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Trabalho
Renda alternativa: a alma do negócio

Postado em 01/10/2000

Em tempo de vacas magras, quando o nível de desemprego assusta e as perspectivas de crescimento econômico não são sedutoras, os programas de geração alternativa de renda capacitam e treinam trabalhadores para competir no concorrido mercado

Em tempos de campanha eleitoral, algumas questões recorrentes fazem parte do discurso dos políticos. As "prioridades" são sazonais e variam de acordo com as aflições do eleitorado. No atual pleito para a prefeitura, principalmente em São Paulo, depois da segurança, o mote preferido de dez em cada dez postulantes, o problema do desemprego aparece com força. Mas o que pode um prefeito fazer para amenizar essa grave mazela? Afinal, os especialistas garantem que uma inversão na curva do emprego depende de fatores estruturais, ou seja, se a economia não cresce, não se criam postos de trabalho. E coordenar políticas econômicas, como se sabe, não faz parte dos atributos nem dos prefeitos, nem dos governadores de estado. Depende de resoluções complexas decididas em âmbito federal, pelo presidente da República e tecnocratas competentes.

Esta matéria pretende apresentar uma das respostas viáveis à pergunta formulada acima. O que fazer para, mesmo diante de um quadro econômico desfavorável (crescimento fraco) e recessão (aumento do desemprego), trabalhar e ganhar dinheiro? Walter Barelli, secretário do Emprego e das Relações de Trabalho do estado de São Paulo (SERT) aponta uma luz no fim do túnel: "Uma das saídas viáveis para dar emprego para esse contingente alheio ao mercado de trabalho são as fontes alternativas de renda". E por fontes alternativas entenda-se programas bem estruturados que capacitem e orientem o interessado para ganhar o sustento mesmo longe do mercado formal. São projetos que acompanham a evolução do cidadão, oferecendo treinamento e assessoria para que no futuro ele consiga se sustentar por si mesmo.

Mas outra pergunta crucial surge no caminho de tais projetos. Será que em um âmbito mais abrangente essas iniciativas são uma arma eficaz contra o desemprego? O economista Sérgio Mendonça, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (DIEESE) acredita que sim, mas pondera que há limitações. "Os programas de capacitação e de geração alternativa de renda são importantes porque criam uma agenda política, estimulam o debate sobre emprego e renda, além de fornecer treinamento para os trabalhadores. Mais do que tudo, eles têm um alto significado social, pois ajudam a preservar o trabalhador no seu cargo."

Unir para crescer
Na dinâmica impiedosa da evolução tecnológica, profissões deixam de existir do dia para a noite com a mesma velocidade com que outros ofícios aparecem. "Por esse motivo, estimulamos as características do empreendedorismo, ao buscar uma mudança comportamental seja no empresário já estabelecido, seja no jovem ou mesmo nas crianças", explica Heloisa Calil, coordenadora na área de empreendedorismo para crianças, adolescentes e jovens do Sebrae de São Paulo.

Um dos projetos mais bem-sucedidos foi o Brasil Empreendedor, que capacitou 400 mil pessoas somente no estado de São Paulo. "Durante o curso, que terminou no mês passado, passamos noções de mercado e um plano de crédito e viabilidade econômica do negócio", diz Heloisa.

A noção de empreendedorismo permeia quase todas as iniciativas que trabalham com geração alternativa de renda. Uma das vertentes é alterar a mentalidade do sujeito, que deixaria de ser empregado para se tornar senhor dos próprios passos. Outra seria capacitar aquele que vive da informalidade - como ambulantes e camelôs - com a infra-estrutura necessária para que aquela atividade instável e desestruturada se desenvolva com planejamento adequado. É isso o que se chama de autogestão e que hoje, no Brasil, é vista como um caminho viável no combate ao desemprego, mesmo que os índices estruturais, citados acima, mostrem-se desanimadores (leia mais sobre a questão do emprego no texto de Walter Barelli, nas páginas 30 e 31 desta edição).

Keniti Aniya, coordenador estadual do Programa do Auto-emprego (PAE) da SERT, explica que a capacitação deve ser massiva, e não individual, com forte enfoque na solidariedade. "Não podemos agir com assistencialismo, porque dessa forma estaríamos negando a capacidade da pessoa de prover seu auto-sustento. Ao capacitar, temos que reerguer sua auto-estima. Aqui, não damos o peixe, mas ensinamos a pescar", avalia.

Em termos práticos, o itinerário do PAE percorre várias etapas, sempre mantendo em mente os predicados básicos da promoção da cidadania. "No fundo, esse é o nosso principal objetivo", ensina Keniti.

O processo começa com uma solicitação de determinada comunidade em receber um grupo do PAE. Depois, seis técnicos formados pelo programa são deslocados para a região. Eles realizam uma prospecção geral no lugar. Conversam com líderes comunitários, fazem um levantamento de custos, avaliam equipamentos, as locações disponíveis e os tipos de cursos que a comunidade deseja. Após essa etapa, que dura um mês, é convocada uma assembléia com a participação de todos. Durante o encontro, ouve-se o Hino Nacional, os fundamentos da iniciativa e dá-se início ao projeto, com a escolha dos cursos que cada um dos presentes quer freqüentar. Normalmente, as capacitações são na área de culinária e congelados, corte e costura, telefonia, silk screen, confeitaria, construção civil e marcenaria. "No primeiro momento, a SERT fornece matéria-prima para o desenvolvimento das atividades", explica Keniti. "Depois, não. Com isso, queremos que os próprios freqüentadores adquiram maturidade e dêem andamento ao processo."

O dia 24 de setembro marcou a formatura de uma turma no bairro paulistano de Perus. Após dois meses de treinamento, que abrangeu orientação sobre produção, técnicas organizacionais, marketing, mercado e vendas, cerca de duzentas pessoas receberam o diploma de qualificação profissional. Às vésperas do evento, os formandos em telefonia discutiam qual seria o futuro do grupo. Havia o interesse comum em formar uma cooperativa ou uma microempresa de prestação de serviços. É verdade que, das duzentas pessoas que iniciaram o curso, somente quarenta atravessaram os dois meses de aulas diárias. Mas aquelas que persistiram viam, com esperança, um futuro mais promissor. "Nós aprendemos a executar disciplina e organização. Ganhamos a base teórica. Mas de agora em diante, fora do papel, temos noção de como será difícil", analisa Orcelino José de Souza, um dos participantes e uma espécie de líder entre os alunos. "A responsabilidade é muito maior, e se formarmos uma empresa ou cooperativa é preciso ter consciência de que não há previsão do primeiro salário."

Keniti reforça os argumentos de Orcelino ressaltando que todas as decisões tomadas pelo grupo depois de formado são por deliberação da maioria. "Vemos gente que tinha inibição de falar em público aprender a se manifestar. Eles percebem que todos ali estão no mesmo barco, sofrem as mesmas limitações e podem dar sugestões em prol do mesmo ideal."

Aprender a trabalhar
É quase um consenso entre os especialistas que a geração alternativa de renda passa pela formação de cooperativas. Por meio dessa forma de associação, em que os cooperados são solidários com vistas a alcançar um objetivo comum, a população mais desfavorecida pode conseguir um meio legalizado de trabalhar na formalidade, desenvolvendo características empreendedoras, ou seja, desbravando uma trilha própria.

A Universidade de São Paulo (USP) mantém há cinco anos uma incubadora de cooperativas cujo objetivo é auxiliar pessoas a formar e manter uma cooperativa, fornecendo todos os subsídios necessários. "O ambiente universitário é muito propício para difundir tecnologias. Nossa dinâmica de trabalho consiste em ensinar os princípios da autogestão por meio da tecnologia desenvolvida dentro da própria universidade", explica Maíra Cavalcanti Rocha, uma das coordenadoras da incubadora. "Nas aulas, os participantes aprendem sobre contabilidade, direito, administração e engenharia de produção, além de receber noções sobre marketing e vendas. Mesmo depois da formação, que leva de dois a três anos, assessoramos as cooperativas formadas. O único requisito para ingressar na incubadora é a vontade de trabalhar junto."
Aguinaldo Luiz Lima, outro coordenador da incubadora, ressalta os princípios democráticos presentes na metodologia de formação das cooperativas. "É importante atentar para a responsabilização de todos, unidos no objetivo principal de gerar renda. As cooperativas são uma excelente maneira de construir a cidadania por meio do trabalho, valorizando as diferenças individuais, mas deixando claro como é possível e rendoso o trabalho coletivo."

A força da união - Cooperativas: alternativa ao mercado formal

Há pouco mais de dois anos, Nilda de Araújo, Maria Madalena da Silva e mais 29 pessoas faziam parte dos cerca de 1,6 milhão de desempregados da Grande São Paulo. Hoje, elas são a presidente e a vice da CooperBrilha, uma cooperativa que presta serviços nas áreas de jardinagem, limpeza e oferece serviço de coffee breake. Formada com auxílio da incubadora da USP, a CooperBrilha utiliza as dependências da universidade, onde mantém seu "QG", nas palavras de Nilda.

A experiência das cooperativas é um dos pontos importantes nos programas de geração alternativa de renda e elas crescem a cada ano no Brasil. De acordo com dados da Organização de Cooperativas Brasileiras (OCB), o número de cooperativas aumentou 10,78% no ano passado e elas são responsáveis por cerca de 5% do PIB do Brasil.

Nilda e Maria comentam as vantagens da associação cooperativa: "Aqui não temos patrão. Trabalhamos para nós mesmas, mas, em contrapartida, temos de ser muito mais responsáveis, pois não tem ninguém que cuide do negócio para nós. Começamos com um patrimônio de 105 reais, que conseguimos numa "vaquinha". Quando fechamos o primeiro contrato, eu chorei como uma criança", emociona-se a presidente da CooperBrilha.

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