Postado em 08/04/2014
O mundo na tela
Nascido em 1955, no Rio de Janeiro, o jornalista Luis Erlanger fez carreira no jornal O Globo, antes de se transferir para a Rede Globo. Lá, assumiu o cargo de diretor editorial da Central Globo de Jornalismo. Por um longo tempo chefiou a área de comunicação e agora dirige uma equipe de análise e controle de qualidade da TV Globo, uma espécie de ombudsman da programação. Neste Encontros, Luis Erlanger fala sobre a importância das redes e a relação da televisão com o público. “O atributo que o ser humano desenvolveu foi a capacidade de criar redes. Só nós criamos redes que pensam o todo a partir do indivíduo”, afirma. “Quem criou a rede de proteção nas mais diferentes escalas foi o ser humano, a rede familiar, religiosa, esportiva, cultural.” A seguir, trechos.
Importância das redes
Faço uma reflexão periodicamente há uns dez anos, que se originou quando a televisão aberta brasileira estava completando 50 anos. Tenho feito essa reflexão desde quando eu estava no jornalismo, na área de comunicação, até agora, ainda com mais intensidade, como responsável por uma equipe que cuida de análise e controle de qualidade. Essa função é como se fosse a de um ombudsman, pois precisa ter uma visão interna do que está sendo levado ao ar, avaliar esse conteúdo e fazer um planejamento, um estudo estratégico do que deve entrar na grade. A equipe é pequena, com analistas que trabalham com a pesquisa de mercado e tendências e em cima de textos. É um trabalho muito delicado, pois às vezes é preciso dizer para o autor ou diretor algumas adequações que devem ser feitas em relação ao conteúdo produzido por ele. Não é uma avaliação artística, no sentido de gostei ou não gostei, procuramos ver se o que está sendo produzido tem a ver com o público.
Voltando à reflexão, teve uma exposição na Oca, típica de 50 anos de televisão, em que um antropólogo fazia a seguinte pergunta: “Qual foi o atributo que fez o ser humano sobreviver como espécie?”. A primeira coisa em que pensei foi no polegar opositor, que no passado foi fundamental para a defesa do homem, para pegar a clava e baixar o cacete na onça, por exemplo. Atualmente, o polegar opositor ainda tem uma funcionalidade bacana, para digitar no celular ou pegar um copo, ou seja, perdeu a função anterior. Certamente, não é o polegar opositor.
O segundo pensamento que tive foi no beija-flor. Ele consegue bater as asas até 80 vezes por segundo. Ele tem um grande gasto de energia, mas o que o fez sobreviver como espécie foi a capacidade que criou de bater as asas com essa rapidez.
A pergunta tinha uma natureza quase darwiniana. Nós temos a mania de falar em evolução da espécie, mas ¿Darwin fala em seleção natural das espécies. Do ponto de vista da evolução, acho a barata muito mais apetrechada em termos de sobrevivência do que nós, seres humanos. Então, quando essa pergunta é feita do ponto de vista antropológico, pensa-se em qual é o atributo da espécie.
Fui à procura de outra espécie. Algumas espécies de sapo conseguem pular até dez vezes o próprio tamanho, permitindo que pegue um inseto ou que fuja de uma cobra. Esses atributos transferidos a um ser humano não resolveriam o dilema. Resumidamente, como ser físico, nós, seres humanos, somos umas porcarias, não possuímos nenhum atributo como couro, chifre e tal para sobreviver.
O atributo que o ser humano desenvolveu foi a capacidade de criar redes. Só nós criamos redes que pensam o todo a partir do indivíduo. Quem criou a rede de proteção nas mais diferentes escalas foi o ser humano, a rede familiar, religiosa, esportiva, cultural. Porém, toda rede deve ter algo que discipline o seu comportamento. Nas redes, impera a anarquia; se não tem lei, ganha o mais forte fisicamente. Uma rede nesses moldes está fora de cogitação nos dias de hoje. Como atribuem a Churchill, “a democracia é o pior dos regimes, mas ainda não inventaram um melhor”.
Televisão
Resolvi, na minha reflexão, sair um pouco de Darwin e entrar com Freud. Pensando em Freud, como é que essas redes podem ser estruturadas? O que impera, na maioria das vezes, na rede, segundo ele, é o pai da ordem, é quem faz as coisas funcionarem a partir da proibição. Na vida doméstica, esse é o papel geralmente atribuído aos pais. Na vida pública, o Estado é o grande proibidor.
Dentro dessa grande solidão que o ser humano tem em meio à sociedade, existem duas palavras-chaves que valem para explicar a relação dos espectadores com a televisão: a sensação de pertencimento e o acolhimento. É isso que o ser humano busca e é por isso que as pessoas gastam tempo em frente à televisão ou lendo uma revista.
Acho que embora se fale do avanço da internet e de aplicativos, a única rede que congrega, que junta, que dá esse sentimento de acolhimento é a boa e velha televisão aberta. A televisão reúne três características importantes: é janela, pois através dela se veem coisas que não se conhecem; é espelho, pois nos faz conhecer melhor a nossa própria cultura; e é ponto de encontro, local de reunião familiar.
O mercado televisivo é muito volúvel, não sabemos direito o que vai acontecer mais adiante. Com toda essa fragmentação, o que une é a rede, o veículo capaz de transmitir ao maior número de pessoas o sentido de pertencimento, acolhimento e comunhão.
O jornalista e diretor da Central Globo de Análise e Qualidade, Luis Erlanger, esteve presente ¿na reunião do Conselho Editorial da Revista E ¿em 19 de fevereiro de 2014
“A única rede que congrega, que junta, que dá esse sentimento de acolhimento é a boa e velha televisão aberta”