Postado em 06/09/2013
Em cartaz no Sesc Ribeirão Preto até 8/setembro, a obra do escritor indígena Daniel Munduruku foi o ponto de partida para o Tirando de Letra, exposição tem como objetivo incentivar a leitura entre jovens e crianças. No dia 25/setembro, no Sesc Araraquara, Munduruku faz conferência sobre a temática indígena na escola
Em 2013, a obra do escritor indígena Daniel Munduruku foi o ponto de partida para o Tirando de Letra, que termina no próximo domingo, dia 8 de setembro. Realizada pelo Sesc Ribeirão Preto, a exposição tem como objetivo incentivar a leitura entre jovens e crianças.
Durante 4 meses, cerca de 20 mil visitantes descobriram a literatura de Munduruku por meio de instalações, projeções e ambientações interativas e lúdicas e tiveram a oportunidade de lançar um novo olhar sobre a questão indígena no Brasil. Confira aqui os principais trechos da entrevista que Munduruku concedeu à EOnline; nela o autor falou sobre seu primeiro contato com as letras, mobilizações na internet e o balanço da exposição.
EOnline: Quando e como você foi alfabetizado? Qual é a sua primeira lembrança com as letras?
Daniel Munduruku: Fui alfabetizado – como a maioria das crianças daquele tempo – por volta dos nove anos de idade. Meu contato com a escola foi um pouco traumático porque as pessoas me apelidavam de índio para lembrar de minha origem. Isso me deixava muito furioso, pois o que as pessoas diziam não fazia jus a tudo o que aprendia na comunidade. Nessa época eu passei a negar minha identidade indígena e querer ser outra pessoa, ser igual aos meus amigos. Isso durou um bom tempo até que meu avô me resgatou e foi me ensinando a aceitar minha condição étnica, a respeitar as diferenças e a olhar para o mundo com mais tolerância.
Meu contato com os livros era bastante esporádico. Viver no norte do Brasil numa situação de golpe militar não era muito fácil e tudo o que líamos era o que já estava estabelecido pelo regime. Por sorte – ou azar, não sei – estudei numa escola religiosa que tinha uma grande biblioteca; eu me refugiava lá para ler a vida dos santos. Foi assim que passei a ser um bom leitor, mas a escrita era difícil e eu não deixava ninguém olhar o que escrevia. Apenas por volta dos 15 anos é que tive a coragem de mostrar um texto para meu professor e ele me obrigou a imprimir e a entregar para meus amigos lerem também. Foi meu primeiro texto público. Eu sempre lia livros religiosos. Era permitido apenas isso. Foi bom para treinar minha cabeça e curiosidade. Foi bom para eu entender as humanidades. Foi bom para eu poder começar a expressar meus pensamentos. No final, acho que foi bom.
EOnline: O ensino da história brasileira, das américas, continua o mesmo? Você enxerga alguma mudança? Como percebe, hoje, o olhar da escola sobre o indígena?
D. M.: Há alguns sinais de mudança, mas eles são muito modestos. As universidades continuam ensinando coisas do arco da velha, tornando os professores escravos dos estereótipos e dos estigmas. Eles ensinam coisas que aprenderam quando eram crianças e acreditam que estas coisas estão corretas. Não pensam que a repetição sem crítica dos conhecimentos antigos sobre os povos indígenas acabam tornando estes povos ainda mais afastados da realidade. Não à toa, a maioria das crianças e jovens estudantes não conseguem fazer uma leitura crítica da realidade que as envolvem. Elas estão fadadas a dar continuidade à ignorância que ainda macula as relações entre os indígenas e a sociedade brasileira. Claro que há mudanças. Claro que temos andado a passos largos na direção de uma nova realidade. Há pesquisas nas universidades que podem alterar essa visão congelada que temos dos indígenas; há pesquisadores trabalhando com textos de autores indígenas e neles buscando saídas para estas mudanças acontecerem. Há muitos professores que já não repetem as fórmulas antigas graças ao seu renovado interesse em educar de verdade. Ainda bem.
EOnline: Há pouco tempo, o massacre dos Guarani-Kaiowá tornou-se pauta nas redes sociais. A internet tem sido um instrumento de fato útil para a causa indígena?
D. M.: É um bom instrumento sim. Não creio que ela tenha poder de mudar alguma coisa, pois a internet é apenas um equipamento frio. As pessoas podem dar vida a ela, mas sinto que as pessoas que se escondem atrás do computador apenas são tão frias quanto a própria máquina. As pessoas estão criando seus avatares, mas elas mesmas não os estão vivendo. De nada serve protestar atrás do PC, pois, no fundo, elas não acreditam naquilo. É mais uma moda que um fato. Às vezes recebo mensagens muito otimistas de gente que sei que não é tão otimista assim no seu dia-a-dia. Ou de pessoas que ficam dizendo palavras de ordem de transformação da sociedade, mas que no cotidiano é reacionário, acomodado. Portanto, não acredito em todo este poder das redes sociais. Servem apenas para algumas pessoas ganharem muito dinheiro iludindo outras tantas.
EOnline: Como é ter sua obra escolhida como referencial para uma exposição que incentiva a leitura entre crianças e jovens? Qual é o balanço final da exposição, quais os frutos colhidos?
D. M.: Tenho dito sempre que nunca fui tão homenageado em minha vida como desta vez, por meio do projeto Tirando de Letra. Confesso mesmo que foi uma realização, um momento de pura alegria, satisfação e bem estar. Do ponto de vista dos ganhos, penso que as crianças saíram não apenas desejosas de ler literatura de qualidade, mas aprenderam a olhar de maneira diferente para nossos povos. É o que esperamos que as escolas façam, ainda que dentro de suas dificuldades. A região de Ribeirão Preto teve uma oportunidade única e nós – eu e as outras gentes – tivemos certeza de que estamos caminhando no bom caminho e que vale a pena continuar sonhando com uma sociedade que acolha sua própria diversidade.
o que: |
Exposição: Daniel Munduruku... E Outras Gentes |
quando: |
até 8/setembro |
onde: |
o que: |
Conferência: A Temática Indígena na Escola e a Lei 11.645/08 |
quando: |
25/setembro |
onde: |