Postado em 01/07/2013
Se alguns aspectos da nossa cultura são conhecidos e divulgados a ponto de simbolizarem toda uma nação, muitos outros estão em processo de extinção, e/ou jamais foram documentados.
Ao longo de 8.515.767,049 de quilômetros quadrados, se espalham pelo território brasileiro um sem fim de cores, ritmos, aromas, sons e sabores. A maior particularidade da manifestação verde e amarela é a sua multiplicidade. E nosso inventário cultural é um bem precioso que só existe, resiste e se transforma graças ao esforço de seu maior criador: o povo.
Onde quer que estejam os 194 milhões habitantes deste País de muitas faces, somos todos herdeiros de tradições seculares influenciadas pelos elementos naturais e humanos das regiões onde afloram, e fundamentais para a construção de nossa identidade.
Assim segue o Brasil, atravessando a contemporaneidade: envolvido pelas influências mais essenciais e rudimentares, cultuando suas raízes mais profundas, cada vez mais patrimônio da humanidade, material e imaterial, cultural e natural. Nossos costumes e tradições originais ainda estão vivos e pulsantes e precisam ser vistos, divulgados, revisitados e reprocessados por outras gerações.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011 dão conta que 59,4 milhões de lares contam com, pelo menos, uma televisão. Isto corresponde a 96,9% do total de casas brasileiras. O alcance das imagens já supera as ondas do rádio.
Para os criadores de conteúdo, a TV é um canal poderoso, estimulante e encorajador de transmissão de conhecimento. Fala sem interlocutores com praticamente todos os habitantes do País. São muitas pessoas. Muito diferentes.
Quando levada a sério, é um espaço privilegiado para o exercício livre da criatividade e experimentação, tanto estética quanto narrativa. Se hoje o cinema vive um momento engessado, de fórmulas e formatos previsíveis, temos na televisão, mais do que nunca, a saída para infinitas possibilidades de criação. Aqui se pode – e se deve – inventar. Tem sido esse o caminho adotado por emissoras mundo afora.
O documentário na televisão é capaz de encantar, estimular e explorar linguagens inovadoras. Consegue repensar e renovar as bases do gênero. Guarda a possibilidade de buscar o inédito. A televisão não precisa ser efêmera.
E quando o documentário em questão se propõe a falar sobre as nossas manifestações culturais ,nossa identidade sempre em movimento, temos em mãos uma matéria prima privilegiada. Um material infinito e muito pouco explorado. Tal combinação de fatores permite leitura e releitura livres, de maneiras diferentes. Recortes ilimitados de uma imensidão: seja na arquitetura, na música, na dança, na gastronomia, nos autos populares, na poesia, nas cidades históricas, nos ofícios, nos imigrantes, na religião, nas rotas históricas, nos hábitos, nos festivais...
Esta liberdade de abordagem e transmissão é, contudo, o maior desafio de se apropriar de um assunto que é tão rico quanto pouco visitado. A tradução de uma cultura já é, em si, um ponto de vista sobre o tema. Desta forma, a escolha narrativa é posta em xeque. Como narrar Mário Quintana? Como mostrar o ritmo do Carimbó? Quais caminhos tomar para falar sobre a Vaquejada? Qual a melhor maneira de filmar a Festa da Carpição? De que forma imprimir multidões de pessoas reunidas com o objetivo de festejar, manter vivas tradições ancestrais, estarem em grupo e sentir a pulsação de uma comunidade? Para cada tema, uma nova linguagem, para cada linguagem, um novo desafio.
Seja qual for a narrativa eleita, o resultado de propagar a cultura nacional a seus próprios habitantes é a satisfação de ter acesso às reações do público. Mas toda realização artística já nasce incompleta, uma vez que é feita em torno do que falta dizer. Essa incompletude é o que motiva e deixa como resíduo uma produção. Cada documentário é um pretexto para um novo fazer. Fazer no tempo, fazer para o tempo. De novo. De uma nova forma.
Realizar documentários traz sentimentos contraditórios. De um lado, a satisfação de perceber que aos poucos um inventário começa a formar corpo. De outro, a responsabilidade de confirmar mais uma vez a marca de um encontro essencial.
Assim como a televisão, nossa cultura está, e estará sempre, em uma inevitável formação. É incompleta porque o caminho ainda não terminou. E está longe de terminar.