Postado em 10/06/2014
Quanto mais severa é a crise, mais criativas são as pessoas. A frase é do artista cubano Ernesto Oroza, cujo livro "Desobediência Tecnológica" analisa como Cuba consegue manter-se de pé, ainda que os embargos todos compliquem a vida na ilha. No texto, Oroza conta histórias de pessoas que mudam o significado de objetos obsoletos para coisas úteis ao cotidiano. Desde jogos para crianças até transporte, tudo é transformado e substituído por artefatos manufaturados: uma geladeira vira uma motocicleta, que depois vira um aquecedor, que depois vira uma bateria e assim por diante.
Para Oroza, ter a capacidade de criar com o que está a mão é uma questão de sobervivência, tão certeiro quanto a necessidade de água para o florescimento da vida, como na Mesopotâmia dos rios Tigre e Eufrates; como no rio São Francisco. O maior rio inteiramente brasileiro passa por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, deixando para trás um rastro de criatividade até desaguar no mar.
Nesses estados, na rota do rio, ve-se surgir, a muito tempo, "um conjunto de valores que fala da capacidade de criar e transformar a partir dos materiais e dos elementos que existem ao alcance". Parecido com o que acontece em Cuba, todavia, as fala não é de Oroza, tampouco falam de desobediência tecnológica: trata-se de um apontamento de Ângela Mascelani, curadora e diretora do Museu da Casa do Pontal (Rio de Janeiro/RJ), sobre um dos significados que o termo "popular" pode guardar. A colocação está no material da exposição "O Brasil na Arte Popular", no Sesc Belenzinho até 10 de agosto.
Como se fosse fácil definir 'arte', 'Brasil' ou 'popular', emprestamos um pouco da concepção de Oroza sobre a transformação daquilo que está à mão, como algo que possa unir as 400 obras de 51 artistas de 12 estados brasileiros, todos elas parte do acervo do museu administrado por Mascelani.
O rio São Francisco funciona como o condutor de histórias e conhecimento - assim, como o Jequitinhonha (que banha MG e BA) e o Paraíba (PB). Entretanto, numa amostra do tamanho do nosso país, cria-se de formas distintas, seja perto ou longe do rio.
As mulheres do vale do Jequitinhonha transformaram a ausência dos cônjunges, que partiram para a cidade grande, em noivas, simbolizando o enlace divino; a Cavalhada de Pirinópolis aproxima as cruzadas ao interior do país, colocando mouros e cristãos frente a frente, novamente, ano após ano, contando e revelando uma das matrizes históricas do Brasil que crê nos códigos do catolicismo; Adalton reconstrói o carnaval numa geringonça enorme, colocando todos os bonecos para se mexer, como se ganhassem vida ao escutar o repique e o bumbo.
A sensação é de que se é difícil definir, 'arte' e 'popular', muito do Brasil se explica nessa refação de artistas que criam sua vida na lida diária com o seu meio. Se isso tudo só faz a percepção sobre o que é o nosso país ainda mais complexa, não há problemas: a arte popular ainda conserva o belo que apazigua e nos põe de volta no mesmo rumo, embora certamente mudados.
A exposição fica no Sesc Belenzinho até 10 de agosto, o que dá bastante tempo para visitar, repensar, adquirir conhecimento e tornar a ver o Brasil com olhos novos.
o que: | O Brasil na Arte Popular |
quando: |
até 10 de agosto |
onde: |