Postado em 03/02/2012
Marco Altberg é cineasta e produtor de projetos para cinema e televisão, como a série Revista do Cinema Brasileiro, exibida semanalmente pela TV Brasil. Em 1999, foi um dos responsáveis pela criação da ABPITV, a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão, da qual é o atual presidente. A entidade atua na organização e representação das produtoras independentes do País, setor que ganhou destaque no debate nacional, nos últimos meses, com a sanção da lei 12.485/11, que atualiza a legislação da TV por assinatura no Brasil.
O senhor iniciou sua carreira no cinema como assistente de diretores do Cinema Novo. Que diferenças percebe nesse mercado nas últimas décadas?
Essa pergunta, na verdade, renderia uma tese de muitas páginas... Mas para resumir, poderia falar que vivíamos então numa época de certa inocência, poucos atores de mercado, equipes pequenas, muito heroísmo, pioneirismo, abertura de caminhos, aprendizado. Hoje é mais complexo, há mais informações acumuladas e outras novas chegando a cada instante. Mais gente, mais janelas, sem necessariamente representar mais resultados. Antes era apenas o cinema, hoje o audiovisual, que envolve TV e Novas Mídias – internet, celular, games, aplicativos etc.
Como o senhor avalia a atual produção audiovisual brasileira?
Lembro que nos anos 1970, alguém disse que era necessário quantidade para se ter qualidade, no caso referindo-se ao cinema. Isso em parte é verdade: há mais chance de se obterem melhores produtos audiovisuais se houver uma indústria. No Brasil, a atividade cinematográfica sempre deparou com essa questão. O braço mais industrial do audiovisual é a TV. No cinema, enquanto persistir a política de filme a filme (ou seja, o eterno recomeço), não haverá uma indústria com fluxo contínuo. Temos quantidade, sim, porém com muito esforço desperdiçado pelo fato de não existir uma política industrial para o setor. Isso é o que estamos tentando há mais de dez anos, desde que criamos a ABPITV – Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV. Entendo que o fortalecimento das empresas com seus programas de projetos no longo prazo é o que possibilitará a criação dessa indústria.
De que forma as novas plataformas e os avanços tecnológicos interferem na produção audiovisual brasileira?
Não seria concebível hoje um projeto audiovisual, de cinema ou de TV, sem incluir versões transmídia. O cinema é uma primeira janela, a TV em suas versões (paga e aberta) também. Há conteúdo para internet, celular e, quando for o caso, jogos eletrônicos. As novas mídias são parte integrante de qualquer produto audiovisual. Abrir mão disso é jogar o produto no lixo.
O senhor preside a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão. Quais são as principais atividades e objetivos da entidade?
A ABPITV foi criada em 1999 para organizar, representar e defender as produtoras independentes que de alguma forma atuavam na TV. No início eram poucas, mas hoje as produtoras associadas somam 175 em todo o País – fora as que não são associadas e trabalham no mercado de TV. De lá pra cá, muita coisa mudou. Conseguimos colocar no mapa e no calendário da TV, no Brasil e internacionalmente, as produtoras de TV. Havia uma política no audiovisual muito setorizada no cinema, e do outro lado os canais de TV. Precisávamos construir um espaço de atuação para a produção de conteúdos de TV. E assim foi feito, junto aos governos (federal, estaduais e municipais), às instituições públicas, ao Legislativo, aos canais de TV (abertos, fechados, públicos e privados) e aos produtores associados. Foi um caminho construído com muita parceria com o mercado, com os canais nacionais e internacionais e com as instâncias governamentais e legislativas competentes. Foi necessário, em certo momento, buscar alternativas no mercado internacional. A ABPITV é responsável pelo BTVP (Brazilian TV Producers) projeto de exportação apoiado pela APEX-Brasil, Secretaria do Audiovisual do MinC e EBC/TV Brasil, responsável pela internacionalização dos nossos produtos. A partir desse projeto pudemos desenvolver com sucesso o segmento de animação, com diversos casos bem sucedidos de séries infantis brasileiras no mercado interno e externo.
Qual sua expectativa para o mercado de produção independente após a sanção da lei 12.485/11, que atualiza a legislação da TV por assinatura no Brasil?
Existe muita expectativa acerca da regulamentação da Lei 12.485, que deve sair em breve, após consulta pública pela Ancine. Essa Lei deveria ser objeto de um estudo de caso, pois foram quase cinco anos até a sua sanção pela Presidente! Foi um exemplo de negociação com idas e vindas, surpresas de última hora, estratégias de procedimentos legislativos até a sua aprovação, primeiro na Câmara e depois no Senado. De forma geral, a Lei em que todas as partes cederam para haver acordo certamente irá causar (acredito que já está causando) grande impacto no mercado. Permite a entrada das empresas de telefonia no mercado – o que vai gerar mais concorrência com barateamento do preço do serviço de assinatura ao consumidor; cria espaço para conteúdo brasileiro semanal, incluindo a produção independente; cria fonte de recursos para produção independente, através do Fundo Setorial do Audiovisual, entre outras medidas que projetam o crescimento para o setor dos atuais 12,5 milhões de assinantes para 30 milhões.
O senhor acredita que a definição de uma cota para exibição de produção independente brasileira nos canais pagos irá incrementar esse mercado?
As cotas de conteúdo brasileiro previstas na Lei (Três horas e meia), sendo a metade de produção independente, na verdade são quase simbólicas. Porém são importantes em significado para o mercado. É um reconhecimento para a produção independente. Hoje já existe a parceira entre os produtores e os canais por assinatura. São interdependentes. A cota igualmente importante prevista na Lei é a cota de canais de conteúdo qualificado, que representará a criação de novos canais e novas oportunidades de conteúdos brasileiros.
Parte dos canais, operadoras e até telespectadores manifestaram-se contrários à aprovação dessa lei. Em sua opinião, por que houve essa resistência?
Não tenho notícia de telespectadores que tenham-se manifestado contra a Lei – pelo menos
com conhecimento adequado dela – e sim talvez induzidos por uma publicidade enganosa que tentou sem sucesso colocar o assinante contra a Lei. Como disse, o processo de discussão até a aprovação da Lei teve capítulos dignos de um roteiro de suspense, com setores contrários que acabaram acomodandose a partir de acordos; e até mesmo quem era a favor passou a ser contra, e vice-versa. No final, foi a celebração do possível. Assim é na democracia.
Quais são seus próximos projetos para cinema e/ou televisão?
No cinema estou trabalhando em dois projetos: um mais adiantado, que é um longa infantil de animação (Nautilus), e o outro em fase de desenvolvimento (Minha Fama de Mau), baseado nas memórias de Erasmo Carlos. Em TV produzo uma das mais longevas séries independentes, a Revista do Cinema Brasileiro e o CurtaTV, ambos na TV Brasil. Estou finalizando um documentário sobre o etanol de cana de açúcar (Sinal Verde), entre outros projetos em curso para TV e Novas Mídias. Acalento um sonho de criar uma programação de conteúdo indígena para TV.
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