Postado em 07/02/2014
Surgem iniciativas que pretendem contribuir para a redução dos índices de poluição da capital e ampliar o vínculo dos moradores com a natureza
Quem passa pela avenida Paulista, um dos principais centros financeiros da cidade, com o olhar atento, pode notar uma plantação onde crescem pés de alface, ramos de salsinha e de hortelã. A praça do Ciclista, canteiro central entre as ruas Bela Cintra e Consolação, tornou-se uma horta. A Horta do Ciclista foi criada em 2012 pelos Hortelões Urbanos, grupo que pretende inspirar comunidades de vizinhos para o cultivo coletivo e voluntário de plantas comestíveis na metrópole. O local tem outra peculiaridade, que o nome denuncia. Desde 2002, é ponto de encontro dos participantes da Bicicletada brasileira, versão nacional do evento que ocorre tradicionalmente na última sexta-feira do mês, em diversas cidades do mundo, no qual ciclistas ocupam as ruas. O movimento não tem líderes e pretende divulgar a bicicleta como meio de transporte, criar condições favoráveis para o uso desse veículo e tornar mais ecológicos e sustentáveis os sistemas de locomoção no meio urbano.
Essas são duas iniciativas de muitas que surgiram nos últimos 15 anos, em São Paulo, com o intuito de contribuir para a diminuição da poluição ambiental e para a revalorização das áreas verdes. “Acho que a cidade chegou a um limite, a qualidade de vida caiu demais nos últimos anos, está muito difícil viver aqui e, de repente, vários grupos, pessoas e movimentos coletivos estão querendo reverter essa situação”, afirma a jornalista, agricultora urbana e uma das fundadoras do Hortelões Urbanos, Claudia Visoni. “As pessoas estão dizendo: chega, nós queremos que essa cidade nos ofereça outras coisas, vamos nadar no Minhocão, fazer horta na praça, piquenique no meio da rua, passear de bicicleta na cidade, vamos ser felizes aqui.”
O grupo, criado no Facebook, em 2011, reúne mais de 6 mil pessoas interessadas em trocar experiências e dicas de plantio doméstico de alimentos. Grande parte dos participantes mora em São Paulo e cultiva ervas e hortaliças no quintal ou até mesmo em varandas de apartamento. Vários de seus membros organizam atividades coletivas de agricultura urbana. Ações que deram origem às hortas do Ciclista, das Corujas, na Vila Madalena, da Vila Pompeia, do Centro Cultural São Paulo e várias outras que estão surgindo pela cidade. Os participantes também realizam piqueniques de trocas de sementes e mudas, a cada três meses, no Parque da Luz, em parceria com o Árvores Vivas e o viveiro Arborizando. De acordo com Claudia, como alguns dos envolvidos nesses projetos sequer fazem parte da rede social, o grupo Hortelões Urbanos atua sobretudo como catalisador de intenções de quem deseja plantar alimento na cidade e ajuda a reunir grupos locais para colocar em prática esse desejo.
Os impactos ambientais positivos que a prática da agricultura urbana caso se tornasse rotineira entre os habitantes de São Paulo, seriam enormes, segundo Claudia. “Os benefícios se dividem em ambientais, urbanísticos e sociais/pessoais. E eles vão da melhora na qualidade do ar à redução da produção de lixo, passando por revitalização dos espaços públicos até revalorização da vida comunitária”, diz. Em diversas capitais, a agricultura urbana é desenvolvida como uma estratégia de combate às mudanças climáticas causadas pelo efeito estufa, já que há uma ligação direta entre os desequilíbrios climáticos e o modelo de agricultura que a maioria das sociedades adota. “Quando você come uma fruta que veio da Paraíba, o impacto ambiental causado até que ela chegue a seu supermercado em São Paulo é muito grande”, acrescenta. “A agricultura urbana dispensa a necessidade de espaço no campo, transporte, embalagem etc.” A comunidade científica e, em alguns países, a comunidade política, como é o caso da Inglaterra, estão colocando a agricultura urbana, local, como prioridade. A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2014 como o ano internacional da agricultura familiar, movimento próximo ao da agricultura urbana, que defende o policultivo em pequena escala para consumo local.
“São Paulo ainda perde área verde, a situação é dramática. Precisamos de uma política de arborização, de mais parques e de um trabalho de educação ambiental para a população. Isso é fundamental, mas ainda não é uma prioridade do governo e da maioria das pessoas”, alerta Claudia, que também é membro do Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz de Pinheiros. Para ela, das várias iniciativas que surgiram nos últimos anos no sentido de revalorizar o meio ambiente em São Paulo, a dos ciclistas foi uma das pioneiras. “O que se vê na cidade tem muito a ver com as reinvindicações de mobilidade, de ocupação do espaço público, do processo de restrição de carros em algumas áreas, do aumento das ruas de lazer. É um movimento ascendente, que pretende outra relação com a cidade”, completa.
Nova vida para rios e árvores
Sabia que a cidade de São Paulo esconde em seu subsolo mais de 300 rios, córregos e riachos? O geógrafo Luiz de Campos Jr. e o urbanista José Bueno, idealizadores do projeto Rios e Ruas, garantem que, apesar da estatística oficial, o número deve ser, no mínimo, o dobro. A dupla organiza explorações pela metrópole com o objetivo de identificar esses cursos d’água, que foram canalizados para darem lugar a ruas e automóveis no processo de urbanização da cidade. Uma rua sinuosa, vielas, esquinas com muitos bueiros, paredes marcadas por enchentes são alguns indícios de que, naquele lugar, pode existir um rio. “Promovemos o reconhecimento e a exploração ‘em campo’ das cidades, redescobrindo a natureza de rios soterrados por ruas e construções, contribuindo para despertar uma compreensão afetiva sobre o uso do espaço urbano”, afirma Bueno. Para Campos Jr., quando as pessoas vão se apropriando desse “olhar de descobrir rios”, aprendendo quais são as qualidades ambientais que denunciam a presença da água, percebendo uma cidade que tem milhares de quilômetros de cursos d’água soterrados por ruas e construções, começam a se perguntar: Por que deixamos que isso chegasse a esse ponto? Será que esses rios podem voltar à superfície? Podemos passar a fruí-los no cotidiano da cidade? Bueno acrescenta que um aspecto interessante das expedições é que os participantes percebem o abandono do espaço público. “Fazemos expedições em manhãs de domingo, passeando por ruas agradáveis por 4, 5 quilômetros, durante horas, sem encontrar ninguém andando! E voltam os questionamentos, por quê?”, pergunta o geógrafo.
Não há rios limpos na região central da cidade. Segundo Campos Jr. e Bueno, o fato de estarem soterrados, longe da percepção e consciência dos habitantes da cidade, faz com que sua condição de sujeira, descaso e permanente degradação se perpetuem. As explorações pretendem chamar a atenção para a existência desses cursos d’água, condição essencial para a sua conservação. Enterrá-los, fazê-los correr em tubos retilíneos e de diâmetro fixo, impermeabilizar uma área enorme do solo da região, ocupar as várzeas onde esses cursos d’água se espraiavam em época de cheias acabou por produzir uma série de problemas. “Dentre eles, a enorme degradação da qualidade das águas desses riachos, a dificuldade de drenagem das águas pluviais, gerando inundações recorrentes, e as mudanças no microclima da região intensamente urbanizada”, diz Campos Jr.
Mas a situação não é irreversível. Existem soluções sendo experimentadas com sucesso em diversos países. “Temos exemplos em nossa própria cidade, como a implantação de parques lineares [criação de áreas verdes em fundos de vale, regiões baixas ao longo de cursos d’água. Em São Paulo, atualmente, há mais de 15]. Até mesmo a ‘renaturalização’ [descanalização] pode ser implantada em alguns casos. O córrego Pirarungauá, que esteve mais de 60 anos tamponado numa galeria e hoje é uma das atrações principais do Jardim Botânico, é prova disso”, diz Bueno. “O trabalho de ‘renaturalização’ desse trecho do córrego levou pouco mais de um ano, a um custo muito baixo, se considerado o ganho ambiental e social, e depois de seu ressurgimento o parque multiplicou várias vezes o número de visitantes”, completa.
Já a proposta do Passeio Verde, atividade realizada pelo projeto Árvores Vivas, que reúne um grupo de interessados em receber informações sobre árvores de parques e ruas da cidade, é provocar um novo olhar para as árvores. Os participantes são convidados a tocar nelas, perceber suas características, como tamanho e forma das folhas, tronco e tipo de flor. O intuito da ação, idealizada pela designer para sustentabilidade Juliana Gatti, é sensibilizar, aprofundar e ampliar o vínculo dos paulistanos com as árvores, vegetação e natureza urbana que estão no entorno, em praças, parques e caminhos do dia a dia.
Outra ação voltada à arborização urbana é o projeto Adote uma Árvore, realizado pelo Sesc Interlagos. A atividade educativa mensal promove a doação de mudas aos participantes, que tornam-se agentes ativos no processo de cultivo de árvores na cidade. Em fevereiro, são realizados dois encontros, o Árvores e Calçadas, em que se discutem dicas de plantio em calçadas e outros locais públicos,e As Árvores da Mata Atlântica: a Castanheira-do-Maranhão, cujas características serão abordadas nesse encontro.
Entre as boas notícias voltadas para o meio ambiente, está o fato de que novos parques ou áreas verdes estão sendo criados, ou melhorados, trazendo mais oportunidades de convivência e preservação do verde como o Parque Cândido Portinari, inaugurado em dezembro de 2013. Com 121 mil m² de áreas verdes e de lazer, o local fica ao lado do parque Villa-Lobos, na zona oeste.
Essa e outras ações, sejam elas encabeçadas pelo poder público, por instituições privadas, por projetos sociais ou ações individuais, com o intuito de promover reflexões e ações para vivenciar, usufruir e preservar o verde com uso de ferramentas sistêmicas e discussões transversais com outros campos que dialogam entre si, têm crescido em São Paulo.
SAIBA MAIS
www.facebook.com/groups/horteloes
www.rioseruas.wordpress.com
www.facebook.com/rioseruas
www.arvoresvivas.com.br
ÁREA VERDE EM SÃO PAULO
Centro
Bairros da subprefeitura da Sé
2.382.670,67 m² Área de cobertura vegetal
385.348 habitantes
6,18 m² Índice de Cobertura vegetal por habitante
Leste 1
Bairros das subprefeituras de Ermelino Matarazzo, Itaquera, Penha e São Mateus
40.518.369, 75 m² Área de cobertura vegetal
1.665.328 habitantes
24,33 m² Índice de Ccobertura vegetal por habitante
Leste 2
Bairros das subprefeituras de Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Guaianases e São Miguel Paulista
8.842.275,51 m² Área de cobertura vegetal
1.304.528 habitantes
6,78 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Sudeste
Bairros das subprefeituras de Aricanduva, Ipiranga, Mooca e Vila Prudente
12.211.129,92 m² Área de cobertura vegetal
1.589.220,95 habitantes
7,68 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Oeste
Bairros das subprefeituras de Butantã, Lapa e Pinheiros
40.648.008, 29 m² Área de cobertura vegetal
961.586,62 habitantes
42,27 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Nordeste
Bairros das subprefeituras de Casa Verde/Cachoeirinha, Jaçanã/Tremembé, Santana/Tucuruvi e Vila Maria
59.588.085,35 m² Área de cobertura vegetal
1.264.922 habitantes
47,11 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Noroeste
Bairros das subprefeituras de Freguesia do Ó, Perus e Pirituba
78.421.924,82 m² Área de cobertura vegetal
975.303 habitantes
80,41 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Centro-Sul
Bairros das subprefeituras de Jabaquara, Santo Amaro e Vila Mariana
19.505.318,71 m² Área de cobertura vegetal
766.914 habitantes
25,43 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
Sul
Bairros das subprefeituras de Campo Limpo, Capela do Socorro, Cidade Ademar, M’Boi Mirim e Parelheiros*
434.710.352,48 m² Área de cobertura vegetal
2.268.434,1 habitantes
191,63 m² Índice de cobertura vegetal por habitante
*Onde se localizam as áreas de Proteção Ambiental Capivari-Monos e Bororé-Colônia
Dados do último indicador da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, de 2011. O cálculo para a cobertura vegetal compreende áreas públicas e particulares, incluindo vegetação arbórea, arbustiva e rasteira, parques, praças, canteiros, chácaras, sítios, áreas de reflorestamento, assim como regiões de mata.
VIAGEM AMAZÔNICA
Exposição traz a diversidade ecológica e social do maior bioma terrestre do mundo
Com proposta de trazer a experiência de imersão pela maior biodiversidade do planeta, a exposição Amazônia Mundi (foto)reúne instalações, murais, fotos, vídeos, vitrines e ambientes com história, lendas e mitos sobre a região. Sob curadoria de Anna Claudia Agazzi, a mostra, que ocupa mais de 1.200 m² do Sesc Itaquera até 10 de maio de 2015, pretende sensibilizar o público para realidades ainda pouco conhecidas da floresta, que possui um patrimônio humano, artístico, social e biológico incalculável. A exposição conta com uma Vila Amazônica, esculturas gigantes de animais da região, instalações artísticas que aludem à floresta suspensa e ao ciclo das águas e uma oca construída por índios Wayana. A visitação permite a observação de animais e sons da floresta, além das constelações do céu, vistas por diferentes culturas indígenas. A destruição da Amazônia também é discutida por meio da instalação Amazonfagia.
De acordo com a equipe de programação do Sesc Itaquera, a partir da vivência e da experimentação dos espaços expositivos, o objetivo da mostra é sensibilizar o público para questões socioambientais não apenas da Amazônia, mas de ambientes que estão próximos ao público. Outro aspecto ressaltado pela equipe é o fato de o Sesc Itaquera estar localizado em uma Área de Proteção Ambiental na região mais populosa da cidade. As pressões sobre esse remanescente de Mata Atlântica são enormes e a possibilidade de colocar em discussão dois biomas e duas realidades distantes, mas semelhantes, é uma forma de despertar o olhar dos visitantes para a visão sistêmica em relação às interações entre o ser humano e o ambiente.