Postado em 08/04/2014
Contos maravilhosos
A preocupação inicial era com o processo de unificação alemã, mas as coletâneas organizadas pelos irmãos Grimm foram além e se tornaram ¿clássicos da literatura infantil
Era uma vez... dois irmãos que deixaram sua marca na literatura mundial. A forma clássica é usada em inúmeros contos infantis, como “O Príncipe Sapo”, “O Mingau Doce”, “A Senhora Holle”, que povoam o imaginário de crianças de todas as idades e ajudaram a construir o que hoje entendemos por literatura infantil.
Tal construção não seria possível se os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) não tivessem se dedicado, coletado e editado – há mais de 200 anos – narrativas advindas da tradição oral alemã. Em 1812, é lançado o primeiro volume composto por 86 contos. Três anos depois, em 1815, 70 novas histórias e, em 1822, o terceiro volume. Até o fim da vida, os irmãos coletaram 240 narrativas, das quais 211 foram reunidas em 1857, no derradeiro volume que chegou a público.
De acordo com o professor de Teoria Literária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH – USP) e autor da apresentação do livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos (Cosac Naify, 2012), Marcus Mazzari, os relatos foram recolhidos de fontes diversas em uma espécie de pesquisa de campo em Haunau, região onde viviam, localizada no atual estado do Hesse, nas proximidades dos rios Meno e Reno. “Uma de suas mais importantes fontes foi Dorothea Pierson Viehmann, cujos antepassados huguenotes emigraram da França para a Alemanha. Também recolheram contos em fontes escritas, como ‘O Pé de Zimbro’ e ‘O Pescador e sua Mulher’, anotados em dialeto pelo pintor romântico Philipp Runge – contos, aliás, retomados respectivamente por Goethe no Fausto e por Günter Grass no romance O Linguado”, explica. Ainda segundo Mazzari, uma motivação fundamental para a realização das coletâneas era o preocupação dos irmãos com o processo de unificação alemã. Eles tinham a intenção de contribuir com a consolidação da identidade cultural do país e unificação política, que foi alcançada em 1871, alguns anos após a morte de ambos.
Mas, neste contexto ideológico e político, onde se encaixa a preocupação com o gosto dos jovens leitores? “A coletânea foi se revelando um grande sucesso entre o público infantil, o que não constituía um objetivo da primeira edição, com forte interesse filológico e concebida no espírito do movimento romântico, voltado para as raízes populares da arte e da cultura. Muitas passagens das edições de 1812 e 1815 foram suavizadas por Wilhelm devido a esse interesse”, afirma Mazzari.
Outra questão polêmica diz respeito à crueldade ou passagens que poderiam soar inadequadas às crianças, fato que provocou controvérsia na Alemanha e entre educadores do mundo todo. “Em ensaio de 1930, intitulado ‘Pedagogia Colonial’, Walter Benjamin (1892-1940) se opõe energicamente a essa pedagogia ‘bem-intencionada’, defendendo a necessidade de adaptar os contos dos Grimm à sensibilidade moderna. Todo o esforço de Benjamin vai no sentido de enfatizar o papel fundamental desses contos maravilhosos – com todos os seus elementos drásticos, ainda mais pronunciados na primeira edição – na formação da criança em todos os sentidos, inclusive no que se refere à sua sensibilidade anímica”, afirma Mazzari.
Grimm agreste
Mais de 2 mil livros, caixinhas encantadas, escadas coloridas ¿e até um livro falante compõem o cenário para o encontro ¿dos contos maravilhosos com o agreste brasileiro
Não pisque os olhos para não perder nenhum detalhe quando você percorrer a trilha para desbravar o universo fantástico dos irmãos Jacob e Wilhelm na exposição Grimm Agreste, que pode ser visitada no Sesc Interlagos até 31 de agosto.
Todos os detalhes foram pensados para que o público vivesse a jornada do herói, colhendo fragmentos de histórias até poder narrar a sua própria aventura. As instalações são vistas tanto na área externa quanto na interna da unidade, onde o visitante pode apreciar as xilogravuras do artista nordestino J. Borges, que ilustrou edição recente dos contos.
A curadoria foi feita em conjunto por William Zarella Jr., Christine Röhrige e Alvise Camozzi, com produção e concepção de Rachel Brumana e sonoplastia de Daniel Maia. Para Alvise Camozzi, o projeto teve cerca de 1 ano de gestação para afinar as escolhas e conceitos, bem como as bases para a composição estética, sonora e espacial do percurso expositivo. “Grimm Agreste se propõe a acompanhar o visitante dentro desse universo, estimulando-o a lembrar, inventar, ou melhor, reinventar e compor um novo conto, no qual possa se reconhecer como protagonista”, explica. “Para isso privilegiamos, entre outros gêneros presentes, os contos de magia, que mantêm uma estrutura narrativa recorrente.”
A técnica da programação da unidade Priscila Lourenção destaca a abordagem interativa da exposição. “A ideia é que os contos transbordem os limites do suporte do livro e que os ambientes criem possibilidades de narrativas”, informa.
Ela também salienta a importância do espaço dedicado às atividades educativas e oficinas: “Todo o educativo foi pensado especificamente para esta exposição. O artista e educador Alberto Tembo, do coletivo Zebra5, elaborou a sua mediação similar a uma jornada do herói. Os educadores também serão responsáveis por elaborar propostas estéticas. São oficinas, intervenções, jogos e brincadeiras pensadas por essa equipe para o público que visita a unidade aos finais de semana”.
Priscila acrescenta que existem três espaços para receber propostas educativas: a Casa das Poções, um espaço no Viveiro de Plantas da unidade que contará com jogos de tabuleiro criados pelo Zebra5, três carrinhos móveis que serão levados às áreas externas na unidade, também com jogos construídos pelo coletivo e duas prensas – na própria sede social da unidade. “É o nosso castelo no universo da exposição, no qual o público pode experimentar e vivenciar o processo de gravação de uma matriz xilográfica”, diz.
Todo esse encanto também pode ser experimentado sem sair de casa, por meio do site feito especialmente para a exposição: www.sescsp.org.br/grimmagreste.