Postado em 30/06/2011
“Seria muito difícil conceber uma aliança por um mundo responsável, plural e solidário sem o tema florestal. A própria arquitetura da floresta inspira um trabalho em aliança. A floresta tem como uma de suas mais marcantes características a explícita e estreita relação entre todos os seus componentes. As florestas tropicais, de forma especialmente potencializada, sintetizam o que se pode chamar de harmonia da diversidade – genética, de cores, de formas, de tamanhos... Compreender – com a mente e o coração – a dinâmica que sustenta esses grandes ecossistemas é uma das chaves para a construção de propostas e ações no rumo da sustentabilidade ambiental planetária", Luis Felipe César
Quantas vezes na vida paramos para pensar que a árvore da calçada, a praça perto de casa, o parque do município onde vivemos ou mesmo a reserva que visitamos nas férias têm relação direta com o ar que respiramos ou com a conservação dos corpos d´água, para citar apenas dois exemplos essenciais à vida?
Embora a relação entre florestas e sociedades humanas seja vital, as raízes do nosso distanciamento em relação à natureza são antigas; podem ser identificadas até nas bases da política de conservação. As discussões iniciais sobre a criação dos primeiros parques, nos EUA, fortaleceram o conceito de isolamento das áreas protegidas; pensar a conservação significava manter a natureza intocada, afinal, era preciso distanciar seu elemento ameaçador – a sociedade humana – para protegê-las.
Esse pensamento influenciou a política brasileira de conservação, na medida em que restringiu a presença das pessoas nas áreas protegidas, em nome da biodiversidade e da integridade do ambiente. De certa forma, modos de vida de populações que viviam nessas áreas foram colocados em segundo plano; os conhecimentos tradicionais foram descartados em nome da preservação.
A mudança desse conceito foi influenciada pela evidência de que o modelo que excluiu as pessoas do convívio com a natureza não necessariamente promove a conservação; pelo contrário: alijar as populações tradicionais desvirtuou a compreensão de que o elemento humano é essencial para a conservação, pois sua existência é claramente vinculada aos ciclos naturais. Também no contexto urbano, onde o distanciamento em relação à natureza é ainda maior, o conflito permanece.
Essa discussão revela que nossa relação com a natureza está em constante construção, determinando modos de nos relacionarmos com ela e de definirmos a paisagem que nos cerca. Se hoje habitamos cidades adoecidas pelo excesso de construções, de poluição atmosférica e visual, e com bem menos áreas verdes do que gostaríamos, isso tem relação direta com a forma como elaboramos nossa existência. Compreender que a qualidade de vida humana está diretamente ligada a essas escolhas é o primeiro passo para estabelecermos outra relação com a natureza: a de reciprocidade. Isso vai além da definição de um território físico para a conservação, da existência de uma determinada espécie, vegetal ou animal, ameaçada de extinção; passa pela percepção de que pertencemos ao mesmo sistema.
Mas que valor atribuímos à natureza? Se hoje o discurso corrente busca o valor econômico da biodiversidade, da água, do solo, e outros recursos, quando e como fortaleceremos a noção de que a natureza tem seu próprio valor? As populações tradicionais, por exemplo, não falam em “consciência ecológica” para explicar sua relação com a natureza porque elas sempre souberam que dependem dela.
Do ponto educativo, Fritjof Capra defende que os ecossistemas naturais têm muito a nos ensinar em relação à aplicação do conceito de sustentabilidade. Compreender os princípios de organização dos sistemas vivos e suas relações de interdependência está na base do que chama de alfabetização ecológica, uma pedagogia voltada ao conhecimento da complexa teia da vida. A partir de uma visão ecológica profunda, que evidencia que o ser humano é parte indissociável de um sistema, esse autor acredita que o processo educativo capaz de gerar engajamento social e político em prol da vida é aquele que se inspira e reconhece o conhecimento produzido pela própria natureza. Poeticamente, Paulinho da Viola fez sua versão em música, quando compôs Coisas do mundo minha nega: “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”.
Com esse olhar atento para o que nos cerca e toda a beleza que envolve as relações que sustentam a teia da vida, a proposta da educação para a sustentabilidade busca construir entendimentos sobre como o mundo se organiza e como as escolhas humanas afetam a dinâmica do planeta.
Hoje, com a maioria da população mundial vivendo em cidades, são necessários esforços enormes, de todos, para gerar conhecimento e criar situações que busquem restaurar a aliança entre os seres humanos e a natureza.
Lazer e educação em áreas naturais
Buscar conhecimento e envolvimento a partir do contato direto com as áreas naturais sempre foi objeto de trabalho do SESC, seja nas ações de formação, seja nas vivências que revelam aspectos muitas vezes despercebidos no dia a dia: observar aves, conhecer a simples e sofisticada decomposição de matéria orgânica nas composteiras, ilustrar os frutos e folhas da mata em oficinas de artes, ouvir canções e poesias que se inspiram na natureza ou simplesmente estar sob uma árvore.
Aliar lazer e conservação ambiental é marcante no SESC Interlagos, inaugurado em 1975. Ocupando o que antes era uma área rural, chamada Sítio da Figueira, o projeto manteve uma das poucas áreas remanescentes de Mata Atlântica na cidade de São Paulo, hoje de grande significado na região sul. A partir do estudo realizado em parceria com o Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro, em 1999, foi identificada uma diversidade de espécies bastante considerável, estimulando um trabalho de recomposição da mata. Com propósito de difundir a valorização dessa área e desenvolver a temática socioambiental, foram gerados vários projetos educativos destinados aos educadores da região e à imensa população visitante dessa unidade.
Em 1992, com a criação do SESC Itaquera, localizado numa área de preservação ambiental essencial para a zona leste do município de São Paulo, vários programas educativos voltados à questão ambiental foram desenvolvidos. Durante estes anos, o Programa Pólos Integrados de Educação Ambiental criou significativo espaço de discussão no campo da educação socioambiental na região, propiciando a elaboração de projetos que articulavam conteúdos da interpretação ambiental às mais diversas linguagens artísticas, voltados a educadores, lideranças comunitárias, organizações sociais e alunos das redes pública e particular de ensino.
Com o mesmo propósito, o Centro de Férias SESC Bertioga tem intensificado ações que valorizam o contato direto com a natureza. O projeto Avifauna é um exemplo. Criado em 1992 com o objetivo de potencializar o envolvimento dos hóspedes com a riqueza da fauna local, consistiu num amplo diagnóstico de ocorrência das aves na região, na implantação de dispositivos de alimentação e construção de ninhos, que permitiram que aves se aproximassem de locais ao alcance da observação. Além disso, foi incrementado o plantio de árvores nativas com maior potencial de atração de aves.
Com a abertura do Centro de Educação Ambiental, em 2008, o conceito do projeto educativo pautou-se no tema “Entre a serra e o mar”, potencializando ainda mais a percepção sobre a importância da Mata Atlântica. Entendidas, então, como espaços educadores, as áreas naturais possibilitam uma série de abordagens socioeducativas, pois evidenciam a complexidade das interrelações entre natureza e cultura.
Com uma programação voltada ao tema Florestas para o Povo, idealizada pela Organização das Nações Unidas dentro do Ano Internacional das Florestas, em 2011, o SESC inclui a discussão global a cerca da importância estratégica da conservação ambiental na sua agenda, inserindo-a no contexto de atuação de suas unidades, a partir dos conhecimentos e das percepções locais.
Por que é importante entender e destacar esse tema? O alerta em relação à conservação de áreas verdes e à gestão sustentável das florestas está amparado na constatação de que a sua exploração sem manejo adequado gera uma série de danos à vida humana e ao equilíbrio do planeta: a perda da biodiversidade; o comprometimento dos mananciais; o agravamento das mudanças climáticas; a exploração indiscriminada da fauna; o empobrecimento da paisagem, entre outros.
Acreditando que pela ação sociocultural podemos transformar nosso olhar e nosso agir, a programação comemorativa do Dia Mundial do Meio Ambiente no SESC apresenta diversos temas e abordagens que buscam provocar, construir e comunicar conteúdos sobre o modo como podemos fortalecer nossa aliança com a natureza.
→ Florestas do mundo: propostas para a sustentabilidade. São Paulo; Instituto Pólis; 2003. p.13 (Cadernos de proposições para o século XXI, 6)
→ Físico, fundador do Centro para Alfabetização Ecológica em Berkeley, Califórnia. Autor de vários livros, entre eles O tao da física, O Ponto de mutação e Alfabetização Ecológica.
→ As aves do Sesc Bertioga. São Paulo: SESC, 2004.