Postado em 01/07/2014
Mana Pontez é produtora audiovisual. Trabalhou na produção de séries como A Vida como ela é e Hilda Furacão e de programas como Fantástico e Você Decide, na TV Globo. É idealizadora e produtora do documentário Mulheres Luminosas, dirigido pelo seu filho, Pedro Pontes, que o SescTV exibe neste mês.
Como surgiu a ideia do filme Mulheres Luminosas?
A ideia surge após meu filho Pedro e eu termos participado de um curso de Helio Eichbauer, no Espaço Tom Jobim. Em uma das aulas sobre artistas brasileiras entre o período de 1890 e 1930, conhecemos a escultora Nicolina Assis. Em São Cristóvão, onde fui criada, há uma escultura feita por ela, de uma serpente em bronze, onde brinquei diversas vezes. Fiquei intrigada. Depois, descobri que ela realizou obras públicas em jardins, parques e praças, como O Canto das Sereias, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e Fonte Monumental (1913/1923), na Praça Júlio Mesquita, em São Paulo, além de ter realizado sete bustos de presidentes brasileiros, hoje no Museu da República. Em outro momento, conheci a poetisa Gilka Machado, poeta simbolista muito perseguida, por ser mulher e ter a coragem de expressar os desejos femininos até então proibidos de se revelar pela sociedade opressora da época. Fiquei indignada em saber que essas duas grandes artistas do fim do século 20 continuam sem conhecimento do público e resolvi pensar em um projeto para revelar a memória dos caminhos percorridos pelo feminino nas artes.
Como foi o processo de escolha das quatro personagens do filme?
No processo de pesquisa, descobrimos o livro Mulheres Artistas, de Ana Paula Cavalcanti Simioni, professora da USP, que discute o ingresso feminino no mundo das artes. Apos lermos, contatamos a autora, que trouxe uma série de informações importantes para o documentário. Definimos, então, uma abordagem das primeiras mulheres artistas brasileiras nos quatro segmentos das artes: Nicolina Assis, na escultura; Chiquinha Gonzaga, na música; Gilka Machado, na literatura; e Georgina de Albuquerque, na pintura.
Quais eram as condições da mulher do final do século 19 e início do 20, no Brasil?
Em 1877, época do Império, Machado de Assis defendia que as mulheres ganhassem o direito de ir às urnas. Espirituoso, escreveu: “Venha, venha o voto feminino; eu o desejo, não somente porque é ideia de publicistas notáveis, mas porque é um elemento estético nas eleições, onde não há estética”. Machado assistiu à libertação dos escravos, à queda do Império e à proclamação da República, mas morreu sem ver o voto feminino. Seriam necessários longos 55 anos até que as brasileiras fossem finalmente autorizadas a votar. A permissão foi dada por Getúlio Vargas num decreto de 1932. O texto definia que o eleitor era “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”.
Você acredita que as quatro mulheres retratadas no documentário influenciaram ou foram influenciadas, de alguma forma, por outras mobilizações sociais a respeito dos temas da época, como o fim da escravidão, a República, o sufrágio universal, a emancipação feminina?
São mulheres que viveram no seu tempo, mas com visão e coragem para sedimentar o caminho que hoje trilhamos. Elas foram vanguarda. É de grande importância conhecermos a nossa história para entendermos as relações na sociedade contemporânea. A importância dessas e outras artistas para a arte brasileira. De como foi preciso que houvesse artistas mulheres corajosas, que enfrentassem o mundo masculino, para abrir espaço para todas as outras. Sem dúvida alguma, não conhecemos a nossa história como deveríamos. A nossa desavença com a memória talvez exista por sermos um povo adolescente, com ânsia imediatista, não valorizamos o nosso passado. Mas, sabemos que quem não conhece a sua história não pode construir o seu futuro. Se pensarmos em uma cronologia do tempo, percebemos que faz pouco tempo que as mulheres começaram a ocupar espaço nas artes, na política, no mercado. Com isso, a sociedade se transforma e todo esse movimento traz muitas conquistas para todos. Acho que hoje a situação das mulheres artistas está mais tranquila.
De que forma a TV contribui para o debate a respeito do espaço da mulher na arte?
A contribuição que a exibição do documentário proporciona é a reflexão e discussão sobre o processo de inclusão da mulher e de seu processo criativo nas diversas áreas da cultura brasileira, que só foram possíveis pela coragem e ousadia de grandes mulheres que conseguiram ocupar espaços de poder e decisão inacessíveis a ela até então. E inspira outros projetos, como meu trabalho mais recente, chamado Caminho da Terra, sobre as mulheres ceramistas do Vale do Jequitinhonha.