesc - Serviço Social do Comércio proporciona ao trabalhador e à sua família uma ocupação prazerosa e educativa de seu tempo livre. Pais e filhos, avós e netos têm a oportunidade de juntos desfrutarem de atividades de lazer e cultura nas dependências da instituição. Da mesma forma, na frequência a cursos e oficinas, velhos e moços têm a oportunidade de se conhecerem e trocarem experiências de vida. Surgem, assim, amizades entre crianças, adolescentes e idosos, amizades que, em al- guma medida, compensam a insuficiente comunicação que, infelizmente, caracteriza muitas famílias.
A fim de potencializar os benefícios dessa aproximação geracional, em 2003, o Sesc São Paulo lançou o programa Sesc Gerações, objetivando integrar crianças, jovens e adultos, estimulando suas relações em um clima de solidariedade entre pessoas de diferentes faixas etárias. Na verdade, houve uma sistematização de atividades intergeracionais, pois o Sesc há mais tempo foi palco de experiências férteis neste campo.
A mais antiga a alcançar repercussão se deu em 1977, desencadeada após uma pesquisa sobre brinquedos populares. Idosos foram convidados a desenvolver suas habilidades em oficinas de criatividade. Na sequência, em um evento em comemoração à Semana da Criança, esses velhos assumiram o comando de uma oficina, ensinando às crianças a confecção de brinquedos artesanais.
Esse processo repercutiu no sentimento de valorização dos idosos ao se darem conta do quanto têm a ensinar às novas gerações. Também puderam recuperar suas experiências de infância, o que, de acordo com especialistas, é uma forma que lhes permitem compreender melhor sua própria história, dando a ela um sentido.
Segundo declarações de vários participantes, a atividade também propiciou um envolvimento afetivo com crianças. Numa era em que se entrega o brinquedo já pronto à criança, a oportunidade de construí-lo estimula o desenvolvimento de certas habilidades manuais e contribui para o exercício da imaginação dos envolvidos. Essa convivência estimulou o surgimento de oficinas intergeracionais de criatividade e expressão artística em várias unidades operacionais do Sesc na Capital e no interior do Estado.
Outro exemplo são experiências intergeracionais envolvendo uma reflexão sobre sexualidade e relação com o corpo que aconteceram no Sesc Pompeia, tendo como participantes idosos e adolescentes. A primeira foi uma oficina de vídeo sobre o amor. Enquanto os jovens montaram uma produção sobre o Amor na Terceira Idade, os idosos retrataram o Amor na Adolescência, atividade que gerou debates sobre direito e capacidade de amar ao longo da vida. Os idosos puderam comparar as possibilidades de realização amorosa no tempo de sua própria juventude com o presente momento social. Com o aprofundamento das conversas, os adolescentes tiveram a oportunidade de superar a visão estereotipada de uma velhice não desejante e assexuada que ainda vigora entre nós. A outra oficina, envolvendo moda e customização de roupas, contou com a participação de moças e senhoras e colocou em questão a relação que temos com os nossos corpos. Como a adolescência e o envelhecimento são fases caracterizadas por notáveis mudanças físicas que muitas vezes provocam constrangimentos psicológicos, estabeleceram-se fortes identificações e empatia entre as participantes, além de um expressivo saldo de autoconhecimento do grupo.
Além dessas práticas criativas e transformadoras, em 2010 aconteceu o Seminário Internacional Encontro de Gerações. Constituiu-se como um momento de debate e reflexão sobre programas intergeracionais levados a cabo no Brasil e em outros países. Dentre os conferencistas, recebeu Sally Newman, diretora da ONG Generations Together, editora da revista americana Journal of Intergenerational Relationships e professora da Universidade de Pensilvânia, que apresentou a palestra Histórico das Ações Intergeracionais nos Estados Unidos. Mariano Sánchez, professor titular de sociologia da Universidade de Granada, desenvolveu o tema Programas intergeracionais na Europa: um balanço crítico de teorias, pesquisas, políticas e práticas. Durante o encontro, não apenas nas conferências, mas principalmente nas sessões de relatos de experiências, se pode ter uma ideia do que entidades públicas e particulares brasileiras realizam no âmbito da intergeracionalidade. Em sua maioria, as atividades intergeracionais no Brasil ocorrem nas áreas de lazer e cultura, mas têm havido igualmente atividades na área de educação e trabalho voluntário.
Há um longo caminho a ser percorrido na construção de relacionamentos mais afetivos entre gerações. O campo intergeracional é uma nova fonte de conhecimento na área das relações humanas, portanto, ainda pouco explorado e, tudo indica, muito promissor para o desenvolvimento de ferramentas eficientes de ações junto à família e a outros grupos sociais, como escola, trabalho e vizinhança. A intergeracionalidade se constitui como uma iniciativa para despertar o sentido das relações intergeracionais em um mundo individualizado. É importante destacar que as chances para uma relação positiva entre as gerações existem e, para isso, é preciso multiplicar as oportunidades de expressão da experiência e do desejo de mudança de todos os envolvidos, independentemente da idade.