Postado em 30/09/2010
texto: Carina Flosi
Mais de 300 mil quilômetros depois, entre idas e vindas a santuários naturais, o fotógrafo Araquém Alcântara mantém sua paixão pela árdua tarefa de registrar cenas da natureza. Autodidata, desde os 19 anos tinha “vontade intensa” de “encontrar o mundo” e viver em sintonia com o desconhecido. Justamente nessa época, quando trabalhava como repórter em um jornal de Santos, no litoral paulista, descobriu a fotografia. “Estava tudo tranquilo, mas tinha um alvoroço dentro de mim e eu nem sabia. O dia em que tirei minhas primeiras fotos passei a me sentir parte do universo.”
Hoje, aos 59 anos e com 40 de carreira, o fotógrafo é considerado o pioneiro na documentação ambiental contemporânea. “Minha fotografia é engajada e busca transformação de forma humanista. O fotógrafo de natureza celebra a vida e o eterno, é um anjo da guarda de santuários, um conservacionista que luta e atua pela defesa do espaço com a sua fotografia.”
Araquém nunca teve professores. O autodidata, contudo, tornou-se um. “Hoje dou aulas para diminuir o tempo da busca pela fotografia, para que os jovens profissionais estejam, de alguma forma, prontos para a foto. Na mata você tem que virar bicho. Caso contrário, não fotografa nada. Ensino que o equipamento tem de ser uma extensão dos olhos.”
Em suas mais de 70 viagens para a Amazônia, paciência, perseverança e capacidade de contemplação estiveram ao lado das câmeras e equipamentos e foram determinantes para Araquém desvendar segredos das matas. Muitas vezes ele esperou horas, e até dias, até que a natureza entregasse a luz que ele queria para uma foto perfeita. “O sacrifício é constante. De repente você chega em um lugar depois de muita luta e chove torrencialmente. Sintetizar essa complexidade da natureza é um constante desafio. Não é uma fotografia fácil de fazer, mas está muito ligada a um grande prazer”, sintetiza.
Incansável, Araquém gosta de percorrer lugares virgens, onde ninguém pisou, para despertar conscientização nas metrópoles. “A Amazônia é a minha matriz criativa, onde eu não me canso de cantar. Ali está todo o mistério, a grande maravilha da criação, mas o país ainda não entendeu isso. Muitas vezes me deparo com o horror, cenários desconcertantes. O que mais me impressiona é a triste desolação das carvoarias vomitando cortinas de fumaça, essa política ambiental ligada à corrupção, madeireiros ilegais que comandam um Estado paralelo. A minha busca sempre foi a de seduzir pela beleza, mas, ao ver quadros desoladores, chegou um momento em que percebi que tinha de mudar o tom”, conta.
Por isso, na ótica do fotógrafo, a arte de fotografar a natureza deve começar com o mote da salvação. “Acredito que, se a voz da floresta fosse ouvida, ela demoraria menos tempo para ser salva. Não quero só fazer belezas, mas mostrar a urgente necessidade de preservar a natureza do país. Por que estamos destruindo um dos maiores laboratórios e científicos da nossa civilização?”
Com essa ideologia, a fotografia de Araquém não se prende a bichos e paisagens e revela o brasileiro como verdadeiro dono da terra. “São nesses sertões que eu ando que encontro o centro da ecologia brasileira, pessoas sábias, amorosas, inocentes, que ainda não foram impregnadas pelo veneno da urbanização”, descreve.
Uma das experiências que Araquém cita como bom exemplo de sustentabilidade no Brasil foi a que encontrou na comunidade de Mumbuca, no Jalapão (TO), que produz peças de artesanato – hoje inclusive consideradas artigo de exportação – com o capim dourado.
Com parca infraestrutura, a comunidade transformou sua realidade com o capim dourado. Ele é usado para fazer bolsas, vasos, fruteiras e diversas outras peças. “O que aconteceu no Jalapão é o que sempre canto, celebro e divulgo. É a causa certa e correta da sustentabilidade, usar os benefícios com simplicidade e criatividade”, completa Araquém.