Postado em 30/06/2010
Pedro Roberto Jacobi*
As grandes metrópoles brasileiras vivem uma crise ambiental severa, como resultado de práticas gerenciais inadequadas das autoridades locais, assim como da falta de atenção, da omissão, da demora em colocar em prática ações que reduziriam os problemas crescentes e prejudiciais, que estão vinculados às seguintes questões: aumento desmesurado de enchentes, dificuldades na gestão dos resíduos sólidos e interferência crescente do despejo inadequado de resíduos sólidos, impactos cada vez maiores da poluição do ar na saúde da população e degradação dos recursos hídricos.
A dinâmica da urbanização pela expansão de áreas suburbanas produziu um ambiente urbano segregado e altamente degradado, com efeitos muito graves sobre a qualidade de vida de sua população. Espaços imprestáveis e inadequados para moradias saudáveis foram usados: 1) morros; 2) pântanos; 3) áreas de proteção aos mananciais de água doce. Além disso, essa ocupação frequentemente consistiu em habitações pobres em áreas atendidas por escassos serviços urbanos.
Os impactos negativos do conjunto de problemas ambientais resultam principalmente da precariedade dos serviços e da omissão do poder público na prevenção das condições de vida da população, mas também é reflexo do descuido e da omissão dos próprios moradores, inclusive nos bairros mais carentes de infraestrutura, colocando em xeque aspectos de interesse coletivo.
Nas cidades, configura-se uma lógica perversa de distribuição de riscos, que afeta desigualmente a população. No Brasil metropolitano se incluem atualmente 413 municípios, nos quais vivem quase 70 milhões de habitantes. Os desafios metropolitanos que se colocam nos dias atuais são de criar as condições para assegurar uma qualidade de vida que possa ser considerada aceitável, não interferindo negativamente no meio ambiente do seu entorno e agindo preventivamente para evitar a continuidade do nível de degradação, notadamente nas regiões habitadas pelos setores mais carentes.
Os problemas vêm sobretudo do processo de crescimento da megacidade, caracterizado pelo desordenado processo de periferização (através da expulsão da população de baixa renda para as zonas periféricas da cidade acentua-se a degradação ambiental em virtude do impacto da expansão desordenada), pela falta de infraestrutura adequada, pela ocupação irregular de áreas de proteção aos mananciais e das várzeas e pela necessidade de expansão dos sistemas de abastecimento de água e coleta de esgotos sanitários.
Dado o atual quadro urbano, é inquestionável a necessidade de implementar políticas públicas orientadas para tornar as cidades social e ambientalmente sustentáveis. Os riscos contemporâneos explicitam os limites e as consequências das práticas sociais, trazendo consigo um novo elemento, a “reflexividade”. A sociedade, produtora de riscos, torna-se cada vez mais autocrítica, e ao mesmo tempo em que põe a si em perigo, reconhece os riscos que produz e reage diante disso.
No atual quadro urbano brasileiro, é inquestionável a necessidade de implementar políticas públicas orientadas para tornar as cidades social e ambientalmente sustentáveis como uma forma de se contrapor ao quadro de deterioração crescente das condições de vida nesses locais.
As experiências bem-sucedidas, tanto aquelas das administrações municipais como as da sociedade civil, mostram que ideias e ações baseadas em princípios ambientalmente sustentáveis geram resultados que se refletem nas esferas do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Um exemplo disso são as cooperativas de catadores de material reciclável e a multiplicação de formas de coleta seletiva de resíduos domiciliares e industriais. Outras ações se refletem em melhoria na qualidade das águas, redução do esgoto clandestino e proteção de áreas verdes e biodiversidade.
A problemática ambiental urbana representa, por um lado, um tema muito propício para aprofundar a reflexão em torno do restrito impacto das práticas de resistência e de expressão das demandas da população das áreas mais afetadas pelos constantes e
crescentes agravos ambientais. Por outro, representa a possibilidade de abertura de estimulantes espaços para implementar alternativas diversificadas de democracia participativa, notadamente a garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos para uma participação efetivamente plural.
O fato de a população em geral considerar que as soluções devem provir do poder público não implica apenas numa postura de dependência e de desresponsabilização da população, mas frequentemente de desinformação, da falta de consciência ambiental e de um deficit de práticas comunitárias baseadas na participação e no envolvimento dos cidadãos que propõem uma nova cultura de direitos baseados na motivação e no direito de ser copartícipes na gestão da cidade. O desafio que se coloca é o de reforçar práticas pautadas por: 1) fiscalização e monitoramento da execução de políticas públicas, 2) estímulo à corresponsabilização da população na prevenção da desordem e da degradação ambiental, e 3) desenvolvimento de campanhas de educação ambiental e de
informação à sociedade.
Embora, em geral, a população mostre pouca predisposição para as práticas comunitárias, é preciso enfatizar os estímulos às mudanças de comportamento, corresponsabilização e colaboração através de um agente nucleador – a ação governamental.
A administração de riscos ambientais coloca a necessidade de ampliar o envolvimento público através de iniciativas que possibilitem uma elevação do nível de consciência ambiental dos moradores garantindo acesso à informação e a consolidação institucional de canais abertos para a participação numa perspectiva pluralista.
A possibilidade de maior acesso à informação, notadamente dos grupos sociais mais excluídos, pode potencializar mudanças comportamentais necessárias, orientadas para a defesa de questões vinculadas ao interesse geral. Cidadãos bem informados, ao se assumirem enquanto atores relevantes, têm mais condições de pressionar autoridades e poluidores, assim como de se motivar para ações de corresponsabilização e participação comunitária.
A participação assume um papel cada vez mais relevante na denúncia das contradições entre os interesses privados e os interesses públicos, entre os bens públicos e os bens privados, entre uma cultura da desesperança que busca benefício atual e desvaloriza o futuro face à construção de uma cidadania ambiental que supere a crise de valores e identidade e proponha uma outra, com base em valores de sustentabilidade. Isso potencializa a ampliação da consciência ambiental e sua tradução em ações efetivas de uma população organizada e informada de maneira correta, que está preparada para conhecer, entender, reclamar seus direitos e também de exercer sua responsabilidade. Pessoas cidadãs críticas e conscientes compreendem, se interessam, reclamam e exigem seus direitos ambientais do setor social correspondente, e por sua parte estão dispostas a exercer sua responsabilidade ambiental.
*Pedro Roberto Jacobi é professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Também é coordenador do TEIA/ USP – Laboratório de Educação e Ambiente