Postado em 01/12/2000
Ainda reside no imaginário popular uma contraposição diametral entre capital e interior. Enquanto a vida na metrópole é considerada agitada, barulhenta e perigosa, as outras cidades do estado ofereceriam um estilo de vida pacato, provinciano e descompromissado. Tudo uma questão de ritmo. O fato é que esse raciocínio guarda uma verdade apenas parcial. Se por um lado o interior ainda se dá ao luxo de oferecer tais bonomias - como demonstram as cenas flagradas pelas lentes do fotógrafo Cristiano Mascaro, que ilustram esta matéria -, por outro, algumas regiões já rivalizam com a capital no desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural, com cidades enormes que também adquiriram o compasso atribulado do cotidiano paulistano e apresentam os mesmos problemas.
Nas últimas décadas, o deslocamento de um grande contingente populacional levou indústrias, universidades e empresas a se instalarem longe da capital. Para se ter uma idéia, o censo do IBGE constatou que durante os anos 1980, 650 mil pessoas deixaram a cidade de São Paulo com destino ao interior, "sendo que 50% desse contingente era dotado de qualificação técnica, administrativa e científica e recebia mais de dez salários mínimos", explica Rosane Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp (NEPO). "Essa é a prova da reestruturação produtiva, que desviou o curso dos investimentos. Foram criados outros centros produtivos que receberam essas pessoas."
A Revista E publica este mês uma breve radiografia de quatro das regiões mais proeminentes do estado de São Paulo, trazendo a público os aspectos que marcam suas singularidades, além de dados estatísticos que corroboram a tese lançada acima. Sem a pretensão de esgotar o assunto, a matéria visa apresentar o dia-a-dia de Santos, São José do Rio Preto, Campinas e Ribeirão Preto.
Desenvolvimento à beira-mar
Os primeiros portugueses que chegaram a Santos tiveram bom gosto. E a herança arquitetônica que deixaram consegue surpreender aqueles que passeiam pelas ruas estreitas da cidade velha. Antigos casarões com arquitetura colonial portuguesa, que prima pelos belos azulejos decorados - alguns originais até hoje - e pelo pé-direito bastante alto, isso para manter as casas frescas numa cidade úmida e quente. São todas geminadas, com fachadas enfeitadas por brasões, trabalho de pedreiros extremamente hábeis. Uma das mais famosas é a Bolsa Oficial do Café, atualmente um dos prédios mais visitados da cidade. Uma boa parte ainda funciona como escritório de agências de navegação ou de corretores de café, atividades ligadas intimamente ao porto. Outras se transformaram em bares, normalmente lotados no final da tarde, quando o expediente já está encerrado.
Na praia, onde estão os maiores jardins do mundo em orla (reconhecido pelo Guiness), há um enorme contraste. As construções modernas dominam a paisagem, apesar de ser fácil constatar os edifícios construídos nos anos de 1950, bem diferentes dos mais recentes, com vidros opacos e linhas mais arrojadas. E, por incrível que possa parecer, a cidade surpreende com a maior quantidade de prédios inclinados do mundo, conseqüência do solo arenoso onde foram construídos. Vários deles chegam a impressionar devido ao alto grau de inclinação, obrigando os técnicos a um estudo aprofundado do caso. Como se costuma dizer, "nesta orla existem várias torres de Pizza!". Na região, além dos prédios residenciais, concentram-se os bares mais famosos, casas de shows, vários hotéis, cinemas e restaurantes. Trata-se da zona turística, apesar de ser ocupada diariamente pelos santistas, particularmente na praia, onde milhares caminham à beira da água como exercício. A intenção é descarregar as tensões acumuladas durante o trabalho.
Portanto, essa velha cidade vive em função do mar. Seu porto, o maior da América Latina, é o grande fornecedor de emprego e nele chegam mais de 3.200 navios por ano. A praia, o grande pólo turístico, é o lugar com que a cidade mais se identifica, pois está apenas um metro acima do nível do mar. Talvez por essa convivência com o mar é que a cidade tenha tanta tradição de lutas políticas e sindicais. Pablo Neruda, que certo dia esteve lá, qualificou-a de "a pequena Moscou", tantos eram os movimentos sindicais. Uma cidade fora dos padrões brasileiros, tal a qualidade de vida e a infra-estrutura que pode oferecer.
Álvaro Carvalho Júnior é jornalista
453 anos; 410 mil habitantes A mortalidade infantil é de 16,55/1000, enquanto a média nacional é de 37,50. O analfabetismo fica em torno de 5,3%, contra 14,7% no Brasil. São oito emissoras de rádio FM, quatro afiliadas de redes nacionais de TV e dois jornais diários. Mais: 99% da área urbana é atendida por água, luz e esgoto, com 200 mil veículos rodando. O porto, o maior da América Latina, responde por mais de 65% das exportações do país e gera 40 mil empregos diretos e indiretos. |
Referência na indústria médica
Há infinitas maneiras de se ver São José do Rio Preto - sem o "São José" para os íntimos. Não há quem desgoste dela. Os forasteiros a acolhem (e são acolhidos) de corpo e alma.
Vibrante, moderna, empreendedora, grandes avenidas e edifícios, liderança regional, povo acolhedor, classe empresarial inteligente e clima tropical. Assim é São José do Rio Preto, na região noroeste do estado de São Paulo.
Seus indicadores econômicos, profissionais e sociais revelam uma cidade em pleno desenvolvimento, com forças produtivas que lhe permitem um permanente aquecimento econômico. Rio Preto está entre as melhores cidades do país em qualidade de vida e potencial de consumo, segundo dados da Fundação Seade.
Há em funcionamento 15.763 empresas, entre estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviço. A produção agrícola e pecuária também tem presença forte na economia local.
Uma das conquistas comerciais mais recentes foi a instalação da Estação Aduaneira Interior (conhecida como Porto Seco), um terminal de cargas que facilita a exportação de produtos regionais e a importação de outros.
Forte no comércio, a cidade descobriu sua vocação nas duas últimas décadas: prestação de serviços. Principalmente na área médica, em que é referência nacional em transplantes de fígado e rim e cirurgia cardíaca, com técnicas de especialistas rio-pretenses em cirurgia plástica e cardíaca reconhecidas no exterior. Detentora de uma indústria pioneira na fabricação de válvulas cardíacas e próteses, Rio Preto exporta sua produção para a América Latina e países do Primeiro Mundo.
Oito faculdades (entre elas uma unidade da Unesp) oferecem 46 cursos superiores. Há ainda três teatros, quatro cinemas, dois jornais diários (Diário da Região e Folha de Rio Preto), nove emissoras de rádio AM e FM, quatro estações retransmissoras de TV e uma emissora local, a Rede Vida. A cidade tem também filhos ilustres, entre eles o atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Aloysio Nunes Ferreira Filho. Um dos maiores pintores primitivistas do país, José Antônio da Silva, viveu a maior parte de sua vida em Rio Preto, que abriga um museu com suas obras. Todo ano, a cultura local se agita com a realização do Festival Nacional de Teatro Amador, em sua 19ª edição, incluído no calendário cultural do país.
Enfim, é uma cidade alegre e festeira, com qualidades e defeitos, com rodeio e festa do peão, shoppings explodindo por toda parte, uma cidade potente e generosa. Teimosa em progredir. Assim é Rio Preto.
Cecilia Demian é jornalista e escritora
146 anos; 360 mil habitantes Os números oficiais são significativos: média de um carro para cada dois habitantes, um médico para cada 300 habitantes (a média do Estado é de um médico para cada 500 habitantes) e alta renda per capita. Enquanto o país cresce 1,4% ao ano, Rio Preto cresce 2,5%. Na área de atendimento em saúde, há dez hospitais, alguns deles aparelhados para cirurgias de alta complexidade. O Hospital de Base funciona anexo à Faculdade de Medicina de Rio Preto recebendo pacientes de mais de 300 cidades, num total de 3 mil consultas/mês. |
Riqueza e miséria lado a lado
A revista norte-americana Wired decretou, em sua edição de julho deste ano, o que já era conhecido na mídia especializada: Campinas é sede de uma região que está entre os cinqüenta principais pólos tecnológicos do planeta.
A informação divulgada pela publicação, que é considerada a Bíblia da nova economi, foi um alimento para a auto-estima campineira, tão abalada ao longo dos anos 1990, mas ela sugere inevitavelmente a pergunta: como sintonizar essa face high tech com o outro lado da moeda, formado por indicadores sociais preocupantes e com uma violência que ameaça destruir todas as conquistas obtidas pela cidade e região?
Campinas tem, com efeito, um perfil diferenciado no cenário brasileiro. A cidade e a região são sedes de um dos mais importantes pólos universitários no país. São mais de 60 mil universitários, formando um dos principais contingentes responsáveis por um efervescente calendário cultural anual e por um dinâmico mercado de entretenimento, que inclui várias casas noturnas, salas de cinema e diversos endereços gastronômicos.
Do mesmo modo, Campinas e região são o endereço de centros de pesquisa de ponta expressivos, como o Instituto Agronômico (IAC), Centro de Tecnologia para Informática (CTI) e, mais recentemente, o Laboratório Nacional de Luz Síncroton, o único do gênero na América Latina.
Mas essa é a face reluzente de Campinas, uma cidade que tem uma renda per capita de pelo menos o dobro da média nacional, o que possibilita empreendimentos como a construção, em curso, do maior shopping center da América Latina por um grupo português, com inauguração prevista para outubro de 2001. O outro lado da moeda é o seu enorme contingente de famílias de baixa renda vivendo em condições subumanas e a assustadora espiral de violência.
São enormes, em suma, os desafios para Campinas, no sentido de pelo menos evitar que seja aprofundado o fosso entre a cidade brilhante e rica e a cidade triste e pobre. O que fazer? "O fundamental é criar uma rede de ações envolvendo setor público, segmento empresarial e terceiro setor, para que juntos possam definir estratégias concretas de combate à exclusão social", sustenta o engenheiro José Luiz Camargo Guazzelli, um dos responsáveis pelo Techno Park, condomínio de empresas de alta tecnologia em estruturação.
Outro vetor de esperança foi a oficialização, em 2000, da Região Metropolitana de Campinas, formada por dezenove municípios. A expectativa é a de que essa região de mais de 2 milhões de habitantes, uma das mais ricas do país, passe a tratar de forma articulada e integrada os seus problemas comuns no novo século.
José Pedro Soares Martins é escritor e jornalista
226 anos; um milhão de habitantes Campinas convive com um contingente de pelo menos 200 mil pessoas vivendo em favelas e áreas de ocupação ilegal, representando 20% da população. Em 1970, menos de 1% dos moradores vivia em favelas. São 80 mil desempregados. A síndrome de violência tem sido a grande tragédia campineira. Em 1999, foram cometidos 530 homicídios, podendo chegar a 600 este ano, a maioria deles ligados ao narcotráfico. |
Na trilha do açúcar e do teatro
Considerado um dos centros mais desenvolvidos do Brasil, cercada por 84 municípios, Ribeirão Preto é a maior cidade da região e registra um invejável PIB (Produto Interno Bruto) de 3,4 bilhões de dólares e renda per capita de 6 mil dólares. Seus 13 mil estabelecimentos comerciais transformaram a cidade no principal centro de consumo do Nordeste paulista, tanto no setor de prestação de serviço como no de comércio. Na agroindústria, o setor sucroalcooleiro se destaca, produzindo 20% do açúcar e 32% do álcool combustível extraído da cana-de-açúcar do país. "A cana começa a produzir novas tecnologias, sendo que a produção de energia e plástico biodegradável já está revolucionando o setor; 50% da economia regional se concentra nesse setor", informa Manoel Ortolan, presidente da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canoeste).
A região responde ainda por 70% da produção do suco de laranja que é exportado para os Estados Unidos, Europa e Ásia e ocupa a quarta posição na praça financeira em compensação de cheques; no setor agrícola é responsável por 60% da produção de soja e 55% da produção do amendoim no estado. Como pólo educacional, Ribeirão supera muitas capitais, com cinco universidades: USP, UNIP, UNAERP, Barão de Mauá e Centro Universitário Moura Lacerda. O campus da USP, por exemplo, possui um setor de pesquisa de referência para todo país, correspondendo a 4% dos trabalhos acadêmicos do estado, reconhecidos internacionalmente.
O circuito cultural comporta o complexo Morro do São Bento, formado pelo Bosque Municipal, Zoológico, Santuário das Sete Capelas e Teatro Municipal e de Arena, além de uma unidade do Sesc. Outro destaque cultural, o Teatro Pedro II, considerado o maior teatro de ópera da América Latina, foi construído na década de 1930 e restaurado recentemente. Segundo o jornalista e encenador Gilsom Filho, "é preciso colocar os teatros a serviço da produção local e regional, e não apenas como casa de espetáculos para produções nacionais".
Quanto à questão da qualidade de vida, a condição interiorana de Ribeirão é arranhada pela magnitude urbana atual. Para o ambientalista Reinaldo Romero, da Fundação Pau-Brasil, a cidade ainda é carente no tocante à arborização, mas "temos uma sociedade preocupada com o meio ambiente e podemos reverter a situação a curto prazo", diz.
Cristina Souza Borges é jornalista
144 anos; 455 mil habitantes A rede municipal de educação abriga 35.107 alunos, além de quatro escolas profissionalizantes. A rede de saúde, de renome nacional, é composta por 16 hospitais e 35 unidades básicas de saúde. A cidade se destaca ainda no turismo comercial. Pelo menos duas feiras realizadas anualmente, GRISHOW e FEAPAM, atraem muitos turistas. Ao longo de sua história, Ribeirão recebeu títulos que lhe renderam fama internacional, entre eles, Capital do Café, da Cultura e do Chope. |