Postado em 30/06/2011
Lógica da floresta intocável cede espaço à ideia de que é possível gerar renda conservando as áreas verdes.
Os donos de 95 propriedades rurais de Extrema, cidade de 30 mil habitantes localizada no sul de Minas Gerais, a cerca de 100 quilômetros de São Paulo, têm, desde 2005, uma fonte de renda a mais: recebem anualmente da prefeitura R$ 187 por hectare de terra.
Eles estão cadastrados num projeto que o município mineiro foi o primeiro a implantar no Brasil, no âmbito de um programa que vem ganhando entusiastas entre economistas, ambientalistas, gestores públicos e ruralistas: o pagamento por prestação de serviços ambientais.
A remuneração se dá por meio do Projeto Conservador das Águas: o proprietário rural assina um termo de compromisso com o poder municipal e se compromete com a adoção de práticas de conservação do solo, com a implantação de sistema de saneamento ambiental rural e com a manutenção de APPs (Áreas de Preservação Permanente) e de reservas legais.
Pelo sistema, o dono da terra disponibiliza a área para a recomposição da Mata Atlântica, protege as nascentes e, em contrapartida, recebe dinheiro. O financiamento e a gestão das ações ficam por conta do poder público e dos vários parceiros do projeto, públicos e privados.
“Já plantamos mais de 200 mil mudas”, comemora o secretário municipal do Meio Ambiente de Extrema, Paulo Pereira. “Trabalhamos dez anos para construir esse modelo”, diz. Hoje, a área que abrange o projeto tem cerca de 3.000 hectares, que contam com mais de 100 espécies de árvores nativas.
O Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS), da Fundação João Pinheiro – que analisa sete indicadores de qualidade de vida nos 853 municípios de Minais Gerais –, classifica Extrema como a primeira do Estado no indicador “meio ambiente”.
Segundo Fernando Veiga, gerente de serviços ambientais da TNC Brasil (The Nature Conservancy, uma das mais antigas organizações ambientais do mundo, presente em mais de 35 países), o exemplo de Extrema já foi levado a Apucarana (PR) e também começou a ser aplicado por governos estaduais. O primeiro foi o do Espírito Santo, em 2007, seguido pelo de Minas Gerais e pelo de São Paulo. O Paraná lançará o seu ainda neste ano.
Projetos como esse se inserem em um contexto maior de preservação e movimentam a economia de maneira sustentável. De acordo com a TNC, o próximo passo é a discussão de uma lei no Congresso que organize e coordene o programa nos Estados, de modo a remunerar a manutenção da floresta em pé – produtora de água para a população, já que os projetos difundem o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água nas bacias hidrográficas.
“Atualmente está em discussão no Congresso a Lei Nacional de Pagamento de Serviços Ambientais”, diz Veiga. “A expectativa é boa, pois esse assunto é muito bem visto nos setores rural e ambientalista.”
Só que, na visão da TNC, conservar os 12% de remanescentes florestais existentes na Mata Atlântica não é o suficiente para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ambientais do Brasil. Diante disso, é preciso atuar em outras frentes.
Um elemento fundamental na busca pela verdadeira sustentabilidade é o do consumo responsável. Segundo a ONG internacional Global Footprint Network, que se dedica a mensurar a relação entre consumo e recursos naturais na Terra, no ritmo atual o planeta leva um ano e meio para recuperar o que é consumido pela humanidade em um ano. A ONG leva em conta tanto o consumo de madeira e alimentos como a geração de energia e de resíduos, entre outros fatores, e alerta para a crescente velocidade com que os recursos globais irão se exaurir se o ritmo de consumo não for repensado.
Se hoje já precisamos de 1,5 planeta Terra para compensar nosso ritmo de consumo, em 20 anos serão necessárias duas Terras, diz o último relatório da organização, de 2010. E, se o mundo todo tivesse o padrão de vida norte-americano, a sociedade mais consumista do planeta, hoje já demandaríamos 4,5 Terras para nos suprir de água, alimentos, madeira, energia, ar puro e outros recursos naturais. A essa preocupação soma-se outra, ligada à forte expansão dos níveis de produção industrial e de consumo na China, país que desponta como a segunda maior economia do planeta.
“O apetite humano por recursos pode ser ilimitado, mas a capacidade do planeta de sustentar essa demanda é finita. À medida que pressionamos essa relação estamos não apenas colocando nossa espécie em risco mas também sabotando nosso bem-estar e capacidade de sobrevivência”, raciocina o suíço Mathis Wackernagel, presidente da organização.
Em outras palavras, não há como pensar em sustentabilidade só sob o prisma do replantio florestal, da extração seguida pelo recuperação. Esse é o passo inicial. O ritmo de extração hoje, ditado pelo consumo crescente, já demanda mais do que um planeta para ser reposto a tempo de satisfazer os desejos materiais da humanidade.
Paralelamente ao esforço de conscientização sobre a insustentabilidade do atual paradigma de consumo, os plantios florestais têm se destacado como principal alternativa para recuperar áreas desmatadas, afirma Tasso Rezende de Azevedo, engenheiro florestal, consultor para florestas e clima e ex-diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro. Segundo ele, a utilização de madeiras plantadas, principalmente nas atividades de consumo energético e de processamento industrial, contribui de maneira decisiva para reduzir a pressão sobre a floresta nativa. “O essencial é haver mecanismos de reconhecimento da função econômica dessas áreas.”
Eduardo Schubert, diretor-executivo do Instituto Akatu, concorda. “A preservação do tipo ‘não-me-toque’ não é a resposta”, diz. “A madeira é um bem muito valioso, que pode ser obtido sem exterminar a floresta.” A saída, para ele, é o manejo sustentável. “O governo está incentivando que as áreas públicas sejam exploradas dessa maneira.” Segundo Schubert, dependendo das espécies presentes em uma região, o metro cúbico de floresta pode valer cerca de mil dólares. “A floresta ‘de pé’ vale muito mais do que a derrubada”, conclui. Em todos os aspectos.
No país, pelo menos dois programas se destacam nesse sentido. Um deles é o Café com Floresta, do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas). O outro é o Projeto Jari, considerado modelar pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). A Orsa Florestal, do Grupo Orsa, é responsável pelo trabalho, que faz o manejo de 545 mil hectares de florestasna Amazônia desde 2003.
Essa é, segundo Kátia Regina Silva, gerente de manejo sustentável da Orsa Florestal, a maior área de manejo de floresta certificada do mundo. O local, no norte do Pará, na divisa com o Amapá, tem a certificação do FSC (Forest Stweardship Council), o que garante o cumprimento de normas socioambientais internacionais.
Para cumprir essas normas são aplicadas técnicas de operação de baixo impacto para o meio ambiente, que permitem conciliar o uso da floresta com a sua preservação. Funciona da seguinte maneira: a área toda foi dividida em 30 lotes de aproximadamente 15 a 28 mil hectares. Todo ano é feito o manejo de determinada área, derrubando apenas as árvores que interessam. Quando o trabalho acaba, essa área é deixada “descansando” por 30 anos – período do ciclo de manejo.
O projeto produz madeira tropical serrada e beneficiada a partir de cerca de 20 espécies nativas comerciais. As técnicas de baixo impacto incluem extrair apenas duas ou três árvores por hectare (o equivalente a um campo de futebol), e sempre as mais antigas. “Desta maneira, simulamos o que ocorre na natureza”, explica Silva. “As árvores mais velhas têm de cair para que o sol chegue às mais novas.”
Ela conta que foram implantados no local inúmeros projetos de pesquisa de técnicas de conservação do meio ambiente, conduzidos pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e por universidades do Brasil, da Alemanha e da Holanda. A companhia faz também um trabalho social – de geração de renda e educação ambiental – com as 98 comunidades que vivem na região.
Se o imperativo ético, social e de saúde pública da conservação é incontestável, por outro lado o valor econômico que essas iniciativas geram é difícil de calcular. Mas conhecê-lo seria essencial para “internalizar”, como diz Fernando Veiga, da TNC, a lógica de que o pagamento dos serviços ambientais e o investimento em preservação fazem sentido inclusive do ponto de vista econômico.
Intrigado por essa questão, o jornalista Ricardo Arnt entrevistou 15 dos principais economistas do país para saber se eles aceitam ou refutam as teses ambientalistas e para questionar o que os especialistas consideram necessário, viável ou utópico. O resultado foi o livro “O que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade”. Segundo ele, houve um consenso em torno da percepção de que a sustentabilidade custa mais caro, mas é crucial. Mas não houve consenso sobre o custo e a remuneração da sustentabilidade, sobretudo em casos onde o impacto ambiental da produção não é contabilizado como “externalidade negativa”.
O conceito de “externalidade” é usado na economia para se referir a ações cujo impacto não é sentido diretamente em quem as realizou, mas sim em terceiros. Quando uma fábrica polui o ar, por exemplo, a poluição atinge comunidades vizinhas que não participaram da decisão de poluir. Essa externalidade é negativa. Mas ela também pode ser positiva: caso da construção de um equipamento público que beneficia a todos.
“Quando uma mineradora descarrega lixo no rio que passa em seu terreno e polui a água de fazendas ou de comunidades 50 km mais abaixo, quem vai estabelecer o custo da externalidade negativa? Essa questão suscita muita divergência”, afirma Arnt.
“Em sentido amplo, para os economistas a natureza e seus recursos são
destruídos porque, não pertencendo a ninguém, são depredados por todos. Cabe ao Estado promover a regulamentação necessária para defender os recursos naturais, porque o mercado não é capaz de se autorregular para buscar a sustentabilidade.”
Para lançar luz ao problema, um projeto da TNC em parceria com a WWF (rede independente de conservação da natureza) e com as universidades de Minnesota e Stanford (ambas nos EUA) desenvolve ferramentas para tentar fazer o cálculo financeiro da sustentabilidade. É o “Natural Capital Project” (www.naturalcapitalproject.org/home04.html).
Um exemplo: os efeitos das mudanças climáticas podem gerar custos anuais que variam de 5% a 20% do Produto Interno Bruto mundial, enquanto a sua prevenção (que inclui a preservação das florestas) custaria 1% do PIB por ano. “Nosso desafio é fazer com que a divulgação do benefício financeiro gerado pela conservação choque as pessoas”, afirma Veiga.
Repensar o modo de ver o desenvolvimento econômico é, sem dúvida, um desafio enorme para a humanidade. No Brasil, fazer isso de modo a conservar a maior floresta tropical do mundo é, para Eduardo Schubert, diretor-executivo do Instituto Akatu, um desafio gigante. “Falta regularização fundiária na Amazônia, região onde vivem cerca de 22 milhões de pessoas. Se o Brasil conseguir inibir a destruição dessa floresta, será a única nação do mundo a fazer isso.”
Atentos à crescente demanda por alimentos mais sustentáveis e saudáveis, que não degradem ecossistemas locais, cada vez mais produtores têm aderido ao sistema de agricultura orgânica. Esse setor, segundo dados do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) cresce cerca de 30% ao ano no país. Quase a totalidade – cerca de 90% – dos que adotam o método plantam no sistema de agricultura familiar, diz o órgão.
Em São Paulo, os agricultores de duas regiões já estão sendo obrigados a substituir a produção convencional pela orgânica, com a criação de parques estaduais na Serra da Cantareira e a instituição do Programa Guarapiranga Sustentável, resultado de uma parceria da Secretaria do Meio Ambiente com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Este último prevê o fortalecimento de canais especializados de comercialização e, consequentemente, a valorização dos produtos da região.
“Essa política pública estadual está colocando em evidência o verdadeiro significado do sistema produtivo orgânico, que é o conjunto de ações recuperadoras, preservadoras e mantenedoras da qualidade da vida dos ecossistemas locais”, afirma Ondalva Serrano, presidente da AAO (Associação de Agricultura Orgânica).
Segundo ela, ainda não existem dados estatísticos confiáveis sobre o setor, mas há “muitos agricultores orgânicos se organizando para obter certificação”. Estima-se, porém, que 70% da produção orgânica do Brasil seja atualmente exportada, de acordo com ela.