Postado em 23/05/2014
Por Ricardo Lísias
Meu avô inaugurou as expedições com os netos em 1985. Tenho certeza da data por causa dos destroços do Titanic. Estávamos assistindo à televisão quando o repórter informou que tinham acabado de localizar os restos do navio. Meu avô diminuiu o volume, olhou para os netos que estavam com ele na sala e disse, solene: vocês sabem que, como não dava para se salvar mesmo, os membros da orquestra se reuniram no convés e, enquanto o navio naufragava, tocaram “Mais perto quero estar, meu Deus, de ti”? Diante do nosso silêncio, ele se levantou e foi até o piano. Para mim, meu irmão resolveu estudar música por causa desse dia. Meu avô detestou o filme com o Leonardo DiCaprio. Foi muito mais sério, resmungou na saída do cinema.
Deve ter sido perto do fim do ano. A casa era enorme e meus avós sempre montavam uma árvore bem grande. Em uma dessas ocasiões, ao colocar o pisca-pisca, meu avô me explicou um detalhe sobre eletricidade: as ligações em série são diferentes das em paralelo. Isso foi mais para frente, com certeza. Apesar de morar muito perto do nosso destino, ele resolveu que tínhamos que passar o dia fora. Expedição é assim. Minha avó, então, fez uma sacola de lanche para cada um e, com um caderninho de anotações, partimos em direção ao Museu do Ipiranga. Eu tinha até uma bússola! Aos dez anos, atravessei a rua como se estivesse entrando em uma nave espacial, outro assunto que, aliás, meu avô adorava.
Não teríamos tempo para ver o museu inteiro. Por isso, acabamos nos concentrando em apenas um dos andares. Não sei dizer qual. Depois que cresci o suficiente para poder andar sozinho, nunca tive coragem de voltar ao museu. Como não podia comer lá dentro, saímos e fizemos um lanche na escada. Até hoje, gosto de comer na rua. Na volta, sentamos na cozinha e lemos as anotações.
Passei os últimos dez anos tentando falar uma coisa para o meu avô. Não consegui e ele morreu sem saber. Agora, vejo que eu poderia ter escrito.