Postado em 10/10/2013
As bancadas de Mestre Molina, denominadas geringonças, são algumas das mais importantes obras da tradição nacional dos bonecos animados, e podem ser vistas até fevereiro de 2014 na exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira
Objetos rústicos como madeiras, latas, borrachas e cordas; materiais sofisticados como silicone, gesso e tecidos especiais – todos serviam ao mesmo propósito nas mãos de Mestre Molina, um dos principais expoentes da arte popular da criação de bonecos animados: dar origem a obras que, além de divertir pessoas de todas as idades, refletiam com singeleza o cotidiano nacional.
As bancadas de Mestre Molina, que ele mesmo apelidou de geringonças, são mesas cheias de figuras artesanais que se movem com a energia gerada por um motor elétrico, reproduzindo cenas da vida no Brasil. Fábricas, serralherias, bares e outros locais de convívio foram abordados pelo Mestre, que, com a ingenuidade do olhar infantil típica do criador de brinquedos, retratou como poucos a legítima cultura popular do país.
Desde o princípio colaborando com artistas que compartilhavam o anseio pelo entendimento de nossa cultura, o Sesc Pompeia foi a casa perfeita para abrigar a inventividade de Mestre Molina, que por doze anos usou a unidade como espaço de criação de suas geringonças. Algumas delas ainda podem ser vistas até fevereiro de 2014 na exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira, que homenageia a mostra Mil Brinquedos da Criança Brasileira, realizada no ano de inauguração da unidade, em 1982, e que tinha as mesas do artesão como algumas de suas principais atrações.
Passados mais de 40 anos desde a criação de sua primeira geringonça, a mensagem por trás dos trabalhos de Manuel Josette Molina, nascido em 1917, em Bocaina, São Paulo, parece se conservar de modo atemporal. A esse respeito, Beatriz Vidal, restauradora oficial das obras do artesão, comenta: "Mestre Molina não retrata apenas o ambiente onde viveu e seu olhar sobre as coisas, ele retrata em suas obras seu olhar sobre as relações que se davam nesses ambientes, pequenos detalhes em cada obra nos remetem a como ele via a vida que cada cenário produzia”. Pessoal, porém abrangente; ainda segundo a restauradora, é “este aspecto quase que narrativo de sua obra que o torna atemporal – uma história bem contada atravessa os tempos sem se desgastar”.
O primeiro contato do artista com o Sesc, que ocasionaria uma parceria vindoura, aconteceu em 1974, ano em que participou da exibição Cultura Popular no Sesc Santos. Pela primeira vez foi reconhecido como artista e teve seu trabalho aclamado como arte popular – agora ele era o Mestre Molina. E nessa condição foi convidado a expor suas bancadas em diversos outros espaços nos anos que se seguiram. Em 1982, a exposição Mil Brinquedos da Criança Brasileira consolidou o sucesso da colaboração com o Sesc, marcando a inauguração do novo espaço cultural no qual, anos depois, em 1988, teve seu trabalho celebrado na mostra individual As Geringonças do Mestre Molina, em que realizou o antigo sonho de ter seu processo criativo revelado para crianças e jovens que puderam acompanhar seu empenho na criação de algumas peças ao vivo. Fora contratado três anos antes pelo Sesc Pompeia, em 1985, onde permaneceria disseminando a arte popular até sua morte, em 4 de novembro de 1998.
A vocação de contar através dos bonecos em movimento as histórias e as experiências que acumulou ao longo de uma vida de viagens e de muitas ocupações, mostrando as diferentes facetas das pequenas cidades, do cotidiano da gente simples e do trabalho árduo, pode hoje ser testemunhada nas geringonças expostas na mostra Mais de Mil Brinquedos da Criança Brasileira. Em Bar dos Trabalhadores Braçais e Parque de Diversões são narradas diferentes cenas do cotidiano, ao passo que outras bancadas, como Palácio dos Fantasmas, dão espaço para as fantasias tão familiares às brincadeiras infantis. O que todas têm em comum é a autenticidade, o meticuloso cuidado dedicado a cada boneco e a cada objeto, a criatividade da arte popular brasileira que, traduzida nos movimentos de suas geringonças, ainda hoje arranca sorrisos de crianças e adultos.
:: Confira a programação da mostra "O que é , o que é?'' no Sesc Pompeia: