Postado em 01/06/2013
Ariane Porto é produtora, diretora e professora de audiovisual. Formada em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado em Comunicação, ela entende a linguagem audiovisual como uma ferramenta de mobilização. Trabalha em projetos de Educomunicação, na capacitação de crianças e de grupos comunitários para o uso do audiovisual como forma de expressão. Há 20 anos, Ariane criou o Ecocine – Festival de Cinema e Meio Ambiente, com intuito de ampliar o debate público e aguçar o olhar crítico do espectador sobre esse tema.
Abaixo a entrevista para a Revista SescTV.
Como você se aproximou do audiovisual?
Minha aproximação com a arte começou no teatro, fiz parte do Grupo Rotunda, em Campinas [primeiro grupo de teatro profissional do interior do Estado de São Paulo, fundado em 1967], ao qual estou ligada até hoje. As artes sempre nortearam minhas atividades. Eu me formei em Ciências Sociais, na Unicamp. Depois, fui para a Escola de Comunicações e Artes da USP fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado, daí já me voltando para a questão audiovisual. Em 1989, fundamos o Centro Cultural São Sebastião Tem Alma e começamos a usar o audiovisual como ferramenta. Passamos a registrar tudo em vídeo. Trabalhávamos com as comunidades litorâneas tradicionais e eu sentia uma separação grande feita entre cultura e meio ambiente. Era como se a preservação das culturas tradicionais não pudesse se relacionar com a preservação do meio ambiente. No intuito de dar voz a essas comunidades, começamos a produzir documentários. O audiovisual serviu como mediação. Vi que essa estratégia era acertada, principalmente para falar com o público infantil. Fizemos, então, um curta-metragem de animação, A Folha de Samaúma, para tratar da questão ambiental com as crianças, e que conta com Lima Duarte como roteirista. A partir desse contato, criamos o projeto Bem-Te-Vi, que consiste em deixar os equipamentos com as crianças, para que registrem sua visão de mundo. O interessante foi notar que, ao deixar a criança livre para escolher o tema de abordagem, em noventa por cento das vezes elas escolhem tratar sobre questões ambientais.
Qual foi o impacto da Eco-92 na introdução da pauta ambiental na produção audiovisual? Foi também o ponto de partida para criar o Ecocine – Festival de Cinema e Meio Ambiente?
A Eco-92 trouxe esse debate para a sociedade civil. Este foi o grande ganho: criar um espaço para falar sobre o meio ambiente, mesmo dentre os movimentos sociais que não tinham esse tema como foco central de seus trabalhos. A criação do Ecocine ocorreu no mesmo ano, com intuito de levar essa discussão para o audiovisual. A ideia era ter um festival de caráter nacional, que não fosse apenas um espaço para exibir, mas também para pensar e aprender, com oficinas, debates e incentivo para novas produções, por meio dos prêmios de aquisição. O Ecocine passou a ser uma janela e inspirou outros festivais. Hoje temos o FICA [Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental], que é bem grande, e temos outras mostras que fazem esses filmes circular.
Como é feita a seleção dos filmes para o Ecocine?
É um processo complicado. O festival tem uma curadoria, que indica os filmes, e também um júri de seleção. Usamos alguns parâmetros: se o tema é tratado objetivamente no filme, mesmo que seja como pano de fundo. Por exemplo: neste ano, exibimos Xingu, de Cao Hamburguer, que aborda a questão indígena, mas também o tema ambiental. Outro parâmetro é se o filme gera uma reflexão ao espectador. E também olhamos para as questões técnicas, da qualidade das produções. A partir de 2005, o Ecocine reajustou seu foco, incluindo a questão dos Direitos Humanos como parte da discussão ambiental. Porque onde há violação dos Direitos Humanos, de alguma forma isto impacta na questão ambiental também. Assim, procuramos selecionar não só os filmes que trazem a floresta, mas também questões sociais e urbanas.
Como o Cinema tem trabalhado esse tema?
De forma bem múltipla e variada. E mesmo esses blockbusters são válidos. Só não pode ser um filme com informações incorretas ou com preconceitos. E é preciso que os pais façam a mediação com seus filhos. De que adianta levá-los ao cinema para ver Avatar ou Wall-E, que abordam essa questão ambiental, e, depois da sessão, sair consumindo sem consciência? Vejo os adultos ainda numa zona de conforto, ou seja, numa situação que não provoca mudanças substanciais. Sou otimista e penso que as coisas podem melhorar, desde que haja um movimento nesse sentido. Está nas mãos dos educadores, dos pais e dos meios de comunicação.
E você avalia que houve avanços na sociedade nesse sentido?
Acredito que sim. A gente tem hoje uma geração mais consciente sobre a preservação da natureza. As crianças aprendem sobre a reciclagem na escola. Por outro lado, ainda falta um aprofundamento sobre a questão, para perceber que aquilo que compramos e que comemos também impactam no meio ambiente. Precisamos aprender a consumir menos e melhor. E as crianças são as maiores vítimas, porque estão vulneráveis às campanhas publicitárias, que se apropriam desse discurso para fazê-las consumir. Ainda tratamos a questão do meio ambiente parcialmente; os adultos estão pouco preparados e as escolas têm uma visão muito rasa. O que está faltando na sociedade é uma relação direta, um bom senso entre o discurso e a ação. Falta coerência. E nós produtores culturais temos um papel importante também, porque trabalhamos com sonhos, aspirações, com o lúdico e as sensações. Então, tenho que ter uma postura ética e levar as pessoas a pensarem. Se você consegue mudar o olhar, gera mudanças na zona de conforto da sociedade. E a arte, como um todo, e o audiovisual têm essa capacidade.
O uso de termos como “suntentabilidade” têm se tornado comuns na mídia. É um sinal de mudanças na sociedade?
Não necessariamente. Brinco que algumas palavras deveriam ser proibidas, porque seu significado acaba sendo desvirtuado. Há uma apropriação destes termos, mas sem nenhum impacto significativo de mudança. Ou seja, perdem o sentido. Sustentabilidade é um deles. São usadas pelos setores de marketing das empresas, mas não correspondem às ações, porque não é orgânico, não tem conteúdo, não está impregnado, inserido nas atividades cotidianas. Tínhamos de trocar todos esses termos por uma palavra: educação. É ela que representa a cultura ou o cultivo. O resto é jargão.
Na sua opinião, a televisão abre espaço para este debate?
A TV abre muito pouco espaço ainda. Se pensar na quantidade de canais disponíveis na TV aberta e na TV por assinatura, temos centenas de horas de programação, que poderiam ampliar e aprofundar essa discussão. Penso que a pauta ambiental ainda sofre preconceito nos meios de comunicação. Temos muito espaço para crescer ainda, aproveitando este amplo alcance que a televisão tem.