Postado em 30/10/2010
texto: Ana Paula de Oliveira fotos: Flavita Valsani
Enquanto construtoras preparam moradias adequadas à terceira idade, idosos se organizam em repúblicas ou contam com o poder público para morar com autonomia
Uma das questões mais fundamentais no curso da vida de qualquer pessoa, a das condições de moradia, não é menos fundamental na velhice. A política de asilamento, tão comum até há poucas décadas no Brasil, pela qual o idoso era geralmente visto como alguém inútil ou doente, que deveria ser tutelado, perde força diante de uma nova realidade, em que o idoso manifesta vigor físico e intelectual, autonomia e vontade de manter- se ativo. Nesse cenário, o que fazer?
Desde o longínquo ano de 1890, quando foi inaugurada a primeira instituição voltada a idosos, o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada, no Rio de Janeiro, até hoje, muita coisa mudou. Tanto o poder público como a iniciativa privada e as próprias famílias passaram a tratar a questão com mais atenção, propondo soluções mais integradoras. E o próprio idoso, com maior autonomia, muitas vezes é capaz de traçar seus próprios caminhos sem depender da ajuda de instituições especializadas.
Um exemplo de atuação do poder público nessa área – e de uma promissora mudança de paradigmas – é o programa habitacional Vila Dignidade, voltado ao atendimento de idosos com renda de até dois salários mínimos e sem vínculos familiares sólidos. Pelo programa, do Governo do Estado de São Paulo em parceria com prefeituras, os maiores de 60 anos têm a oportunidade de morar em um condomínio de casas projetadas segundo o conceito do Desenho Universal, que permite facilidade no uso da moradia por qualquer indivíduo com dificuldade de locomoção, temporária ou permanente.
O Vila Dignidade foi lançado em 2009, e Avaré foi a primeira cidade a receber um condomínio do tipo. O programa deve ser expandido para outros 22 municípios nos próximos anos. As casas, projetadas para auxiliar na autonomia do idoso, possuem itens de segurança e acessibilidade, como barras de apoio, pias e louças sanitárias em altura adequada, portas e corredores mais largos, interruptores em quantidade e altura ideais, rampas e pisos antiderrapantes, além de um botão de emergência, que alerta os vizinhos e o centro comunitário em caso de emergência. Os beneficiados são indicados pelos conselhos municipais de idosos e, além das moradias, os condôminos têm assistência social e atividades socioculturais e de lazer.
Uma alternativa às famílias de renda menor, que não podem arcar com os elevados custos de instituições privadas, são os projetos mantidos por entidades filantrópicas. Um dos mais antigos do Estado se situa em Piracicaba; o centenário Lar dos Velhinhos, que serve de modelo à arquitetura inclusiva. O condomínio conta com dezenas de chalés projetados para ajudar o idoso a viver com autonomia. Pelo projeto do Lar, mantido pelas Irmãs Franciscanas da Congregação do Coração de Maria, os moradores adquirem um título que dá direito a morar nos chalés da chamada Cidade Geriátrica, mediante uma taxa de manutenção, até a morte. Quando um morador falece, o Lar retoma a propriedade e a repassa a outra família. No entanto, mesmo idosos sem nenhuma condição de renda são aceitos pela instituição.
Outra entidade reconhecida por sua atuação com a terceira idade é a Mão Branca, localizada em Santo Amaro, na cidade de São Paulo, que oferece dois tipos de hospedagem. A internação pode ser permanente ou temporária – o idoso pode passar uma semana, por exemplo, no caso de viagem da família. Há também a opção de diária, com café da manhã, atividades de lazer, higienização e descanso.
Outros programas não oferecem abrigo ao idoso, mas sim apoio para que possam viver melhor em suas próprias casas. Voltado à população de baixíssima renda, o Acompanhantes de Idosos, da prefeitura paulistana, desenvolve ações de cuidado domiciliar e apoio para as atividades diárias e é uma opção aos que não têm suporte familiar nem condições de buscar abrigos especializados. No programa, contam com apoio externo em atividades como ir ao médico, fazer compras, realizar pequenos consertos ou simplesmente para ter uma companhia com quem conversar.
Fora do âmbito do Estado e das entidades filantrópicas, as opções são também variadas: a tradicional alternativa de morar com um dos filhos segue em alta entre quem não pode pagar serviços privados – ou não se adapta a eles – nem tem interesse ou oportunidade de ser assistido pelo poder público. Nesse sentido, uma saída que também tem ganhado espaço são as chamadas repúblicas de idosos, em que grupos de moradores da terceira idade se propõem a dividir casa ou apartamento. Espelham assim o sistema, comum nas grandes cidades, especialmente em imediações de universidades, em que jovens dividem aluguel e condomínio e se apóiam mutuamente para sobreviver longe dos pais.
Classe A
Famílias mais abastadas têm opções como as chamadas “assisted living facilities”, moradias que aliam estrutura de condomínios ou hotéis de luxo a serviços de saúde e entretenimento – tudo com alta acessibilidade, sistemas descomplicados e de fácil cognição. Para oferecer um bom serviço, entretanto, com alimentação, atividades físicas e psicológicas, moradia e acompanhamento profissional adequado, o idoso terá de desembolsar um mínimo de R$ 1.500 por mês, além de já possuir algum seguro-saúde – valor que pode até ser multiplicado por dez no caso de instalações mais luxuosas.
Pioneiro nos flats de luxo voltados aos idosos, o Residencial Santa Catarina oferece serviços como academias, natação, sala de TV e jogos, salão de beleza, restaurante e piano bar próprios, além de biblioteca e áreas verdes. Conta também com uma unidade de saúde 24 horas monitorada por enfermeiros e atendimento médico de apoio feito por geriatras durante 20
horas semanais.
Condomínios privados sofisticados planejados para facilitar a vida do idoso também começam a se tornar mais comuns. “Hoje o mercado oferece muitos produtos com automação, desde simples sensores de presença para iluminação até lavatório com altura regulada por controle”, explica a arquiteta Guiomar Leitão, representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil na Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo.
Exemplo é a construtora Tecnisa, que com o projeto “Construindo com Consciência Gerontológica” busca atender os anseios do público de mais de 60 anos que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representará 15% da população brasileira – ou 32 milhões de pessoas – em 2025. O trabalho foi conduzido por um grupo multidisciplinar formado por professores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), arquitetos, engenheiros, gerontólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. Menos escadas, mais rampas, escadas submersas para facilitar o acesso a piscinas, fechaduras invertidas, pisos opacos e antiderrapantes, eliminação de cantos vivos, áreas de circulação e portas mais largas, entre outros aspectos, passam a ganhar mais importância dentro desse cenário.
“Quando se fala em condomínio residencial, as adaptações de acessibilidade são prioritárias, para permitir a plena circulação nas áreas comuns”, afirma Elisa Prado de Assis, arquiteta e urbanista especialista em acessibilidade do Seped (Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade) da Prefeitura de São Paulo.
As construtoras hoje obedecem principalmente à norma NBR9050, da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que trata das questões relativas à acessibilidade não só do idoso mas também de portadores de deficiência com dificuldades de loco- moção, entre outros.
Essa normatização, no entanto, não pode ser tomada como uma fôrma a engessar projetos arquitetônicos, alertam especialistas. “Se fizer, tem de ser feito de acordo com a norma e tecnicamente adequado”, explica Rogério Romeiro, especialista em arquitetura inclusiva. “Consideramos ser mais problemático ao usuário fazer de forma errada e expô-lo a riscos do que não fazer.”
Para aplicação do desenho universal, Romeiro explica, é necessário adotar conceitos e princípios atuais de acessibilidade para propor conjuntos de soluções para cada situação, “não bastando atender isoladamente cada item contido na norma, pois eles se relacionam, complementam-se, e são dependentes entre si”. “A questão é que precisamos de muito bom senso, condição esta que nem a norma nem a lei incorporam, mas preceituam ao estabelecer a aplicação do desenho universal”, orienta Romeiro.