Postado em 02/05/2014
Monólogos reflexivos, críticas e discussões políticas que se encaixam ainda nos dias de hoje, linguagem que vai além das palavras, planos sequência que aprisionam o tempo, compreensões diferenciadas, e o reconhecimento que foi saiu dos estúdios da Cinecittà, transformando os filmes italianos do século 20 em uma herança cultural. Estas características fizeram parte da oficina Cinema Italiano - De Rossellini a Antonioni, que durou todo o mês de abril no Sesc Belenzinho – e você aí achando que cinema era assunto só do Cine Sesc? ;)
Sob a orientação de Célia Cavalheiro, professora de Filosofia e História do Cinema da Universidade de São Paulo, foi apresentado um panorama do Cinema Italiano dos anos 40 aos anos 70.
O percurso desta proposta partiu de um histórico do cenário político dos anos 40 e seu reflexo nas artes, passando pelo neo-realismo italiano para, por fim, abordar o cinema de Michelangelo Antonioni – da reflexão existencialista ao vazio da modernidade. Fora deste âmbito, a Nouvelle Vague, movimento francês que se iniciou em 1958, também serviu como grande influência para os cineastas italianos. Essa estética cinematográfica era medida por valores e conceitos da arte moderna, como a descontinuidade, a incorporação da realidade documental e a valorização da montagem, dando ênfase à vida da personagem, preocupando-se com seus sentimentos e ações.
Começando por Roberto Rossellini, foi apresentado grande parte de Roma: Cidade Aberta (1945), rodado clandestinamente logo após Roma ser libertada dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, e com nítidas influências do realismo francês. O filme é reconhecido mundialmente por ser o precursor do neo-realismo italiano. O estilo de Rossellini, sendo documental, político, com uma iluminação natural notável e com direito a planos abertos acabaram influenciando o estilo artístico deste importante movimento.
Valerio Zurlini, cineasta conhecido como "poeta da melancolia", também foi analisado de acordo com dois de seus filmes mais famosos: Dois Destinos (1962) e A Primeira Noite de Tranquilidade (1972). Ambos mostram planos de paisagens melancólicas pela Itália, além de expor a visão minuciosa do diretor através de personagens muito bem construídos emocionalmente, sob o retrato das relações e anseios da própria existência.
Michelangelo Antonioni, cineasta que influenciou o trabalho do diretor Stanley Kubrick, recebeu atenção especial no final da oficina, sendo apresentados trechos de diversos filmes de sua autoria como A Aventura (1959), A Noite (1960), O Eclipse (1961), filmes que formaram a chamada "trilogia da incomunicabilidade" e que fizeram a fama de Antonioni na virada dos anos 50 para os 60 - os filmes Deserto Vermelho e Blow-Up (Depois Daquele Beijo) também foram destaques na análise da filmografia do cineasta. Célia deu ênfase às cores, às tomadas longas e à fotografia ampla, um aspecto importante para Antonioni - a paisagem está lá para retratar a situação de suas histórias. Deserto Vermelho, por exemplo, diz muito mais em suas imagens e enquadramentos do que em suas palavras. A tonalidade de cores varia e serve para salientar o que as personagens sentem, além de reforçar o avanço do capitalismo ao comparar a grandiosidade das indústrias com a pequenez do homem.
Para encerrar a oficina, foram exibidos trechos de outro filme de Antonioni, Além das Nuvens (1995), que foi realizado com a ajuda de Wim Wenders tanto na direção como no roteiro. Para Célia, o filme pode ser analisado como o resumo da obra do diretor. O ator John Malkovich encarna o alter ego de Michelangelo Antonioni, fazendo uma profunda reflexão sobre a arte e uma homenagem ao modo de ver as coisas ao seu redor. As histórias que Malkovich vive no filme foram tiradas de um livro que o próprio Antonioni publicou em 1983.
Além das Nuvens possui a atmosfera que os espectadores encontram em seus filmes anteriores: a angústia e o sentimento de estranheza do mundo. Outro fato interessante é que a incomunicabilidade explícita em alguns dos filmes de Antonioni teve reflexo em sua vida pessoal, quando sofreu um acidente vascular-cerebral em 1985. A partir daí, ficou parcialmente paralítico e quase impossibilitado de falar; mas continuou se comunicando através de seus filmes. Além das Nuvens é uma obra importante para entender mais sobre o renomado diretor, e foi o filme perfeito para encerrar esta oficina que estudou a cronologia de uma fase importante do cinema.
Em paralelo à oficina de Cinema Italiano, houve o projeto Depois Daquele Filme, que exibiu, de 15 a 30 de abril, quatro filmes de Antonioni: Blow Up, O Eclipse, A Noite e Zabriskie Point.
Continuando a verve cinematográfica da unidade, você pode conferir a programação das exibições programadas para maio: de 13 a 27/05, haverá a apresentação dos filmes Tatuagem, Hoje e Avanti Popolo, que estão relacionados à ditadura militar no Brasil – e é claro que iremos escrever mais um pouquinho sobre esses filmes. Fique ligado na programação!