Postado em 02/07/2013
Risco filosófico
Pensador esloveno conhecido pelas críticas ácidas à sociedade contemporânea e à globalização, explica os principais pontos de sua abordagem teórica
Filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos, Slavoj Zizek nasceu na Eslovênia, em 1949. Conhecido por tangenciar diversas áreas do conhecimento, tem como influências predominantes os pensadores Karl Marx (1818-1883) e Jacques Lacan (1901-1981). O professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana é também um dos diretores do Centro de Humanidades da Universidade de Londres. No Brasil, publicou obras que abordam a sua crítica cultural e política, entre elas Bem-vindo ao Deserto do Real (Boitempo, 2003) e Vivendo no Fim dos Tempos (Boitempo, 2012).
Neste depoimento, Zizek, que esteve em março no Sesc Pinheiros para ministrar a conferência De Hegel a Marx: a Tradição Dialética em Tempos de Crise e lançar o livro Menos que Nada: Hegel e a Sombra do Materialismo Dialético (Boitempo, 2013) no seminário Marx: a Criação Destruidora – promoção Sesc e Boitempo –, expõe sua visão da globalização e de como a pobreza exclui populações inteiras.
Capitalismo e divisão de classes
Nosso capitalismo global com seu desenvolvimento desigual está cada vez mais excluindo as pessoas que já são sistematicamente privadas de uma participação ativa na vida social e política. O crescimento explosivo de favelas nas últimas décadas, especialmente nas megalópoles do terceiro mundo, pode ser considerado o evento geopolítico crucial da nossa época.
A população urbana do chamado terceiro mundo ultrapassou a população rural e como a maioria dos habitantes das favelas compõe a população urbana, não estamos lidando com um fenômeno marginal. Ninguém nega a existência desses grupos, mas aqui começam os problemas. Eles são, é claro, os objetos favoritos do cuidado humanitário e da caridade das elites liberais. Até mesmo nosso capitalismo está se transformando em um capitalismo de caridade, que está se tornando uma forma de vida.
Posso citar Chávez [Hugo, presidente da Venezuela, morto em 2013] e a divisão de classes. Chávez fez algo incrível. Digo que cuidou e protegeu os pobres no antigo estilo populista peronista e, quaisquer que tenham sido seus erros, colocou toda sua energia em despertar os pobres, mobilizando-os como agentes políticos autônomos. Viu que sem a inclusão de todos os excluídos a nossa sociedade iria se aproximar de um estado de guerra civil permanente.
A propósito de Chávez, lembro-me da linha imortal de um diálogo de Orson Welles (1915-1985) no filme Cidadão Kane. De uma cena quando Kane começa a publicar o seu jornal populista, defendendo os desfavorecidos. Um banqueiro diz que ele não deveria se voltar contra a própria classe e beneficiar os pobres. E sabe o que o cidadão Kane respondeu? Se eu não defender os interesses dos não privilegiados, outra pessoa irá fazê-lo, talvez alguém sem dinheiro ou propriedade. Talvez eles mesmos comecem a defender os seus privilégios e nós não queremos isso. E foi isso que Chávez claramente viu. Talvez ele mereça críticas, mas não nos vamos esquecer do que se tratava. Não estou dizendo para celebrá-lo; vamos criticá-lo firmemente, se for necessário, como a cada um de nós.
Diálogos Platônicos
Gosto do diálogo, mas sou um filósofo, então os meus preferidos são os platônicos. Uma pessoa fala o tempo todo e a outra, a cada dez minutos, diz “por Zeus!”. E assim era com Sócrates. Desculpem, sou um filósofo totalitário. Aristóteles não entendeu Platão, claro que Marx não entendeu Hegel, e assim por diante. Meu próprio mal-entendido é produtivo, desculpem, mas é assim que funciona.