Postado em 05/11/2013
Em entrevista à Revista SescTV (novembro/2013, edição 80), o professor e pesquisador Eduardo de Jesus, que compõe a equipe de curadoria do 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, fala sobre a trajetória da videoarte no Brasil, a relação com a tecnologia e o diálogo com outras expressões artísticas
Texto publicado na Revista SescTV, novembro/2013, edição 80
Eduardo de Jesus é professor e pesquisador na área do audiovisual, com ênfase em arte contemporânea e tecnologia. Graduado em Comunicação Social pela PUCMG, fez seu doutorado em Artes na ECA/USP. Compõe a equipe de curadoria da edição de 2013 do Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, realizado neste mês, comemorando 30 anos de atividades.
As primeiras experiências com videoarte são da década de 1960, nos EUA. Quando esses trabalhos chegam ao Brasil?
O vídeo, como suporte, surge nos anos 1960 e logo é apropriado por artistas. Mas antes disso, já havia iniciativas de diálogo entre a linguagem audiovisual e a produção artística no cinema experimental, nas décadas de 1920, de 1930 e, fortemente, de 1940. O vídeo se coloca de forma muito interessante, porque é mais fácil de fazer do que o cinema. Aqui no Brasil, as primeiras experiências acontecem nos anos de 1970, tendo como um dos pioneiros o Walter Zanini [historiador e crítico de arte, falecido em janeiro deste ano]. Ele estava à frente do MAC (Museu de Arte Contemporânea) e fomentou a primeira produção de videoarte no País. Outra experiência importante acontece em 1973, com a ExpoProjeção, organizada por Aracy Amaral, criando uma demanda forte para a videoarte brasileira.
Qual era o cenário brasileiro nesta primeira fase?
O Brasil estava no contexto da ditadura. Havia poucos espaços para apresentação de trabalhos artísticos, um dos poucos era a Bienal Internacional de São Paulo. Tínhamos um cenário muito refratário a esse tipo de manifestação artística. Os primeiros trabalhos de videoarte foram registros de performances artísticas, como a proposta Made in Brazil, performance de Letícia Parente, em que ela bordava essa frase na planta dos pés, registrando a experiência com uma câmera. Esse trabalho foi um marco. Outros artistas também se destacaram nessa fase, como Hélio Oiticica, Lygia Pape e Arthur Omar.
Qual o perfil dos primeiros videoartistas?
São pessoas que já tinham uma relação com a arte em outros suportes. Alguns, inclusive, pararam por aí, ou seja, experimentaram essa linguagem, mas depois seguiram por outras vertentes. A geração seguinte, dos anos de 1980, já tinha um perfil mais ligado à produção independente, quando um realizador é contratado para fazer um trabalho, por exemplo, numa emissora de TV. Começam a aparecer os trabalhos de profissionais como Fernando Meirelles, Marcelo Tas, Tadeu Jungle. A videoarte surge abrindo mão da sala de cinema como espaço primordial de exposição das obras.
Era necessária uma ruptura com a sétima arte?
Acredito que sim, era importante romper com o cinema tradicional, narrativo e comercial. A videoarte tinha de romper com este lugar. Há um teórico dos anos de 1970, Jene Young Blonde, que criou o termo “expanded cinema” (cinema expandido), que abrigava essa arte que ia além das salas de cinema. É a proposta de colocar o espectador em contato com novas experiências, concretizadas nas videoinstalações.
Nos anos de 1970, a videoarte passa a ser associada a uma arte de caráter subversivo. Por quê?
Naquele contexto, o trabalho dos videoartistas é de nítido cunho político. Era um momento em que a identidade brasileira estava muito tortuosa. Havia uma postura desses videoartistas para dar conta daquilo que a TV não mostrava. Na década de 1980, isso passou a existir de forma mais regular. Havia um desejo da videoarte de invadir a TV, até por entender o alcance que a televisão tem. Era um desejo político de revelar o que a TV não revelava.
De que forma a videoarte influenciou a produção de TV?
A TV brasileira dos anos de 1980 permitia pouca ou nenhuma experimentação de linguagem. Era muito careta, fechada, e como tal a chegada dos videoartistas deu uma renovada geral na linguagem, mostrou novas possibilidades. Quando Goulart de Andrade chamou profissionais como Fernando Meirelles e Marcelo Tas para a TV, criou um momento de contaminação. Expandiu. A televisão absorveu muito essa linguagem, na questão do enquadramento, dos efeitos, de sujar a imagem, algo que antes não era aceito no padrão de TV e hoje nós assistimos até em propagandas comerciais!
Com os avanços tecnológicos, o que definiria a videoarte hoje?
Hoje, tudo mudou muito. O próprio vídeo, como suporte, não existe mais. A expressão videoarte tem sido substituída por outras, como “linguagem audiovisual” ou “experimentação de imagem em movimento”, para dar conta dos mais diversos suportes
disponíveis hoje. Não faz mais sentido falar em vídeo. Aliás, hoje não nos fixamos mais no suporte. Não importa se uma proposta foi realizada com fotografia ou numa câmera digital, numa Super 8, numa 16 mm ou até numa pinhole. O que importa é: o que virou o trabalho? Dialoga com questões contemporâneas? Vivemos a era do pós-mídia, que é o pós-suporte. Essa sensação reposiciona o lugar das coisas. A videoarte deixou um legado de visualidade, seja para o cinema, o videoclipe, a televisão. E essa herança tem de se reposicionar de acordo com os novos contextos onde a arte está.
Como a videoarte dialoga com outras expressões artísticas?
A videoarte está totalmente absorvida. Não existe nenhuma exposição de arte contemporânea sem a linguagem audiovisual! Ela foi levada para outros patamares. Chega ao universo do entretenimento e das festas, com o trabalho dos VJs. Há inúmeros exemplos de colaboração com a dança, quando o cenário é um vídeo ou, até de forma mais intrínseca, quando possibilita o encontro entre dois bailarinos, através do vídeo. A coisa mais interessante é que o vídeo e a videoarte eram fortemente ligados à arte de forma marginal. Hoje, ocupam a centralidade.