Postado em 01/03/2013
Arnaldo Baptista não cruza longas distâncias entre música e outras formas de arte. Reconhecido dentro e fora do Brasil pelo trabalho nos Mutantes e em carreira solo, serve de inspiração para músicos das mais diversas vertentes, como o roqueiro Kurt Cobain (1967-1994), vocalista da banda Nirvana, e Sean Lennon, filho de John Lennon (1940-1980) – por sua vez, uma das referências musicais de Baptista.
Morando em local afastado da cidade de São Paulo, refugiou-se no campo, onde, além da música, dedica-se à pintura. Essa produção rendeu em 2012 uma exposição individual na Galeria paulistana Emma Thomas. A música também voltou à cena, com Sarau o Benedito?, série de shows realizados no Sesc, no ano passado, com passagens pelo Pompeia, Santos e Sorocaba em novembro e dezembro. No depoimento a seguir, Arnaldo Baptista conta como é viver nesse ritmo constante no qual equilibra criação musical e visual. “Não sei precisar como me descobri pintando, mas acho que foi o poder da comunicação que levou isso adiante, com o sentido de completar o lado sonoro por meio da arte gráfica”, diz. “É possível criar uma analogia com a escolha e a utilização dos instrumentos musicais, o que é muito interessante, pois tanto na música quanto nas artes plásticas eu me aventuro com coisas que são esquisitas ou pouco convencionais.” Acompanhe os principais trechos.
Pensar e produzir arte
No piano, às vezes me deixo levar pelos improvisos, e aparece um lado meu Chopin [1810-1849, compositor para piano polonês radicado na França, que atuou na era romântica]. No outro dia, aparece um lado meu Oscar Peterson [1925-2007, pianista de jazz canadense]. E, às vezes, misturo os espíritos e fica uma entidade esquisita. Mas é importante a gente sentir o espírito, mesmo que não seja real.
No meu entender, existe uma imortalidade que não tem a ver com religião ou paraíso. A pessoa se torna imortal na mente de todos que pensam como elas pensavam, como é o caso, por exemplo, de Louis Pasteur [1822-1895, químico francês considerado fundador da microbiologia], Albert Einstein [1879-1955, físico alemão, inventor da Teoria da Relatividade], quem inventou a democracia, Karl Marx [1818-1883, intelectual alemão, criou as bases da doutrina comunista]. Então elas se tornam eternas pelo modo de pensar. E isso é também importante.
Raramente, quando fazemos um show atingimos uma comunicação tão extensa que nos faz sentir como se fôssemos uma pessoa só tocando. O que é uma utopia, claro, mas há momentos em que nos podemos sentir como um só.
Já em minha expressão através da pintura e do lado gráfico, relacionando com as capas dos discos e do vinil, penso que isso também abrange o ato de comunicação. Não sei precisar como me descobri pintando, mas acho que foi o poder da comunicação que levou isso adiante, com o sentido de completar o lado sonoro por meio da arte gráfica.
Quando vou pintar um quadro, a escolha de materiais e cores envolve muita pesquisa. Por isso é possível criar uma analogia com a escolha e a utilização dos instrumentos musicais, o que é muito interessante, pois tanto na música quanto nas artes plásticas eu me aventuro com coisas que são esquisitas ou pouco convencionais, como improvisar usando materiais recicláveis ou colocando um pedaço de vassoura ou uma colher em um quadro.
No som, faço coisas parecidas, misturo diferentes sonoridades e timbres. Isso pode ser reconhecido ao imitar durante a música o som de besouro, o zumbido de uma abelha ou usar o recurso da onomatopeia e fazer um “ploc ploc”. Sempre recorro a esse tipo de instrumentação, que, talvez, esteja relacionada à arte plástica.
Rascunhos musicais e visuais
Costumo usar cadernos para rascunhar minhas ideias antes de pintar e guardo todos eles, embora não tenha pensado em publicá-los. Essa dinâmica dos cadernos de pintura diverge do que acontece na música, porque, ao compor, primeiro podemos criar a harmonia no instrumento, depois, em um dia de inspiração, escrever a letra. É um processo demorado e que não está visível para todos; as etapas acontecem de maneira particular. Só é possível visualizá-las com a música pronta, mas, na pintura, às vezes o quadro me parece a geração de uma pessoa. Antes de pintar é comum que os artistas façam um esquete. Pegam o caderno e desenham uma espécie de arremedo, uma inspiração que vem à cabeça.
Um aspecto interessante é que na música você raramente usa pedaços de letras ou melodias que não conseguiu concluir, mas na arte plástica você pode ter como base um caderno antigo com rascunhos e esboços de ideias, o que também fica bem bonito visualmente. Acaba sendo a exploração de outro material, além do que veremos na pintura.
Atinge-me totalmente a ida e vinda das ideias. Por vezes estou dirigindo um carro ou assistindo a um filme e de repente surge uma ideia, mas logo penso que ela nunca mais voltará à minha cabeça do modo original. Então tenho que sair correndo para escrever. Também consigo utilizar um gravador ou o caderninho para fazer as anotações das minhas inspirações e algumas delas eu consigo levar adiante.
Pintar com palavras
Meu pai escrevia poemas e minha mãe tocava piano, logo essas duas forças criativas, o som e a palavra, sempre me acompanharam. Em especial com a pintura; algumas palavras vêm e permanecem em minha mente, sem eu saber por qual razão elas surgiram. Daí eu entro no desenvolvimento da ideia, em função da semente que eu plantei e às vezes acontecem coisas muito boas.
Em um quadro fiz um trocadilho com a palavra barroco. Estava em Minas Gerais e lá é forte a noção de preservar a arquitetura local, o que nem sempre é respeitado, porque vemos uma fachada linda e dentro do prédio ou da casa é uma bagunça, não é conservado. Dessa relação surgiu o trocadilho para o quadro, “bar oco” com barroco. Por isso eu digo que há ideias que surgem quando não esperamos e que dão resultados muito bons.
Querido e na vanguarda
Quando concordei em participar do documentário Loki (lançado em 2008) mantinha em mente a premissa de agir naturalmente. Além de ser um registro musical, foi uma tentativa de me aproximar das pessoas. Eu compus o LP Loki (1974) e não tinha noção do quanto as pessoas iriam gostar do título. Mas eu apostei, funcionou e o documentário foi muito bem-aceito.
Às vezes penso em até que ponto meu trabalho alcança o público, mas vejo que no final das contas é na simplicidade que encontramos a plenitude das respostas.
É isso que eu acho importante, pois minha música está sendo alegre o suficiente para entusiasmar os mais jovens, que não acompanharam o começo da minha carreira. O impacto que a obra ainda causa é ao mesmo tempo interessante e difícil de prever. Nesse sentido eu me sinto profundamente ligado aos jovens, até mais do que no tempo em que eu estava nos mutantes. Estou atingindo o sanguinho novo.