Postado em 04/08/2011
MARCELO FRÓES
A relação da televisão com a música popular é maior do que se possa imaginar, desde sua chegada. No Brasil, ainda que a televisão tenha começado no início dos anos 50, seus efeitos sobre a difusão das canções só foram ocorrer a partir do final da década. A “era do rádio”, que fizera os grandes clássicos com artistas contratados das grandes emissoras nos anos 30 e 40, ainda se estendeu por todos os anos 50. Bolero, samba-canção e até bossa nova continuaram conquistando seu espaço através das ondas do rádio, mas o rock’n’roll encontrou na TV brasileira um forte aliado para divulgação de novos artistas e seu repertório, mesmo que fortemente baseado em versões de sucessos norte-americanos. Enquanto os artistas da era do rádio eram mais vistos no cinema, em participações especiais que hoje podem ser comparadas aos videoclipes, os artistas do público jovem foram logo contratados para apresentar programas de televisão. Carlos Imperial, Celly Campello, Sérgio Murilo e muitos outros animavam a garotada em programas de auditório nas emissoras de São Paulo e Rio, lançando canções que o rádio não perdia a chance de também tocar.
O ano de 1965 foi muito marcante nesta relação entre a TV e a música popular. Primeiramente, a estreia do programa Jovem Guarda – apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa na TV Record de São Paulo, e que era retransmitido para todo o País através de videotapes enviados via aérea para as principais capitais. Não havia retransmissão via satélite, as pessoas do resto do País viam sempre alguns dias depois. O programa Jovem Guarda ensejou a produção de uma série de outros programas de TV com artistas da música jovem em emissoras concorrentes da Record – como Excelsior e Bandeirantes, principalmente. Ronnie Von, Os Incríveis, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani etc, todos estes e muitos outros foram apresentadores de programas musicais e compõem o que a história acabou sintetizando como o “movimento” da Jovem Guarda. Ainda que artistas como Cauby Peixoto, Celly Campello e João Gilberto tenham sido verdadeiros popstars nos anos 50, cada um à sua maneira e para seu público, foi com a penetração dos programas de televisão com artistas da música jovem que o brasileiro experimentou pela primeira vez o fenômeno comercial dos grandes ídolos. Discos começaram a vender como nunca, provocando uma verdadeira revolução na indústria fonográfica, e os artistas começaram a enriquecer com discos, shows e publicidade. Assim como nos anos 40 e 50 os grandes artistas eram contratados exclusivos das rádios, nos anos 60 eles tornaram-se exclusivos das emissoras de TV.
Ao mesmo tempo, um outro fenômeno musical aconteceu graças à TV: a chamada “era dos festivais”. Quando Elis Regina ganhou o I Festival de Música na TV Excelsior e explodiu para a fama, tornando-se também apresentadora de seu próprio programa musical (O Fino da Bossa, com Jair Rodrigues), os festivais realizados pelas emissoras de TV também se tornaram um grande filão para a indústria musical. A TV Globo criou o Festival Internacional da Canção em 1966 e a TV Record produzia o Festival da Música Popular Brasileira. Filha da música de protesto, inspirada na ditadura militar pós 31 de março de 1964, a chamada MPB ali nasceu e deve igualmente muito à televisão. Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Os Mutantes, Nara Leão e muitos outros devem aquele pontapé inicial em seu sucesso aos festivais musicais promovidos pelas emissoras na segunda metade dos anos 60. O AI-5 até atrapalhou um pouco, a partir do final de 1968, e os grandes festivais não passaram do início dos anos 1970, mas outros programas musicais cuidaram de divulgar a música através da televisão.
Os anos 1970 levaram muita música País adentro, e agora em cores. Enquanto programas como Fantástico e Globo de Ouro ditavam e confirmavam moda na tela da TV Globo, as trilhas sonoras das telenovelas começaram a ter vital importância no sucesso. Tocando diariamente nas casas de todos os espectadores, e a bordo de álbuns milionários com aquele universo de temas, as canções que chegavam à trilha de uma telenovela estavam destinadas ao sucesso – e seus compositores e intérpretes, à glória e à fortuna.
Os festivais até tiveram um novo fôlego no início dos anos 1980, após a Abertura, mas foi com a era dos videoclipes que a música teve grande espaço nas programações das emissoras, ao lado das trilhas de telenovelas. O auge aconteceu no início dos anos 1990, quando a MTV se instalou no Brasil, e um ano após, com a inauguração da Globosat. Ambas chegavam às casas através de UHF e satélite, enquanto as grandes cidades do país passavam pelo cabeamento que há 15 anos fez o Brasil entrar na era da TV a cabo. Os canais a cabo multiplicaram-se e, com isso, segmentou-se definitivamente a música – o que, num país com dimensões continentais como o Brasil, é bastante saudável. A diversidade musical encontrou berço esplêndido no vasto universo das emissoras a cabo, garantindo espaço para todos.
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Marcelo Fróes é produtor cultural e pesquisador musical, CEO da gravadora Discobertas e autor do livro Jovem Guarda em Ritmo de Aventura.
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