Postado em 01/08/2000
Egla Monteiro
O crescimento da informação na era digital é inequívoco. Inquestionável. Mas toda essa histeria em torno da Internet como a grande salvação para a democratização da informação e do conhecimento é pura falácia. Querer que acreditemos que o mundo inteiro já está na rede é mais uma dessas coisas que de tanto serem repetidas passam a ter valor de verdade.
Pesquisa recente da ONU comprova a minha fala: quase 90% dos usuários da Internet vivem nos países ricos, que representam 15% da população mundial; no sudeste asiático, com 20% da população do mundo, só 1% tem acesso à rede; na África, com 739 milhões de pessoas, só um milhão está conectada. Já deu para ver a cara dos usuários da rede "mundial" de computadores?
O que se pode inferir desses dados é que a Internet ainda não é para qualquer um. A maioria da população do mundo ainda está tentando entrar na "rede" dos que comem diariamente. A exclusão apresenta-se, agora, também em versão tecnológica!
A apropriação da tecnologia pela esfera político-econômica na sociedade contemporânea determinando , inclusive, quais as pesquisas que serão financiadas e o uso que será feito delas, tirou de nós quaisquer ilusões acerca da possibilidade de o conhecimento científico estar voltado para problemas cruciais para toda a humanidade e não só para os que podem comprar os resultados mais imediatos dessas pesquisas, expressos em objetos que consumimos diariamente como a televisão e o computador com sua tão festejada Internet.
Difícil não concluir, também, que as informações que irão circular nestas máquinas de comunicação deverão seguir a lógica do mercado que as financiou. E neste ponto pergunto se estar fora do circuito da informação pasteurizada não pode ser uma alternativa boa, ao menos enquanto possibilidade de se manter imune ao lixo e às bobagens veiculadas, agora, de forma ininterrupta.
Surge aqui a questão da qualidade da informação que está sendo divulgada. Existe algo de podre no ar que pode ser entendido como uma certa " mcdonaldização " do mundo (o termo não foi cunhado por mim, mas traduz metaforicamente minha apreensão da realidade neste momento ).
O olhar que se instaura no mundo sob a ótica da mercadoria e vem sendo disseminado pelos meios de comunicação, cria em mim um desencantamento que tem me levado progressivamente a desligar a televisão, o computador e a escolher cada vez mais o que quero ler , ouvir e ver.
A possibilidade de conduzir minha existência efetuando escolhas que me tornem sujeito das minhas ações sempre esteve em pauta em minha vida. Por isso essa apropriação indevida que os meios de comunicação querem impor à minha existência, exige de mim uma postura cética permanente em relação à qualidade da informação veiculada por eles.
Esse "desplugamento" voluntário e crítico tem me proporcionado deliciosas descobertas. Brincar de esconde-esconde e jogar bola com minha filha e meu companheiro na sala de casa, ao invés de ligar a TV, tem me conectado a um profundo sentimento de humanidade. A leitura de Dostoiévski, Guimarães Rosa, Brecht ou Walter Benjamin tem me colocado em conexão direta com outras existências vividas e com outras formas de pensar o mundo e as relações, que não encontro com freqüência nos jornais, nem navegando pelas páginas da Internet. A apreensão da vida em sua simplicidade parece revelar-se aos poucos. O contato com o catador de lixo que passa em casa para coletar o papel que separo para ele, e que jamais encontraria nos lugares de conversas que a rede põe à disposição do usuário, tem um valor inestimável para a consolidação da minha cidadania, colocando-me em confronto direto com questões que me exigem uma reflexão e uma ação que possam ter alguma eficácia sobre os acontecimentos do mundo.
Busco o contato vital. Aquele em que posso colocar a serviço do outro todos os meus sentidos. Gosto de gente! Do divino e do precário que há em cada um de nós. Sartre que me perdoe. O paraíso são os outros!
Não vejo a tecnologia nem a informação como um mal. Questiono o uso que é feito delas. Tampouco quero parecer anacrônica. Dinossauro. Ouso experimentar e exercitar o livre pensar. Não pode? Tenho que aceitar o desmanche sem questionar? A História acabou e utopias coletivas estão fora de moda? Sei. O negócio é ser feliz sozinho porque não cabe todo mundo na revista Caras? Desculpem, mas aparecer em Caras e estrear na novela das oito nunca estiveram presentes em minha lista de pedidos para o Papai Noel. Ainda me permito sonhar e nos meus sonhos incluo o mundo. Solo, só se for na Série Solos de Teatro do Sesc Ipiranga. De preferência com Denise Stoklos mostrando seu Teatro Essencial.
Egla Monteiro é Coordenadora de programação do Sesc
Ipiranga, tem formação em Teatro e em Filosofia