Postado em 05/01/2012
A produção de curta-metragem no Brasil é vigorosa. A estimativa é que 300 filmes deste formato são realizados por ano em todo o País. Mas quem vive de curta? É verdade que inexiste um mercado para essa produção (e tantas outras quando o assunto é arte, ousadia e idealismo). O longametragem também sofre com isso, salvo os filmes amparados por um time seleto de produtores articulados com uma distribuidora que abra os caminhos das salas de cinema, tão focadas nos blockbusters... um assunto até repetitivo.
O curta segue uma via paralela. O foco dos realizadores de curta-metragem está nas dezenas de festivais brasileiros, a principal vitrine. Se passar pelo crivo dos principais festivais, é comum ter uma vida longa circulando durante um, dois anos. E depois, o que fazer com esse filme? Pelo valor cultural, pode pelo menos estar nas salas de aula ou em um catálogo na web. O acesso e a circulação estão em trânsito.
Se um filme curto cai nas graças de um júri internacional, é certo que o diretor está dando um passo largo, experimentado por poucos (infelizmente), ao pensar na ativa e distinta produção brasileira – dos diretores metropolitanos aos coletivos do interior do Brasil. Todos buscam um lugar nessa seara disputada. Alcançar uma carreira internacional é uma experiência que, no mínimo, traz reconhecimento dentro da nossa realidade audiovisual. Faz o diretor pensar grande: o próximo filme quem sabe será um longa.
Mas muitos curtas ficam fora de festivais, e isso pode ser às vezes incompreensível. Vamos crer que apenas os ótimos e muito bons têm uma circulação diferenciada. E os filmes medianos? O rumo é outro. As mostras em cineclubes e pontos de cultura e a exibição em canais de compartilhamento potencializam esses filmes, que encontram um público. Com o advento da banda larga temos um crescimento de canais na web exibindo e fomentando o curta-metragem, formato muito adequado às novas mídias.
As emissoras de televisão sempre foram questionadas sobre o espaço para a produção independente. O panorama atual se mostra otimista, e cada vez mais as tevês se abrem para o curta-metragem. Temos programas que repercutem esse formato no SescTV, TV Brasil, Canal Brasil, TV Cultura. Algumas emissoras regionais, como Rede Minas e TVE/RS, também têm espaço para o curta-metragem. Realmente, os filmes curtos realizados com dinheiro público deveriam ter como contrapartida a exibição em emissoras educativas.
Sem compromissos comerciais, o curta é um filme cultural, depende da criatividade e da liberdade do realizador e sua equipe. A maioria é fruto de prêmios, editais, apoios culturais através de leis de incentivo. Há ainda os curtas de conclusão de cursos, crias das dezenas de faculdades de cinema no Brasil.
As produções contemporâneas são marcadas pela diversidade, com uma gama de temáticas que valorizam as buscas internas, as artes, a memória, as relações sociais, o universo urbano. Os roteiros, as linhas narrativas e a estética são os pontos de experimentação que fazem os diretores testar a criação sem restrições.
O cinema nasceu curto, lá em 1895, com os irmãos Lumière. No Brasil, os primeiros foram rodados a partir de 1897 por imigrantes europeus. Nos anos 1920, as histórias longas conquistaram espaço e o cinema ganhou uma importância significativa como entretenimento e arte. A partir daí o curta passou a ser o que é até hoje, um laboratório para as narrativas breves. Nem por isso sua história é abreviada. A cada década, um movimento, uma mudança, novos festivais.
Com a Lei do Curta (nº 6.281/1975), que obrigava a exibição de um curta-metragem nacional antes de um longa estrangeiro, o público brasileiro pôde enxergarse na tela. Com a crise econômica e a dormência da produção de longas nos anos que antecederam o fim da Embrafilme (1990), surgiram novos cineastas em todo o País entusiasmados com o curta-metragem, a conhecida ‘geração do curta’. Mas a Lei do Curta ficou parada no tempo, apesar da militância das entidades de classe que amparam o audiovisual. Em 2006, a Ancine (Agência Nacional de Cinema) foi convocada a regularizar a Lei novamente, e repassou a missão para a Secretaria do Audiovisual. Se a Lei do Curta voltasse, já seria uma ação importante para a distribuição.
O curta-metragem é uma janela para experimentar, um exercício, um aprendizado. O desafio é sintetizar e encontrar um percurso, seja na tela do festival ou da praça, na tevê ou na web. Os filmes de todas as durações são feitos com um objetivo: exibir! Apesar dos percalços, quem persiste numa trajetória de curtas é porque tem um incontrolável amor a essa arte. Alguém já falou, e replico: “Só se faz curta com o coração”.
Kátia Klock é jornalista, documentarista, diretora do CurtaDoc, programa exibido no SescTV e também um canal na web (www.curtadoc.tv)
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