Postado em 13/07/2014
Entre junho e julho um assunto domina os bares, táxis, reuniões de família, encontros de amigos, jornais e redes sociais: a Copa do Mundo de Futebol. No Sesc, não é diferente. O Sesc na Copa apresenta uma programação para refletir sobre o futebol e valorizar seus aspectos culturais.
Parte do projeto acontece online, com a publicação do "Visões da Copa", uma série de charges e crônicas sobre os jogos da Seleção Brasileira, publicadas nos dias seguintes aos jogos do Brasil ou após o final de cada rodada.
Nesta edição, as visões do cartunista Junião e do jornalista Vladir Lemos. Boa leitura!
Por Vladir Lemos
Aos que andam fartos da realidade entrego aqui, de bom grado, minha cumplicidade. Pudera. O futebol brasileiro dos últimos dias nos soou como penitência, ainda que continuasse sendo só futebol. Em matéria de bola estamos agora mais pra Fred e companhia do que para aquela coisa encantadora que outrora vislumbramos nos gramados da Suécia, do México e da Espanha. Neste momento o que trazemos na alma - afinal, é lá que se joga futebol como bem disse Drummond - é o peso de termos nos descoberto comuns. Um duro castigo na imensa cota de sonho que o futebol quase sempre nos permitiu. Mas tenhamos, ao menos na hora da reflexão, a fibra que invejamos dos argentinos. Encaremos o momento com a humildade de quem entra em campo ausente da condição de favorito. Usemos desde agora a tática inversa da de Felipão porque ficou ainda mais óbvio depois do nosso encontro com os holandeses, na disputa pelo terceiro lugar, a necessidade urgente de encarar a realidade sem distorções. O Brasil esteve longe de alcançar seus adversários e pagou caro por esse despreparo. Robben, e sua velocidade, foi clara metáfora de algo que não estava ao nosso alcance. E se ainda falta para o Felipão uma prova contundente do insucesso da seleção brasileira, sugiro a ele rever o terceiro gol marcado pelos holandeses. Uma jogada dessas de ultrapassagem, um bê-a-bá da bola sendo o suficiente para destronar de algum lugar o futebol outrora mais respeitado do mundo.
E que não digam que não tiveram apoio. A paciência e a crença do nosso povo permaneceu intacta quase até o fim. Ninguém é de ferro. Vi, por exemplo, se espelhar nas apostas dos bolões a grande crença do brasileiro na seleção. Pelo que pude perceber no decorrer das últimas semanas as apostas eram sempre feitas de maneira esmagadora no Brasil. Não houve vitória com pênalti discutível, nem empate sem gols que fizesse isso mudar. Os bolões que cruzei por aí me soaram como uma grande prova de fé. Um verdadeiro GPS capaz de revelar por onde andava o coração da maioria. A fezinha no bolão - que em matéria de popularidade só deve ter perdido para o tradicional álbum de figurinhas - sempre foi um pouco uma aposta no que se que ver.
Era nessas apostas que o técnico da seleção brasileira deveria se basear pra saber com que fervor o povo estava torcendo. Sim, porque a crônica esportiva sempre tão maldita, acusada de jogar contra, pode ajudar a formar opinião, mas influenciar os palpites dos bolões, jamais. Há algo no bolão que transcende a aposta. Bolão não é quina, não é Mega Sena, nem loteria. O bolão é mais coração. O bolão faz pouco caso de teorias, desse papo boleiro-psíquico que tomou conta das nossas cabeças, e que nem Freud explica. Os bolões que bisbilhotei, todos eles, tinham uma alma desafiadora, que ousava rir do futebol organizado dos alemães, do momento mais maduro e propício para grandes triunfos, vivido pelos adversários. Os palpites expressos nos bolões estavam cheios de fé e de esperança. Neles esteve a mais perfeita escala para medir o que significou aquele monumental sete a um para a Alemanha, a mais perfeita escala pra medir o quanto nos toca esse futebol que não nos permite sonhar em ser o que um dia já fomos em matéria de bola. Em seu sentido mais amplo essa derrota que carregaremos como um fardo daqui em diante pode não conseguir mudar nosso futebol, mas tem tudo pra fazer o brasileiro repensar a fé que insistentemente depositou na seleção até uns dias atrás. Que fé teremos nesse nosso futebol de agora?
Vladir De Sa Lemos