Postado em 01/07/2013
Maya Götz é diretora da Fundação Prix Jeunesse, organização internacional fundada em 1964, na Alemanha, com objetivo de promover a qualidade da programação voltada para crianças na televisão. Ela esteve no Brasil, no mês passado, para participar do ComKids Prix Jeunesse Iberoamericano, evento que reuniu, no Sesc Consolação, na capital paulista, produtores e pesquisadores para assistir, premiar e debater a produção audiovisual na América Latina. Graduada em Educação, com mestrado e doutorado em Mídia, ela desenvolve pesquisas sobre a percepção do público infanto-juvenil aos programas de TV.
Abaixo a entrevista para a Revista SescTV.
Quais são as principais ações da Fundação Prix Jeunesse?
Nossa missão é promover a qualidade da programação da TV para crianças e adolescentes. Nossa principal atividade é o Prix Jeunesse Internacional, o maior e mais antigo festival de produções audiovisuais para crianças. É realizado anualmente em Munique (Alemanha) e também em outras regiões, como a América Latina, com parcerias locais. Também fazemos workshops, entre 40 e 60 por ano, para promover a excelência da programação de TV para crianças. Aqui, contamos com parcerias como o Instituto Goethe e o Unicef. O Prix Jeunesse não é apenas uma premiação pelos melhores programas. É uma intensa experiência de aprendizado entre produtores. Ao assistir e discutir a programação de qualidade de diferentes países, dedicando-se a pensar e refletir sobre seus conceitos de programação de qualidade para crianças, exercitamos um modo efetivo de promover esta almejada qualidade. A ideia básica é: a qualidade deve ser criada pelos produtores, baseados em suas experiências locais, sua cultura e sua criatividade. Eles podem aprender e se inspirar nos outros, mas a excelência da programação infantil tem de nascer da cultura regional e, então, ser espalhada para o resto do mundo.
Historicamente, quando a televisão começou a produzir para crianças?
Desde o início, os profissionais da TV pensavam em como poderiam usar esta mídia para oferecer às crianças conteúdo educativo e de entretenimento. Mudanças na abordagem pedagógica de como percebemos as crianças, seu papel na sociedade, seus direitos etc., também transformaram a programação feita para crianças na TV. No início, era algo exclusivamente educativo e fortemente influenciado pela escola, e foi aos poucos sendo dominado pela cultura do consumo. Nosso desafio é alcançar um equilíbrio entre o que é enriquecedor para elas, mas também é divertido de assistir.
Quais são as especificações das produções audiovisuais voltadas para crianças?
Hoje em dia, há todos os gêneros audiovisuais para crianças, mas temos de estar conscientes de um aspecto importante: as pessoas gostam de dizer o quanto valorizam as crianças, mas têm investido cada vez menos recursos para a produção audiovisual voltada para elas. Quase não há espaço para que as crianças tenham voz ativa em nossa sociedade, especialmente no mercado. Por isso é tão importante que a sociedade faça um esforço para percebê-las e para abrir espaço para que elas cresçam e se desenvolvam de forma saudável.
E como se dá a recepção do público infantil aos programas de TV?
Para entender o que significa produção de qualidade para crianças e do que elas gostam de assistir, você tem de aprender como esse público assiste à TV: o que elas acham divertido? Como elas entendem as histórias? Ou como elas usam essas histórias para lidar com a própria identidade? Para citar um exemplo: crianças com cinco ou seis anos de idade não entendem ironia ou flashbacks. Seu foco está na imagem e frequentemente elas ignoram o texto falado. Elas precisam de um longo tempo para compreender e sentir uma história. São questões importantes que você deve conhecer se quer realizar uma produção que contribua com seu desenvolvimento. Por esta razão que, além das exibições feitas no Prix Jeunesse Iberoamericano, também há workshops e aulas com especialistas de diversos lugares do mundo.
Na sua opinião, produtores levam em consideração o caráter educativo das obras? Até que ponto os interesses comerciais pautam as produções?
Hoje em dia, nenhum produtor pode ignorar o mercado. Programas de TV são caros para produzir e você deve atingir seu público para alcançar seus objetivos educativos, mas também para sobreviver como uma empresa ou uma emissora comercial. E mesmo as emissoras públicas devem avaliar o impacto de sua programação junto ao público, não com a meta de financiar seus programas, mas para ser relevante e para se certificar de que estão realmente sendo assistidos pelas crianças. Não quer dizer que você tenha de abrir mão de todos os seus objetivos para contribuir cognitiva e emocionalmente com as crianças. A maioria dos produtores de TV e dos canais voltados para este público está ciente da especificidade de seu público. Mas, é claro, há muitas diferenças na forma como eles se aproximam das crianças e diariamente aprendem e reavaliam como poderiam ter feito melhor para oferecer mais oportunidades para que elas aprendam, sintam e se inspirem.
Como é a produção audiovisual para o público infantil na América Latina, em comparação às produções europeias?
Em minha quarta participação no Prix Jeunesse Iberoamericano, vejo uma enorme diferença nos programas finalistas desta edição: a qualidade este ano está muito alta! Isso mostra que produtores e emissoras latino-americanas encontraram caminhos para exercitar sua criatividade e contar histórias baseadas em seu universo cultural. Histórias com crianças e seus cotidianos, claramente locais e com uma qualidade estética. A fotografia é bem escolhida. O ritmo de edição tem – se assim podemos dizer – um pouco de samba e salsa. Obviamente, não são todos, mas muitos encontraram um jeito latino de abordagem. E eu adoraria ver estas produções compartilhadas não apenas na América Latina, mas em todo o mundo. Seria uma inspiração maravilhosa para todos, especialmente para nós, europeus, tão duros e cognitivos.
O que ainda pode ser melhorado na produção audiovisual para crianças?
O mais importante quando se fala em qualidade de programação para criança na TV, na minha opinião, é diversidade. Crianças devem ter a possibilidade de escolher entre diferentes programas, do Bob Esponja e da Hannah Montana até as atrações regionais; dos desenhos animados engraçados aos documentários que mostram diferentes olhares e histórias que podem tocá-las profundamente. Somente se elas têm a oportunidade de escolher entre todos os tipos de gêneros elas podem aprender a decidir o que é, de fato, interessante para elas. Apenas se elas têm a chance de escolher, por exemplo, entre ótimos programas, produzidos de forma brilhante para um mercado global, e também com excelente conteúdo local, cujas histórias são baseadas em experiências regionais, elas terão a chance de aprender sobre elas mesmas e também a expandir seu mundo.