Postado em 04/04/2011
LISANDRO NOGUEIRA é professor da Universidade Federal de Goiânia e consultor do FICA, Festival Internacional de Cinema e Vídeos Ambientais, realizado anualmente na capital goiana. Graduado em História e Jornalismo, ele se interessou pela pesquisa de imagens na década de 1980, período em que acompanhou o cineclubismo. Nogueira trabalha com formação de público, para ampliar o repertório crítico tendo o cinema como ferramenta de trabalho. Para ele, as imagens só geram mudanças de atitudes se vêm acompanhadas de uma reflexão.
Qual sua formação e sua trajetória profissional?
Sou graduado em História e em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiânia. Fiz mestrado na USP e doutorado na PUC de São Paulo com estudos sobre a imagem. Publiquei, pela Edusp, O autor na televisão, sobre autores de telenovelas. Estou completando 30 anos como professor, já lecionei para o ensino fundamental, médio e há 25 anos dou aulas na universidade, sobre História, Teoria e Crítica do Cinema. O estudo sobre a imagem é muito recente no Brasil. Eu me interessei pelo tema nos anos de 1980. O professor da USP Ismail Xavier veio a Goiânia para o lançamento de seu livro e falou sobre o cineclubismo. Eu passei a me interessar pelo cinema brasileiro. A formação de cineclubismo me trouxe questionamentos sobre o uso da imagem e do cinema como suporte de linguagem. Temos uma TV muito forte no País e, de certa forma, ela vem substituir o processo educacional, o que é ruim. Na América Latina, saímos da educação oral para o uso da imagem de forma muito rápida, sem critérios. Portanto, atuo na formação de público, de alunos a professores, para ampliar esse senso crítico. Participo da realização de mostras, seminários, cursos, sempre com o enfoque do uso da imagem.
Em que contexto se tornou consultor do Festival Internacional de Cinema e Vídeos Ambientais – FICA?
O FICA foi criado em 1999. É uma realização do governo do Estado de Goiás, criado para fomentar o turismo e valorizar a imagem de Goiânia. Eu sempre acompanhei o festival como comentarista para a afiliada da TV Globo daqui. Em 2003, fui convidado para ser consultor do projeto, no que diz respeito ao cinema. Participo da escolha do júri de seleção e do júri do festival; da realização de cursos, seminários, de mesas de debates que acontecem durante os quatro dias do FICA.
Como o festival é organizado? Tem caráter competitivo?
O festival, que consiste na exibição de filmes que abordam o tema ambiental, tem caráter competitivo, com a escolha do melhor curta, média e longa-metragem, feita por um júri selecionado, formado por sete profissionais. Também são realizadas uma escolha do público e uma escolha da imprensa. Os filmes são exibidos durante quatro dias, totalizando 18 horas de produções feitas no Brasil e em diversos outros países. É um festival respeitado no exterior, recebendo uma média de 500 inscrições, um número bem relevante. Além da exibição, também são realizados workshops, debates e seminários para discutir questões do socioambientalismo. Dessa forma, o festival consegue reunir tanto um público habituado com o cinema quanto ambientalistas, militantes e outros profissionais interessados nesta temática. O encerramento do festival conta com apresentações musicais, tornando-se também um evento multicultural.
A partir de sua experiência no contato com as produções exibidas no FICA, de que forma o audiovisual aborda o tema do meio ambiente?
Afirmo que se não fosse o cinema e a TV, esse tema não teria a repercussão que vemos atualmente. Procuramos selecionar filmes que tragam uma reflexão e que fujam da simples espetacularização das imagens. Sabemos do impacto que uma imagem provoca. Temos o exemplo do que ocorreu no Japão agora. Sem uma apreciação crítica, essas imagens geram impacto, num primeiro momento. Em seguida, provocam até certa compaixão. Mas, num terceiro momento, as pessoas sentem alívio, porque não é com elas. Ou seja, na prática, as imagens não geram mudanças de atitudes se não vêm acompanhadas de uma reflexão. Dessa forma, o FICA é diferenciado dos outros festivais, porque não tem o foco no glamour ou na presença de atores famosos. São produções com linguagens diversificadas: documentários, animações, séries de TV, até produções com humor, que trazem diferentes abordagens do meio ambiente.
Por que o cinema deve comprometer-se com o socioambientalismo?
O cinema contribui para essa reflexão sobre as imagens, age como um processo educacional. É um suporte fundamental, um instrumento eficaz para discutir, pensar. Os filmes ajudam a buscar soluções para o problema do desequilíbrio ambiental, que é muito mais grave do que a gente imagina. Aqui em Goiás, por exemplo, resta pouca coisa do cerrado. Tudo vira plantação de soja. Com o cinema, apresentamos informações que fazem refletir, mas que também sensibilizam, porque os filmes mexem com as emoções.
Como o senhor avalia a abordagem que os meios de comunicação fazem sobre sustentabilidade?
Vejo essa abordagem sob dois aspectos: primeiro, o tema tem crescido na mídia, o que é sempre bem-vindo. Na década de 1980, por exemplo, essas discussões ficavam restritas a grupos ambientalistas e a questão sequer passava pela pauta da imprensa. Na década seguinte, quando foi realizada a Eco-92, no Rio de Janeiro, o assunto começou a ser abordado, mas ainda muito timidamente. Hoje, posso dizer que a questão ambiental se tornou um dos três principais temas mundiais. Não há mais como fugir a essa discussão, porque a situação é muito grave mesmo. No entanto, ainda vejo com ressalvas o tipo de abordagem feita pelos meios de comunicação. Como eu disse, as imagens são espetacularizadas e sem contextualização. Fica aquela sensação de apocalipse, que é extremamente desmobilizadora, na minha opinião, porque assusta todo mundo, mas não gera mudança de comportamento. Porque as pessoas, no fundo, não querem abrir mão de seu comodismo. Avalio que a mídia já promove um debate, mas caminha para um amadurecimento.
Na sua opinião, por que o assunto da sustentabilidade se tornou tão urgente na pauta da mídia?
Porque a situação chegou a um ponto que não dá mais para fugir deste debate. E reconheço também o papel do Ministério Público, que tem sido um importante agente social, denunciando empresas poluidoras e vigiando a atuação do poder público. A Internet e as Redes Sociais também têm uma atuação fundamental, pois democratizam o acesso à informação e mobilizam com muita agilidade. Hoje existe uma vigilância, e a conscientização melhorou muito. Os meios de comunicação pressionam o governo em busca de soluções. Acho que chegamos àquele nível de tamanha gravidade em que é preciso agir para resolver o problema ou, minimamente, para amenizá-lo.
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