Postado em 04/06/2011
A história da música popular brasileira na televisão passa por ZUZA HOMEM DE MELLO. Musicólogo, jornalista, radialista e produtor musical, ele teve participação ativa na realização de programas musicais na TV da década de 1960. Contratado pela Record em 1959, Zuza ajudou a construir os Festivais de Música Popular Brasileira, que revelaram talentos como Chico Buarque e Nara Leão, entre tantos outros. Formado em Musicologia pela Juilliard School of Music de Nova York, Zuza já trabalhou como assessor da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo; atualmente assina uma coluna no jornal Valor Econômico e ministra aulas em cursos pelo País.
Sua trajetória profissional está ligada a importantes projetos de música na televisão. Quando e em que contexto essa relação começa?
Começa em 1959, quando entrei na Record como ajudante de caboman. Em pouco tempo, eu me tornei chefe de som do teatro daquela emissora. Rapidamente, eu fui de soldado raso a comandante. Vinha de uma trajetória nos Estados Unidos, onde estudei e me preparei para isso, e lá na Record perceberam que eu tinha condição de assumir responsabilidades maiores. Essa função no teatro me permitiu contato com artistas nacionais e internacionais. Alguns programas de rádio e da TV, com plateia, eram transmitidos desse teatro. Conheci os mais importantes artistas da época, orquestras e cantores. Foi assim que começou.
A música esteve presente na TV desde as primeiras experiências. Na sua opinião, seria uma herança da rádio?
Os primeiros programas ligados à música popular na TV eram atrações esporádicas e especiais, com uma hora de duração, dedicados a um artista específico. Alguns desses programas usavam o mesmo formato e as mesmas características dos musicais da rádio. Eram amostras das músicas mais executadas na rádio. A Record tinha uma atração chamada Astros do Disco, da TV Record, que era um hit parade da semana, em que os próprios artistas cantavam seus sucessos. Então, é evidente que esses artistas migravam da rádio, porque ainda não havia uma consolidação da TV. Eram programas de rádio televisionados. Mas nem tudo o que existia na rádio funcionava na TV. Era apenas o começo do processo de se encontrar um formato típico e próprio para televisão.
Ao longo dos 60 anos da história da TV no Brasil, a música brasileira viveu um marco, com os Festivais da Record, até hoje uma referência. Quais as conjunturas daquele momento que proporcionaram tamanha projeção desse evento?
É bom lembrar que, antes dos festivais, havia os musicais na TV. A TV Tupi já tinha feito algumas experiências nesse sentido. O marco significativo em termos de conteúdo televisivo é a Elis Regina. Quando ela cantava Arrastão na TV Excelsior, dava uma interpretação visual que artistas de rádio não tinham. Era só ela no palco, sem bailarinas nem adereços. A Elis na televisão foi um acontecimento. Logo depois, ela foi contratada pela TV Record para fazer O Fino da Bossa. O diferencial estava na participação do público, que pagava ingresso para assistir ao programa, algo inimaginável nos dias atuais. Esse público era focalizado pelas câmeras reagindo às músicas. Isso foi completamente inovador. Além disso, os programas traziam cantores convidados para interpretarem outras músicas. Não era para repetir o que já estava no disco, eram novas interpretações das canções. Isso trazia dinâmica aos programas. No teatro da Record, o som era real, autêntico e emocionante, porque era produzido ao vivo. Esses aspectos mudam completamente os padrões e a Record passa a dominar o cenário musical com outras atrações, preenchendo sete dias por semana de programação com música popular brasileira. Depois disso é que entram os Festivais. O primeiro Festival na televisão, por sinal, foi realizado pela TV Excelsior e deu indicações à Record de que havia um público de TV interessado em assistir e em vibrar com seus cantores.
Em que sentido os Festivais da Record e outros programas musicais, como O Fino da Bossa e Jovem Guarda, contribuíram para popularizar a música brasileira?
Um dos aspectos mais importantes é que muitas dessas músicas apresentadas na TV eram inéditas. Como os telespectadores as estavam ouvindo pela primeira vez, eles tinham despertada a sensação de fazer parte da construção daquele momento. É histórico. Não eram hits já consagrados. Com emoção, a participação é muito maior. São pessoas trocando ideias sobre algo até então inédito. E há também outro elemento, a competitividade das canções, que dava ao público a chance de torcer por sua música preferida.
Até os anos de 1980, os programas musicais ainda eram comuns nas grades de programação. Nas duas últimas décadas, no entanto, essa fórmula parece ter perdido fôlego. Houve uma crise de formato?
Sim, é exatamente isso: uma crise de formato. A TV aberta está à procura de outra fórmula que talvez nem encontre. A grade de programação da TV por assinatura até contempla a música, com reportagens, entrevistas e elementos complementares, como informações e análises. Quando um programa fala da formação de um arranjo, a história daquela composição, isso acrescenta ao programa. A TV aberta abre espaço para a música também em quadros dos programas de auditório. Sim, mas com uma preocupação totalmente comercial. Basta dizer que o mercado fonográfico paga para os artistas se apresentarem na TV. Fica uma coisa de cima para baixo. Só se pensa no público em termos de audiência, mas não é indagada a qualificação dessa audiência. Mesmo que o público não esteja gostando daquele programa. Esse é um viés que desqualifica a música, ou seja, mudam-se as regras do jogo. A música, hoje, não vale pelo que é, se é boa ou ruim. Para citar um exemplo: pergunte ao leitor desta revista quando ouviu pela última vez uma música do Chico Buarque ou do Tom Jobim num programa da TV. Muito raro! E, no entanto, eles são duas das mais ilustres figuras da música brasileira.
Outro formato explorado pelos canais é o dos reality shows musicais. Na sua opinião, esse tipo de programa abre espaço para novos talentos?
Não sei até que ponto esses novos artistas têm liberdade de escolher e interpretar o que querem. Lembro-me daquela cantora britânica, Susan Boyle, que se tornou atração mundial por ter cantado algo que era autenticamente dela, sem seguir orientações de um diretor que aplaina a naturalidade do artista. Isso é muito mais interessante. Quando se dirige, até se produz algo mais acessível, mas no fundo é como se fosse algo industrializado, como uma linha de montagem. E, na arte, linha de montagem é algo que não funciona.
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