Postado em 04/04/2011
SANDRO TONSO
As atuais questões ambientais seriam mais bem descritas se as denominássemos socioambientais, dados o estreito vínculo entre suas dimensões sociais e ecológicas e a impossibilidade de separá-las. Estas questões tão cotidianas – enchentes, desmoronamentos, desmatamento, poluição, excesso e destino inadequado de resíduos – nos fazem refletir sobre nossas formas “modernas” de ser, tanto individual quanto coletivamente.
Uma importante reflexão nos leva a perceber que nossas responsabilidades sobre estas questões são absolutamente desiguais, tão desiguais quanto somos desiguais social e economicamente falando. Isto é, percebemos que os processos de desigualdade e exclusão sociais acabam se refletindo, em sua maior parte, nos processos de degradação ambiental que, por sua vez, afetam as pessoas de modo também desigual. Por mais que se diga que as questões socioambientais atingirão a todas as pessoas não importando sua condição socioeconômica, uma breve observação da situação atual mostra que a maior parte destes problemas (falta de água, disposição inadequada de resíduos, falta de áreas verdes, doenças de veiculação hídrica, entre outros) afetam as populações mais empobrecidas, tornando-se mais uma causa de desigualdade social. Estas responsabilidades desiguais sobre as causas destes problemas nos fazem perceber que uma sociedade baseada no consumo ilimitado, na ideia de Ter = Ser e no materialismo/individualismo como características positivas, são as causadoras tanto dos problemas socioeconômicos, quanto dos problemas ecológicos mais presentes na atualidade.
Por outro lado, nunca se falou e se agiu tanto sobre estas questões socioambientais e, no entanto, nunca estivemos numa situação tão grave, com tantos processos de exclusão e tantos processos de poluição e degradação do ambiente social e natural. Se o mundo tem feito tanto e se preocupado tanto sem grandes efeitos positivos, é natural pensarmos que estamos no caminho errado. Se o que temos feito não tem gerado os efeitos desejados, algo precisa ser feito e este “algo” deve ser claramente, DIFERENTE de tudo o que temos tentado até agora. Nos perguntamos: será que o que falta às pessoas são mais e mais informações sobre as questões ambientais? A exclusão de grandes parcelas da população mundial dos processos de decisão nos priva de suas opiniões, de seus diferentes pontos de vista, de suas sabedorias acumuladas e, principalmente, de valores humanos ainda presentes em boa parte da humanidade, mas invisibilizados pela grande mídia: economia solidária, processos coletivos não prioritariamente econômicos, valorização de culturas ditas “alternativas”, são alguns destes saberes que são fundamentais para o enfrentamento coletivo das questões socioambientais. Assim sendo, a questão socioambiental não se configuraria num problema simplesmente técnico, mas, e principalmente, num problema político e cultural baseado numa visão crítica dos nossos modos de vida e nossos conceitos de desenvolvimento e progresso e, principalmente, na participação ativa da população nas mais diferentes dimensões da vida. O papel que pode ser desempenhado pela educação e comunicação neste processo é fundamental! Porém, não se trata da comunicação reduzida simplesmente à transmissão de informações. As informações, escritas, visuais, sonoras, entre tantos estímulos que recebemos diariamente, nos chegam num volume e velocidade crescente e nos deveriam levar a refletir se temos mesmo capacidade de receber, compreender e utilizar este volume de informações para formarmos as opiniões necessárias aos processos de participação. A comunicação que educa, produzindo sentimentos de pertencimento, de respeito à alteridade e de aumento de nossa potência de ação, não se limita à informação e, aliás, pode até dispensar sua priorização frente a outras dimensões fundamentais. A comunicação que educa prioriza a troca de saberes e construção coletiva das informações, o respeito às diferenças como dimensão ética, a produção de autonomia como objetivo comunicativo. Muitos destes processos se intitulam: Educomunicação.
Um passo importante no processo educomunicativo é perceber que sabemos algo, independente e antes de alguém nos ensinar algo. Saber que sabemos algo é fundamental! Neste sentido a comunicação deveria ser muito mais interativa permitindo a troca de informações entre diferentes pontos de vista. Como nos mostrou Paulo Freire, sabendo que sabemos algo, podemos saber mais sem ter a sensação de dependência externa para o conhecimento. Mas só saber algo nos transforma? Nos mobiliza para uma ação de participação? É, também, preciso descobrir o que sentimos sobre o que sabemos! Quais nossos sentimentos sobre uma informação? Ela nos entristece ou alegra? Ela nos abate ou anima? Infelizmente, as emoções que aparecem nos meios de comunicação são “prontas”, pouco profundas e de senso comum, pouco restando de espaço para as nossas próprias emoções. Quando, finalmente, podemos sentir, nos deixamos afetar pelo que sabemos; neste momento há a transformação! Mas só isto, ainda não basta. Por fim, é fundamental que consigamos refletir eticamente construindo uma opinião própria sobre o que sabemos e o que sentimos, a partir do reconhecimento da complexidade das questões socioambientais e da necessidade de que esta opinião deva ser construída individual e coletivamente ao mesmo tempo. Só aí estaremos prontos para enfrentar as questões socioambientais que nos exigem uma postura, uma tomada de posição e uma ação coerente com o que sabemos, sentimos e pensamos. Neste sentido, campanhas, programas, filmes “educativos” na mídia devem permitir que seu público estabeleça uma relação com o material, reconhecendo-se nele, construindo - a partir dele - uma relação de pertencimento com o meio social e territorial, de fortalecimento de uma identidade cultural, integrando as dimensões informativas, afetivas e políticas à dimensão cultural da questão socioambiental.
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Sandro Tonso é professor da Faculdade de Tecnologia FT (antigo CESET) UNICAMP, do COEDUCA - Coletivo Educador Ambiental de Campinas. Integra o Centro de Saberes e Cuidados Socioambientais da Bacia do Prata e a RUPEA - Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis
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