Postado em 25/04/2014
A foto pinhole favorita feita em dupla por Beth e Edison foi tirada em uma viagem a trabalho. “Tinha uma janela do quarto, virada para a praça e a igreja da cidade e estava o tempo perfeito. Fizemos um espaço para que a luz passasse e projetasse essa imagem na parede”, lembra Edison.
Eles andam pela rua com latões e caixas de fósforo, e as pessoas custam a acreditar que os fotógrafos Edison Angeloni e Beth Lee estão simplesmente transformando esses objetos em câmeras. Esqueça enquadramentos automáticos e até mesmo filtros instantâneos, como os do aplicativo Instagram: esses dois estão interessados mesmo é na câmera pinhole – termo que em inglês pode ser traduzido como “buraco de agulha” – um equipamento artesanal, que não possui lente e pode ser construído utilizando materiais simples, os quais devem se tornar um compartimento obscuro, forrado por papel fotográfico e, normalmente, com apenas um pequeno orifício, feito com uma agulha bem fina, por onde a luz entrará.
Formados em Fotografia pelo Senac, Edison e Beth comandaram as oficinas de Pinhole que aconteceram dias 19 e 20 de abril no Sesc Pompeia, uma semana antes do Dia Mundial da Fotografia Pinhole, data que passou a ser um evento mundial, já que, desde 2000, sempre no último domingo do mês de abril, pessoas de todo o mundo podem postar suas fotos na página oficial do Pinhole Day. No dia 27 de abril, as imagens produzidas durante as oficinas do Pompeia serão digitalizadas e também postadas no site desta data comemorativa.
O Portal Sesc SP conversou com os dois fotógrafos que desde 2009 ministram juntos no Sesc Pompeia aulas em que a fotografia pinhole é explorada em seu passo a passo. Eles contam detalhes sobre essa técnica é capaz de nos fazer entender a essência do ato de fotografar, usada até mesmo por Edison em aulas de Física: “eu trabalhava em parceria com um professor de física e funcionava muito bem. Você faz o objeto e, além de divertido e prático, dava para analisar o que às vezes não entendemos porque não colocamos a mão na massa”, conta ele.
Portal Sesc SP – Qual a principal característica das câmeras pinhole?
Edison: Acho que a principal característica de se trabalhar com a câmera pinhole é você produzir um equipamento personalizado. Não é só a questão estética, mas também a forma de captar a imagem. Você que define tamanho da imagem que vai sair. Tem outras características que eu acredito que sejam funções, porque por meio dessa câmera há um entendimento maior de como funciona a fotografia. Às vezes você pega o equipamento, faz simplesmente o que te sugerem, clica no botão e a imagem magicamente aparece. Na técnica pinhole, não. Você confecciona, entende, vê o funcionamento e muda muita coisa na hora em que você tem esse entendimento.
Portal Sesc SP – Por que, mesmo com a praticidade das câmeras digitais, a pinhole continua a ser procurada pelas pessoas?
Beth: Muitas pessoas buscam a fotografia analógica porque estão aprendendo sobre fotografia digital, mas sentem que algo está faltando. Eu gosto de citar até uma frase do filósofo Vilém Flusser: “quando você só fotografa apertando botão, você é o operador”. A partir do momento em que você começa a construir esse aparelho, aí sim passa a ser um fotógrafo: constrói, entende como funciona e é você quem dá o tempo desse mecanismo. O Vilém não se refere especificamente à pinhole, mas, no livro A Filosofia da Caixa Preta, ele fala muito disso e acho que se encaixa muito bem com essa técnica.
Edison: Essa procura tem aumentado e, em parte, porque quando o digital começou a surgir, teve um declínio na utilização do filme, mas algumas pessoas voltaram a procurar a fotografia analógica e a pinhole também, porque é algo diferente. Nesse processo, também tem a questão da internet. Ela possibilita a busca. O Pinhole Day funciona bem porque é baseado na internet, o mundo inteiro coloca as suas imagens no site e você tem um número cada vez maior de usuários. Ajuda na questão da divulgação e na hora de encontrar tutoriais. Mas, alguém que nunca tenha feito, talvez fique meio perdido se olhar só os tutoriais.
Portal Sesc SP – Algum fotógrafo serve de inspiração para vocês quando o assunto é pinhole?
Beth: Temos muitos nomes que servem de referência. Um deles é o Miguel Chikaoka, que é de Belém. Participei de uma oficina dele no Sesc Pompeia. Do exterior, tem o Eric Renner, que lançou um livro referência para todos os fotógrafos que pesquisam pinhole, o Pinhole Photography.
Edison: Acho que o Miguel é a maior referência no Brasil em questão desse tipo de fotografia e educação. Já participei de umas três oficinas dele!
Edison: Tem também o Justin Quinell que é inglês.
Beth: O Justin coloca uma pinhole na boca. A ideia dele é fotografar com a boca, então tenta fazer um biquinho como se fosse o furo da câmera. Só que ele percebeu que vazava luz pela boca, e começou a colocar um cartucho, então todas as fotos tem a foto com essa moldura. Tem um outro, que nem tem a ver tanto com pinhole, mas com câmera obscura, um dos princípios da fotografia, que é o Abelardo Morell. Ele viaja para vários lugares e, em um quarto, deixa um “furo” para projetar imagens. Saem paisagens lindas, quase como cartões postais dentro de quartos.
Portal Sesc SP – Que relação existe entre interferências, como borrões ou luzes inesperadas, e a câmera pinhole? Como atingir esses efeitos que até mesmo os criadores do Pinhole Day julgam como positivos?
Edison: Quando mostramos uma imagem que tem uma certa interferência, quem está fazendo quer o mesmo efeito, mas, ao construir a câmera, não se sabe que a foto sairá assim. Quando eu comecei a fazer as pinholes, tentava chegar na perfeição e, em determinado momento, fiz uma câmera com um filme e as imagens eram tão perfeitas que, quando imprimi em tamanho grande, percebi que tinha que explicar para as pessoas que essas imagens tinham sido feitas com uma câmera pinhole. Isso começou a me incomodar, porque não estava claro, então fui no processo contrário: em vez de tentar a perfeição, fazer uma câmera que não fosse tão perfeita assim. Mesmo com a caixa de fósforo, acaba entrando alguma luz inesperada e originando uns efeitos que acabam sendo legais.
Beth: E, além disso, a perspectiva fica um pouco diferente de acordo com o modo que você constrói a câmera. Alguns objetos muito pequenos próximos à câmera ficam gigantes. A pinhole tem o foco na imagem inteira, mesmo suave. O tempo da pinhole também é diferente, você fica de meio segundo a uma hora, tem algumas fotografias que são feitas em até seis meses. E isso cria uma estética diferente, tanto que muita gente olha, não sabe que é pinhole, mas percebe que tem algo diferente na imagem e, quando explicamos, perguntam: meu Deus, como isso é possível?
Portal Sesc SP – Há um tema que vocês mais gostam de fotografar usando câmeras pinhole?
Beth: O Edison gosta de fusca (risos)
Edison: Fotografar na rua com a pinhole é sempre legal, porque você vai registrando a cidade. O fusca e as kombis têm uma estética bacana, com as cores, aquela coisa do vermelho, verde, amarelo. Mas, principalmente na cidade, tem a questão do tempo para fotografar. A foto utilizada no programa das oficinas do Sesc Pompeia, por exemplo, é a Rua Santa Efigênia totalmente vazia. E é comum ver essa rua assim, não? As pessoas normalmente param para pensar por lá, certo? Não, está sempre lotado! O que acontece é que o tempo de exposição é tão longo, que, conforme as pessoas vão caminhando, elas somem da foto.
Beth: Tiramos essa foto no sábado, era um dia bem cheio. Nós fazíamos saída pelo Centro de São Paulo, porque é muito bonito. Naquele dia, o céu estava nublado, e nesse tipo de tempo, a exposição é de aproximadamente 15 segundos. Inclusive, eu estou nessa foto do Edison porque esperava para também fotografar com a minha pinhole, e não podia sair do lugar em que estava.
Portal Sesc SP – Podemos dizer que a paciência essencial para quem deseja praticar a técnica pinhole?
Beth: Para esses processos, a paciência é bem necessária. Você precisa entender o tempo dessa técnica. Como no processo de fotogravura, é também algo muito demorado e, para conseguir fazer, é necessário estar quase zen. Na pinhole, já leva um tempo para você fazer a câmera, entender como funciona e fotografar, que leva de meio segundo a uma hora, de acordo com a intensidade luz e, depois disso, precisa esperar o filme ser revelado.
Edison: Eu também venho com esse discurso para quem faz as oficinas: “olha, vocês vêm do mundo que te obriga a correr, mas essa ansiedade a que o mundo te conduz tem que ficar um pouco de fora, porque aqui ela não vai ter vez”. Lógico que todo mundo tem ansiedade de ver o seu resultado, só que você não terá aquela foto imediatamente, então é preciso aproveitar o momento. E o relato de algumas pessoas é “nossa, isso me faz bem!”, “prende a minha concentração no resultado pelo qual tenho que trabalhar”. É bom quando você ouve isso de um aluno seu.
Beth: Acho que, para fazer a leitura de imagem, você precisa de um pouco de calma. Hoje em dia, é tudo para ontem: faz, envia e trata agora. A foto é lançada, sai em um lugar, as pessoas já viram muito rápido e passa para outro trabalho, então acho que a gente precisa de um pouco de contemplação da imagem. Hoje em dia as pessoas vão a museus, fotografam a obra e vão embora. Nem param para ver imagem e seus detalhes de luz e cor. Então, acho que esse exercício também é importante. Na hora em que estamos fazendo a oficina, a intenção também é fazer as pessoas perceberem que esse fazer e olhar a imagem são a base e o mais legal da fotografia.
Edison: Outra coisa é que, por exemplo, se for uma câmera de lata, você tem direito a uma imagem, ou seja, sai para tirar uma única foto. Essa questão de observar e de olhar a luz é a mais importante. Na câmera digital, muita gente simplesmente aponta e dispara um monte de fotos, sem tempo de olhar e pensar em qual ângulo e maneira ficaria mais interessante, ou pensar no que quer passar com aquela foto.