Postado em 01/11/2000
A crise fiscal é uma realidade, e o contribuinte sua maior vítima
A reunião do dia 13 de setembro de 2000 do Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, foi dedicada às conclusões do Congresso sobre o Código de Defesa do Contribuinte, coordenado pelo jurista Ney Prado.
IVES GANDRA MARTINS – Foi muito expressivo o debate sobre o Código de Defesa do Contribuinte: teve a participação de ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do senador Eduardo Suplicy, do deputado Mussa Demes, de empresários e de vários juristas. O professor Ney Prado vai fazer uma exposição do projeto e em seguida o assunto entrará em debate.
NEY PRADO – Como é do conhecimento dos ilustres conselheiros, a Academia Internacional de Direito e Economia promoveu, nos dias 4 e 5 de setembro, um grande evento tendo como tema principal "O Código de Defesa do Contribuinte". Os objetivos principais do congresso foram: ouvir os interlocutores representativos dos setores público e privado quanto à importância, oportunidade e necessidade de elaborar um código de defesa do contribuinte; analisar como o poder público trata o contribuinte e como o contribuinte se comporta quanto à tributação; definir o papel do contribuinte, fixando seus direitos, garantias e deveres; definir o papel do Estado, determinando sua competência e limites tributários; debater crítica e construtivamente o projeto do Código de Defesa do Contribuinte, de autoria do senador Jorge Bornhausen, e, por último, discutir ações estratégicas visando a aprovação pelo Congresso Nacional.
Este conselho já teve a oportunidade de analisar detalhadamente o conteúdo do projeto Bornhausen.
O propósito de minha exposição é duplo: reproduzir de forma sucinta algumas conclusões consensuais extraídas ao longo do referido congresso e também dissertar sobre as eventuais ações estratégicas que os contribuintes deveriam adotar para viabilizar o seu projeto.
A primeira conclusão, que me pareceu representar o pensamento da grande maioria dos participantes, foi a de que há efetivamente necessidade de criar um código do contribuinte. As dúvidas que pairam são quanto a seu conteúdo.
Inúmeras justificativas de ordem jurídica, moral, funcional e política foram apresentadas, tais como: a de que existe crescente voracidade e abuso no tributar, o desvio de poder no fiscalizar e o excesso no punir por parte do Estado; a de que as limitações ao poder de tributar elencadas na Constituição Federal (artigos 150 a 152) são insuficientes; a de que o equilíbrio na relação Fisco-contribuinte passa pela ampliação e melhor explicitação dos direitos e garantias dos contribuintes estabelecidos em nosso texto constitucional; a de que existe notória corrupção por parte de muitos agentes fiscais, em todos os níveis da federação; a de que existe, por outro lado, alto nível de sonegação e elisão fiscal; a de que a atual legislação tem provocado um aumento no grau de litigiosidade; a de que a certeza e a segurança jurídicas estão comprometidas; a de que aumentaram os custos de transação nos negócios; a de que tem havido desestímulo ao investimento produtivo; a de que está havendo perda de competitividade internacional para os produtos nacionais; a de que o Estado fiscalista está em crise; a de que o governo vem perdendo legitimidade política; a de que há uma forte conscientização popular quanto à necessidade de obter uma verdadeira cidadania fiscal.
Mas a grande pergunta que permanece é a seguinte: há atualmente viabilidade política para a aprovação do código? A mim me parece que, não obstante as resistências de alguns setores da sociedade, as condições objetivas e subjetivas atuais são favoráveis. Justifico meu ponto de vista com base nos seguintes argumentos: a crise fiscal do Estado é uma realidade e o contribuinte tornou-se a sua maior vítima; o tema "defesa do contribuinte" tem grande apelo político, na medida em que contribuinte e eleitor, em sua grande maioria, são categorias indissociáveis; diferentemente do passado, hoje existe um texto jurídico bem articulado já apresentado a consideração do Congresso Nacional, patrocinado por um competente senador e sustentado por um partido nacionalmente forte e bem-estruturado (PFL); porque já existem precedentes, como é o caso de Minas Gerais, que conseguiu ver aprovado seu código do contribuinte; e, por último, o argumento de que vivemos momento de grandes reformas, que já redundaram na criação de códigos análogos, como do menor, do consumidor, etc.
Mas quais as vias políticas de que dispõem os contribuintes para a aprovação de um código dessa natureza? A primeira é a da democracia representativa. Isso significa entregar pura e simplesmente o processo nas mãos de nossos representantes políticos. Aos contribuintes caberia apenas manterem-se silentes e contemplativos, aguardando a solução do problema através do embate congressual.
A outra via é a da democracia participativa. Nesta hipótese, o processo deixa de ser vegetativo, exigindo dos contribuintes um novo tipo de atitude e comportamento político. Isso implica sair do imobilismo e partir para uma mobilização organizada e planejada. É bem provável que, por meio de uma pressão forte e organizada, a maioria de nossos representantes políticos poderão aderir à causa dos contribuintes.
No passado, tivemos inúmeras manifestações idênticas. Em congresso realizado em São Paulo, há muitos anos, mais de 5 mil contribuintes a ele entusiasticamente compareceram para defender seus direitos. Mas lamentavelmente não se deu continuidade àquele notável esforço, exatamente, a meu ver, pela inexistência de um texto jurídico bem articulado, que possibilitasse aos contribuintes lutar objetivamente por sua aprovação e defendê-lo perante o Congresso Nacional.
IVES GANDRA – Essa é uma realidade, mas tivemos algumas vitórias naquela reunião, como o apoio do "Jornal da Tarde", que fez a campanha Diga Não ao Leão. Das oito sugestões apresentadas para reformar o Imposto de Renda, seis delas foram aceitas pelo governo. Foi algo extremamente pontual, valeu para o projeto específico, mas a questão mais ambiciosa não saiu do papel.
NEY PRADO – Para que os contribuintes possam atingir de forma mais eficaz seu objetivo maior, entendo necessário que sua ação se apóie em algum tipo de planejamento estratégico. As vantagens do planejamento são inúmeras: ele racionaliza o poder; integra e unifica a ação; organiza para gerar mais poder; mobiliza a ação para reforçar a vontade; orienta quanto à melhor forma de agir; dá coerência ao cumprimento de diretrizes; otimiza recursos e torna mais eficazes os resultados.
Na palestra que proferi no referido congresso estabeleci quatro fases no desenvolvimento do plano estratégico: a da formação do poder; a da aplicação do poder; a da orientação intelectual aos detentores do poder e, por último, a da fiscalização do poder.
Parti da premissa de que os contribuintes possuem grande potencial político, mas não chegam a ter efetivamente poder político. Sua grande maioria deseja ter seu código, mas não dispõe, por inúmeras razões, de vontade suficiente para transformar seu desejo em realidade. Aí reside a diferença entre potencial e poder. O poder se caracteriza pela soma da vontade e dos meios de que se dispõe. Por isso é fundamental que os contribuintes transformem seu manifesto potencial em poder, reforçando sua vontade e aplicando os recursos humanos, técnicos, financeiros e organizacionais de que dispõem. Parti também da premissa de que os congressistas, mesmo os mais bem-preparados, não conhecem, em toda a sua profundidade, matéria complexa como essa que estamos analisando. Cabe, portanto, a nós, também contribuintes, a orientação intelectual aos homens do poder, oferecendo-lhes informações, idéias, pesquisas, dados, análises, por meio de congressos, conferências, artigos e publicações.
A última fase diz respeito à fiscalização do poder. Isso significa acompanhar a tramitação do projeto, saber quais os congressistas que tendem a votar favoravelmente aos contribuintes e quais os que resistem e por quê. Seria extremamente útil, por um lado, identificar o universo antagônico existente no Congresso Nacional e, por outro lado, cobrar lealdade aos parlamentares comprometidos com a causa dos contribuintes. O grande e principal desafio é saber se os contribuintes saberão se mobilizar de forma planejada e se estão dispostos a aplicar os meios de que dispõem para concretizar a aprovação de seu código.
Por oportuno desejo reproduzir o seguinte ensinamento de Franklin Delano Roosevelt: "Os impostos são pagos com o suor de cada homem que trabalha. Se tais impostos são excessivos, ficam refletidos nas fábricas paradas, nas fazendas vendidas para saldar tributos e nas hordas de pessoas famintas vagando pelas ruas e procurando emprego em vão".
Vejam como chegou a hora de a gente se movimentar...
EDVALDO BRITO – Existe uma movimentação de apoio. Um exemplo é o do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas, que está promovendo, naquele estado, um debate sobre o Código de Defesa do Contribuinte. Essa mobilização está ocorrendo no país todo, de um extremo a outro.
OSCAR DIAS CORRêA – Devemos lutar por esse plano. É possível que a técnica usada para acabar com ele seja a de incluir algumas medidas extravagantes, como ocorreu no Código de Processo Penal.
IVES GANDRA – É interessante notar que a manifestação dos maiores representantes das diversas áreas da Receita Federal, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e do INSS foi adequada, mas para grande parte de seus assessores pareceu que se tratava do "código de defesa do sonegador". Partem do princípio de que todo contribuinte que sustenta o Estado é sonegador. Enquanto eles, que são do governo, gastam, desperdiçam e se envolvem em corrupção, nós, que "sonegamos", pagamos uma carga tributária de 33%, maior que a dos Estados Unidos, e recebemos em troca um serviço público do nível do de Ruanda. É evidente que eles são honestos por desperdiçarem nosso dinheiro e não criarem riquezas nem empregos, e nós somos desonestos porque criamos riqueza e ainda suportamos a arrecadação.
MARCO AURÉLIO GRECO – Tenho uma visão um pouco diferente da que foi exposta. Não acho que essa seja uma defesa do sonegador. Há um consenso de que precisamos de uma atualização, só que em minha visão ela deve se dar no bojo do Código Tributário. Devemos incorporar a experiência dos últimos 30 anos. Defender o contribuinte, hoje, é inserir numa lei complementar a disciplina dos dois principais temas que o angustiam: as medidas provisórias em matéria tributária e a figura das contribuições. O grande passo é encontrar um ponto de equilíbrio na convivência com o Estado, porque o relacionamento entre Fisco e contribuinte está se esgarçando numa velocidade impressionante.
NEY PRADO – É o preconceito.
MARCO AURÉLIO – Exatamente, são as posturas. Dizer que do lado do contribuinte só há o sonegador e que do lado do Fisco só existe o arbitrário é o pior contexto de convivência. A meu ver, a divergência fundamental é essa. Não sou favorável a uma nova lei porque talvez percamos a unidade sistêmica entre o Estado e a sociedade.
IVES GANDRA – Concordaria com você, se tivéssemos uma norma antiabuso. As normas que compõem o Código de Defesa do Contribuinte são processuais de defesa e não materiais.
MARCO AURÉLIO – Outro aspecto em que se deve ter cautela é na comparação com outros países. Dentre as disposições tributárias dos Estados Unidos, foram editadas, este ano, normas que disciplinam a obrigação de todos os consultores da área de colocar à disposição do Fisco o modelo de planejamento empregado, as empresas que o utilizaram e os valores referentes. Não é possível seguir exemplos, a experiência tem de ser brasileira. Temos uma lei complementar, que funciona há 35 anos, e que considero primorosa. Há divergências? Há. Mas acho que essa experiência brasileira é que deveria ser levada adiante, talvez com um capítulo inicial que definisse os direitos do contribuinte, para depois entrar no funcionamento do sistema tributário como um todo.
NEY PRADO – Marco Aurélio, acredito que a diferença é que na América o problema não é de arrecadação, é de identificação da origem do dinheiro.
MARCO AURÉLIO – É de arrecadação, sim, Ney.
IVES GANDRA – Nos últimos cinco anos, só foram feitas normas de restrição aos direitos dos contribuintes, houve o arrolamento fiscal e o problema do Cadim (cadastro de pessoas físicas e jurídicas em débito com órgãos federais). Nosso objetivo é dar o mesmo equilíbrio nas relações entre Fisco e contribuinte, e ampla defesa.
MARCO AURÉLIO – Mas o ponto de partida, que foi a lei do consumidor, não tem nada a ver com a do contribuinte, uma vez que no Código de Defesa do Consumidor o Estado aparece como terceiro numa relação de poder, enquanto na relação tributária a lei impera. Então, o tema, aqui, é um pouco diferente: é postura, não é defesa.
IVES GANDRA – Apesar disso, você há de reconhecer que desde 1988 as normas restringiram os direitos dos contribuintes em discussão judicial. O que se está pretendendo é exclusivamente uma relação processual para estabelecer o direito de defesa. Evidentemente, esse e os demais aspectos de direito material abrem um amplo campo de discussão.
MARCO AURÉLIO – O que estou dizendo é que tudo aquilo contra o que nos rebelamos – arrolamento, cautelar fiscal, etc. – são medidas aprovadas em lei. Ora, a lei tem de ser mudada, e essa é uma questão política, como disse Ney Prado; se não conseguirmos mudá-la é porque somos minoria.
IVES GANDRA – Marco Aurélio, não estou discutindo o que não foi aprovado em lei. Só pretendemos repor os direitos do contribuinte, que foram restringidos em excesso. O fato de ser lei não justifica o abuso. O ministro de defesa de Hitler dizia: "Não posso ser julgado em Nuremberg porque cumpri a lei de meu país".
NEY PRADO – É a legalidade e não a legitimidade.
MARCO AURÉLIO – Esse é outro debate para outra sessão, se me permitem.
WAGNER MAR – No Brasil, a questão dos tributos é trágica. A vulnerabilidade do contribuinte, sobretudo do pequeno e do médio empresário, é dramática. Esse problema tem de ser encarado do ponto de vista político. Se discutirmos direito material e processual, correremos o risco de perder tempo, como ocorreu com a reforma do direito tributário, e deixar passar o momento político. O governo não quer esse código, assim como não quer a reforma tributária.
O consumidor sempre foi tido como um elo fraco da corrente econômica; o contribuinte é o empresário, o elo forte da cadeia. Fazer uma defesa desse contribuinte talvez não seja a coisa mais adequada. Por isso seria melhor pensar num código de direitos e deveres do contribuinte.
IVES GANDRA – Aliás, no simpósio do dia 21 de outubro utilizaremos esta expressão: direitos fundamentais do contribuinte.
AMÉRICO LACOMBE – A defesa do consumidor é necessária, uma vez que o governo tenta desmoralizar qualquer iniciativa, sob a alegação de que vai favorecer os criminosos. Quando se fala em direitos humanos, dizem que estão defendendo bandidos, esquecendo que, no dia em que os bandidos não tiverem direitos, nós também deixamos de ter esses direitos.
Quanto à técnica de luta, temos de concentrar todos os esforços no Senado, o núcleo iniciador, que vai rever todas as emendas feitas na Câmara dos Deputados. Como o número de senadores é infinitamente menor, teremos muito mais facilidade, nesse primeiro momento, em concentrar as atividades no Senado. Já a questão do depósito de 30% para recurso ao Conselho do Contribuinte é a medida mais inócua que foi feita; ninguém mais vai recorrer a ele, vai direto à Justiça.
IVES GANDRA – Depois disso, o número de recursos caiu assustadoramente.
AMÉRICO LACOMBE – Em conseqüência, a Justiça fica sobrecarregada. Fala-se em indústria de liminares, mas não se fala da matéria-prima que a sustenta, que são os atos inconstitucionais e ilegais que o governo pratica. Por isso, temos de lutar seriamente pelo Código de Defesa de Contribuintes, mudando o seu nome.
ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – Um aspecto que deveria ser levado em consideração é que a diminuição do nível da magistratura e do próprio Ministério Público tem potencializado a ausência de defesa do contribuinte. De um lado, temos uma legislação altamente complexa, de outro, o contribuinte utilizando centenas de recursos, muitas vezes indevidos, porque não há controle do advogado irresponsável. Esse é um caso muito sério. Por outro lado, ainda, há o Judiciário, que não consegue conciliar todas essas posições. Parece-me que seria importante tentar ter no Brasil uma corte fiscal. Colocar um recém-formado com um ou dois anos de experiência como magistrado para decidir questões sobre as quais os especialistas têm de se debruçar em profundidade para entendê-las é no mínimo uma irresponsabilidade do sistema. Por isso seria louvável a criação de cortes fiscais, em que os juízes das varas especializadas formariam um corpo competente.
HÉLIO DE BURGOS-CABAL – Nada existe isolado, tudo está ligado. Vejam como é fugidia a idéia de justiça e racionalidade. Numa sociedade como a nossa, em que a organização político-institucional é omissa, a aprovação de um código recairá num clima de ceticismo, pela razão de que a justiça de uma lei depende da racionalidade da despesa pública, sendo que 50% do gasto público é puro desperdício. O contribuinte quer pagar menos e exigir mais, e o Estado quer cobrar mais, mas esquece o fundamental, que é a economicidade da despesa. De que adianta aumentar a receita sem atender a necessidade de racionalizar a despesa? Isso tudo, porém, não é válido para o verdadeiro objeto: a segurança da defesa do contribuinte perante o Fisco.
PAULO PLANET BUARQUE – Tenho uma pergunta técnica a respeito da exposição de Ney Prado. A Federação do Comércio do Estado de São Paulo assumiria a liderança ou o comando da campanha?
NEY PRADO – Abram Szajman tem sensibilidade política. Acho que a Federação do Comércio deveria assumir essa causa, porque se for para a Fiesp o assunto ficará apenas na retórica.
IVES GANDRA – Os presidentes dos sindicatos aprovaram, e a Confederação Nacional do Comércio deve assumir posição favorável. O mais importante é que o presidente do PFL e seu partido sensibilizem as lideranças políticas para que a sociedade possa exercer pressão.
GASTÃO ALVES DE TOLEDO – O Código de Defesa do Contribuinte vai encontrar muita resistência em sua tramitação. Mesmo que seja aprovado no Congresso Nacional, o presidente pode vetar um ou outro artigo mais importantes. Voltando ao texto do projeto, valeria a pena levar em conta alguns preceitos de política legislativa. Foi dito aqui que, se é lei, deve ser respeitada. Creio que é preciso haver uma legislação complementar explicando como o Legislativo deve fazer a lei. Vou citar alguns princípios que têm de estar presentes no plano. O primeiro é a razoabilidade. Até que ponto é razoável a formulação para o legislador de como deve se comportar em face de um preceito? O segundo, a proporcionalidade, que se desdobra em alguns requisitos, como o da adequação dos meios com os fins, o da necessidade, e sobretudo o princípio da proibição do excesso. A legislação existente não leva este último em conta. É por isso que ela se tornou em tese inconstitucional, e nem os tribunais às vezes notam essa inconstitucionalidade, porque a percepção de detalhes não é muito fácil. Acho que, se estamos falando de uma lei que vai limitar a capacidade, não só da administração pública, mas do próprio legislador com relação à formulação legislativa, ela deveria levar em consideração esses princípios de uma maneira menos genérica. Não me agrada colocar numa lei simplesmente a repetição do que está no texto constitucional. Ela tem de regrar alguns fatos que estão numa zona cinzenta de aplicabilidade das normas existentes. Essa tarefa não vai ser fácil, até sob o ponto de vista da própria elaboração final do texto. Vai haver um questionamento muito severo durante sua tramitação, especialmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e certamente ela encontrará barreiras fantásticas dentro do próprio PFL, uma vez que a Receita Federal está nas mãos desse partido. Portanto, há complicações de natureza jurídica, teórica e política. Espero que as sugestões de Ney Prado possam ser seguidas, mas é preciso ter muito cuidado em relação à Câmara dos Deputados.
ELISABETH LIBERTUCI – Esse é o aspecto que mais preocupa. Como vai ter grande resistência no Congresso, a chance de o projeto ser deturpado é grande. Por isso vejo o Código Tributário Nacional como o melhor lugar em que esse assunto possa ser legislado, e coloco isso em debate.
IVES GANDRA – O que ocorre é que a alteração do Código Tributário Nacional foi apresentada pela Receita Federal, o que o tornou muito mais restritivo. No projeto de reforma tributária do deputado Mussa Demes, a autoridade que tivesse causado lesão ao contribuinte seria responsabilizada; mas a Receita Federal fez uma pressão violentíssima, ameaçando nunca mais fiscalizar ninguém. O contribuinte não tem nenhuma espécie de direito. Se o projeto estivesse dentro do Código Tributário Nacional, teria muito menos chances, nenhuma visibilidade, e seria pulverizado. Com visibilidade, estou convencido de que o processo vai ser árduo, e dependerá de nossa capacidade de articulação. Sem ela, será completamente deformado. Se nos mobilizarmos e a imprensa exercer pressão, os deputados, que são extremamente sensíveis à mídia, terminarão aprovando. Se não agirmos, mereceremos ter a lei que temos.
NEY PRADO – Do ponto de vista jurídico, sua proposta é perfeita, mas não tem apelo político, é difusa. A sociedade só se mobilizará depois que o quadro estiver bem definido. E a imprensa não contribui.
IVES GANDRA – A concretização do projeto vai depender de nossa capacidade de pressão. Se a direção dos jornais encampar essa luta, que é de cidadania, e impuser determinada linha, estou convencido de que teremos chance.