Postado em 30/04/2010
Os locais onde moramos e trabalhamos não são feitos apenas de paredes, pisos e tetos, mas também de pessoas que neles se relacionam e se transformam
Na década de 40, o médico René Spitz descobriu que crianças criadas sem a presença da mãe, desvinculadas de qualquer laço afetivo, inclusive das pessoas que cuidavam delas, de modo totalmente impessoal, sofriam de perturbações físicas e mentais. Muitas adoeciam e morriam. O especialista chamou esse fenômeno de hospitalismo: situação na qual afetos, desejos, sonhos e energia não mantêm, em um espaço, integração suficiente para acolher e gerar bemestar. Ou seja, promover saúde. Ele concluiu que a energia ficava retida, estagnada, comprimida, produzindo as mais variadas doenças.
Com o passar das décadas, a pesquisa de Spitz ganhou dimensão e levou profissionais da saúde, arquitetos e empresários a repensarem a importância do meio como fator fundamental para a promoção e manutenção da qualidade de vida das pessoas, sejam elas crianças ou adultos. Formouse, então, o conceito chamado ambiência, que é o uso coletivo dos espaços em transformação constante.
Para a arquiteta Mirela Pilon Pessati, consultora da Política Nacional de Humanização (PNH) do Ministério da Saúde, a saúde se adquire e se mantém através de práticas que levam em consideração não apenas as pessoas, individualmente, mas os contextos em que vivem, uma vez que o meio é fun damental tanto na produção da saúde quanto do malestar. “Por meio de oficinas de ambiência entre as comunidades e funcionários das unidades de saúde, demonstramos que os espaços não estão lá para serem contemplados, mas para serem usados e transformados”, explica.
Após as oficinas, os espaços são reformados para acolher, incluir e alterar todos os processos de atendimento de pacientes e acompanhantes. “A ideia é que as pessoas sintam-se pertencentes ao lugar. Além de promover espaços saudáveis e confortá veis, é premissa da PNH é a valorização da ambiência como mudança das relações de trabalho”, acrescenta.
Na avaliação da coordenadora do Programa de Saúde do SESC São Paulo, Adriese Castro Pereira, a instituição já aplica a ambiência em todas suas unidades, seguindo a tendência da pro moção do bemestar. “No SESC apenas estamos dando nome para algo que já fazemos. Olhamos o espaço como um local apropriado para as pessoas se en contrarem e trocarem experiências de uma forma descontraída e acolhe dora”, afirma.
No ambiente corporativo, muitos empresários já orientam seus gestores de recursos humanos e de outras áreas a serem guardiões de uma ambiência favorável à produtividade e à manifestação da potencialidade dos profissionais. “A saúde dos funcioná rios é a saúde da organização da qual participam e estão intrinsecamente ligadas”, explica a consultora de negócios Beia Carvalho.
Neste Dia Mundial da Saúde, algumas questões sobre a falta de espaços para as pessoas escutarem e compartilharem os sentimentos pessoais e profissionais ganharam evidência.
O Engenheiro Ambiental Henrique Ferreira Ribeiro, diretor geral da Am biência Soluções Sustentáveis, explica que a aplicação dos conceitos de sus tentabilidade e ambiência nas construções beneficia, diretamente, a saúde das pessoas que vivem ou trabalham nesses locais. “Nossas construções não utilizam materiais prejudiciais à saúde humana, como COV’s (Compostos Orgânicos Voláteis) e amianto. Além disso, criamos espaços arquitetônicos que exploram ao máximo a ventilação e insolação natural, ingredientes que contribuem para a redução dos riscos à saúde e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, explica.
A criação de condições favoráveis a uma ambiência de trabalho que estimula o desempenho dos empregados, assegurando o envolvimento e o comprometimento com os resultados empresariais desejados foi tema de uma pesquisa da Associação Nacional de Arquitetura Bioecológica.
Segundo a ANAB Brasil, as pessoas que freqüentam construções sustentáveis têm alterações positivas de comportamento. Uma pesquisa divulgada pela associação revelou que 16% das pessoas tiveram melhoria da produ tividade no trabalho. Já as vendas nos locais com iluminação natural aumen taram 40%, comparadas às realizadas em locais fechados. E para cada U$ 1 investido na construção de edifícios sustentáveis, houve retorno de U$ 11 relacionados à saúde e produtividade.
A ausência de espaços acolhedores e a relevância deles para a saúde dos moradores dos centros urbanos que convivem em espaços degradados incentivaram a fonoaudióloga e especialista em saúde pública Lourdes D’Urso e o profissional de educação física e consultor em saúde e lazer Marcos Warschauer a participarem do programa “Caminhando para a Saúde”, que teve início em 2003 em Santo André, no ABC. “O conceito que norteou o grupo de caminhada foi o de promoção da saúde. Nosso objetivo foi melhorar a qualidade de vida da população incorporando hábitos saudáveis ligados a práticas corporais, além de incentivar a sociabilidade”, diz Lourdes.
Mesmo enfrentando dificuldades para encontrar locais adequados à prática da caminhada, pelo fato de muitas ruas serem movimentadas e acidentadas, o resultado da aplicação da ambiência em grupos de caminhada surpreendeu a especialista. “Conseguimos ir além dos conteúdos da atividade física e do monitoramento físico, incentivando a formação de um grupo social, priorizando a solidariedade e a comunicação entre as pessoas”, enfatiza.
“Nossa experiência aponta que não basta pensarmos na criação de espaços bonitos, arborizados e seguros se não criarmos condições favoráveis para que as pessoas usufruam desses lo cais”, completa Warschauer.
Outro ponto importante de destaque foi a construção de ações ligadas à promoção da saúde, como passeios, palestras, debates, oficinas de alimentação saudável e encontros em parques públicos.
“No caso da caminhada, a ambiência favoreceu os relacionamentos pessoais, o cuidado com o outro, a responsabilidade mútua, a comunicação e o estímulo à solidariedade, como na ajuda ao atravessar uma rua ou em situações cotidianas.”
O termo designa o espaço físico, social, profissional e de relações interpessoais em sintonia com projetos voltados à atenção acolhedora, resolutiva e humana. A ambiência é orientada por três eixos principais:
1) O espaço que visa o conforto É importante conceber ambiências confortáveis e acolhedoras, de modo a favorecer a privacidade e individualidade dos usuários do serviço e trabalhadores que usam o espaço; valorizando a utilização de componentes do ambiente que interagem com as pessoas, em especial, a cor, a luz, as texturas, os sons, os cheiros e a inclusão da arte nas suas mais diferentes formas de expressão. Esses componentes atuam como qualificadores e modificadores do espaço, estimulando a percepção ambiental e quando utilizados com equilíbrio e harmonia, criam ambiências acolhedoras que podem contribuir no processo de produção de saúde e de espaços saudáveis.
2) O espaço como facilitador do processo de trabalho A ambiência isoladamente não altera o processo de trabalho, mas pode ser usada como uma ferramenta que contribua para as mudanças, através da coprodução dos espaços aspirados pelos profissionais de saúde e pelos usuários, com funcionalidade, possibilidades de flexibilidade, garantia de biossegurança relativa à infecção hospitalar, prevenção de acidentes biológicos e com arranjos que favoreçam o processo de trabalho.
3) O espaço de encontros entre os sujeitos O modo de produção coletiva dos espaços se relaciona ao método da inclusão adotado pela PNH (Política Nacional de Humanização) como um dispositivo de transformação, que propicie a criação de espaços coletivos (oficinas, rodas) para discussão e decisão sobre as intervenções que se fazem necessárias no espaço físico dos serviços de saúde.
- Crie um espaço coletivo para discussão e decisão sobre as intervenções no espaço. Pode ser por meio de uma oficina de ambiência ou uma roda de discussão onde estejam incluídos gestores do serviço, trabalhadores, representantes dos usuários, profissionais de arquitetura e engenharia.
- Pense em uma dinâmica de trabalho com o grupo que inclua a presença de um apoiador/ facilitador.
- Promova discussão sobre o espaço atual e os processos de trabalho que acontecem ou acontecerão no lugar que passará por reforma, descrevendo esses processos por meio de fluxogramas analisadores, diagramas ou outro instrumento que o grupo achar mais adequado.
- Verifique o que a normatização prevê de características, instalações e dimensões do espaço a ser reformulado. Esse processo e seu produto será o subsídio para os profissionais de arquitetura e engenharia desenvolverem um ótimo projeto para a intervenção no espaço físico, garantindo a participação dos usuários do espaço.
Fontes: Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, arquitetos e especialistas