Postado em 30/10/2010
Heródoto Barbeiro*
A cidade é um fluxo, um movimento. Isto quer dizer que ela está sempre mudando e se renovando. Por isso, mais importante do que ficar vivendo no passado, repassando as boas lembranças e remoendo as más, é viver o presente, vivenciar o que São Paulo oferece a todos os seus habitantes, não importa a idade, sexo, origem étnica, cultural ou outra qualquer. A riqueza desta cidade é a sua diversidade, um grande caldeirão que contém as mais diversas surpresas, que se expressam em muitas línguas e movimentos. A cidade é e vai ser aquilo que seus habitantes quiserem, e, se estes forem mais velhos, ela vai se adaptar para proporcionar ainda mais acolhimento. Tudo depende de entender a maturidade humana como uma fase da cidadania, e só a atuação e a mobilização sociais são capazes de consolidar seus moradores como senhores das transformações, e não objetos delas.
A população do mundo está envelhecendo e o mesmo se dá com os brasileiros. O Brasil já não é mais apenas um país de jovens, hoje é uma nação também de pessoas idosas, conforme as informações do Censo de 2010 do IBGE. Isto faz muita diferença para uma cidade que foi pensada como um local para um público jovem, como se eles nunca fossem envelhecer, e como se a necessidade de um novo planejamento para uma nova realidade nunca fosse necessário. O presente mostra que é preciso reorganizar, planejar, reconstruir São Paulo para que essa população de velhos possa continuar usufruindo das energias vitais e positivas que possui. Para isso, mais importante do que aumentar os bancos destinados aos idosos no metrô é desenvolver políticas públicas de aproximação entre as pessoas, com maior convivência, participação, cidadania e solidariedade. É necessária uma ação conjunta do poder público, das pessoas, das empresas e das organizações da sociedade civil para que isso possa se tornar realidade. Não basta ficar em casa esperando para ver o que o governo vai fazer para promover o bem-estar dos velhos, é preciso se alistar em movimentos populares; seja em sociedades de amigos de bairro, clubes, associações esportivas ou religiosas. Em outras palavras, é preciso participação. É preciso ação.
A cada instante a cidade está mudando. Se perdemos um momento, esse momento está perdido, é irrecuperável. Por isso é preciso estar atento para participar da governança cidadã de São Paulo, mesmo sem ter qualquer mandato eletivo, apenas na condição de ser humano interessado em dividir com outras pessoas um ambiente alegre, acolhedor, seguro, sem grandes correrias desnecessárias.
Esta cidade tem um percentual cada vez maior de pessoas idosas, como nunca teve em sua história, nem na época dos padres no pátio do Colégio, nem dos casarões dos barões do café da avenida Paulista. Assim, precisa ser preparada para essas pessoas, com mais praças, onde elas possam passear com os seus cachorros, encontrar e fazer amigos, jogar dominó, bocha ou dama.
O fato de São Paulo caminhar em direção a uma concentração cada vez mais cosmopolita – ela é o centro dinâmico do novo capitalismo na América do Sul – não impede que de um lado tenha os seus prédios cada vez mais imponentes ocupados por corporações globais, e de outro jardins e espaços públicos semelhantes às praças de antigamente, onde a vizinhança se reunia.
Não é preciso ter medo das transformações da cidade. Se uma pessoa tem medo, ela encontrará o medo em todo lugar que vá, uma vez que carrega esse sentimento dentro de si. Desse sentimento brotam a suspeição, o ódio, a revanche, a desconfiança. São erguidas cercas de ferros em frente às casas e edifícios e, ao invés de flores, os jardins ficam coalhados de câmeras de vigilância, luzes feéricas e arame farpado sobre os muros. Os porteiros são treinados para impedir a entrada de quem quer que seja, e mesmo um parente próximo precisa mostrar identidade e provar que ele é ele mesmo. Entregador nem pensar, nem mesmo o da farmácia que pode estar trazendo um medicamento para um doente idoso em estado grave.
É isso que queremos para São Paulo? Obviamente não, mas para mudar essa paisagem é preciso força, determinação, proatividade, inovação, desejo sincero de participar sem nenhuma recompensa se não o bem-estar geral, no qual todos estarão incluídos. As ruas e avenidas dessa São Paulo inovadora precisam ter menos carros e mais pessoas. Os cruzamentos, menos faróis e mais faixas de pedestres. Guias rebaixadas para os portadores de necessidade especiais. Transporte público abundante e civilizado que não precise ser disputado a cotoveladas nas estações de embarque. Os casarões e outros monumentos históricos precisam ser preservados não como um ideal nostálgico, mas como um documento vivo de uma cidade viva que se transforma impulsionada por um momento de grande velocidade do processo histórico. É preciso mais estádio, mais torcida, mais Coringão. Palmeiras, São Paulo, Portuguesa, Juventos, Nacional, Paulistano, Pinheiros, Hebraica, Pacaembu, Ibirapuera, Parque do Carmo, Horto Florestal, SESC... Tom Zé, Hebe Camargo, Juca Kfouri, Jô Soares, Luiz Nassif, Milton Yung, José Paulo de Andrade, Joseval Peixoto...
A cidade que carrega o passado fora de seus monumentos cria problemas. A questão não é o que foi feito em São Paulo ontem, mas o que é feito hoje. A cidade hoje é fruto do que foi feito ontem e será amanhã um reflexo do hoje. O problema é que quem carrega o ontem perde o hoje. Por isso a cidade é um fluxo, é um processo, e graças a essa natureza pode ser modificada a cada momento para se tornar melhor e mais acolhedora aos seus habitantes, velhos e moços.
*Heródoto Barbeiro é escritor e jornalista da CBN/TV Cultura.