Postado em 29/07/2010
PEDRO CELSO CAMPOS
A exemplo dos estudos ambientais, a área da Gerontologia é amplamente interdisciplinar. São inúmeras as abordagens possíveis quando tratamos das questões relacionadas com o envelhecimento demográfico, que é uma característica do nosso tempo e que provoca tantas mudanças na sociedade, por isso mesmo exigindo a contribuição acadêmica em diversas áreas do saber. Aqui tratamos de relacionar a problemática do idoso com os meios de comunicação. Para tanto, buscamos uma teoria da área sociológica – o “empoderamento” – para refletir sobre o papel que os meios de comunicação têm diante do fenômeno do envelhecimento demográfico. É um papel, sobretudo, de, primeiramente, reconhecer o fenômeno, estudando-o, pautando-o, aprofundando-se sobre ele. Depois, trata-se de buscar a linguagem adequada que situe a pessoa idosa como sujeito e não como objeto da história. Trata-se, também, de dar voz ao idoso, de falar a partir dele e não apenas para ele. Todo esse esforço – que deveria começar já na conscientização dos jovens comunicadores nos bancos universitários – ajudará, de algum modo, a evitar ou reduzir o conflito geracional que a Sociologia projeta para um futuro próximo num cenário de muitos idosos que já cumpriram sua jornada de trabalho formal e, em contrapartida, de uma parcela cada vez menor de pessoas formalmente integradas ao mundo do trabalho, o qual também vem sofrendo profundas alterações diante das novas tecnologias que acabam gerando o desemprego estrutural.
Para reduzir o preconceito social contra as pessoas idosas – injustamente acusadas de improdutivas e de serem um peso para o Estado e para a sociedade –, os gestores de mídia podem ser convidados, por exemplo, a refletir sobre o potencial de consumo de horas-mídia representado pelos idosos. Por terem mais tempo, são eles os maiores leitores de meios impressos, os que mais assistem aos programas de televisão, os que mais acompanham o rádio e já estão cada vez mais presentes na internet. Em alguns países, os idosos já se organizam com o apoio de entidades não governamentais, lutando pela preservação de seus direitos, conquistando novos direitos, inclusive procurando votar – no período eleitoral – naqueles políticos sérios que assumem compromissos em defesa dos direitos dos idosos.
Esse é um trabalho de organização da Terceira Idade como protagonista da história; um protagonismo que levanta uma voz forte toda vez que os idosos são discriminados, violentados, desrespeitados, roubados, ignorados – dentro ou fora de casa – e que pode ser fortalecido por meio das técnicas de “empoderamento” e com o apoio dos meios de comunicação, como veremos a seguir.
O empoderamento é visto como um processo de construção social que relaciona forças individuais e capacidades (competências), sistemas naturais de ajuda e condutas pró-ativas com assuntos de mudança social e política social (ZIMMERMAN, 2000; ZIMMERMAN e RAPPORT, 1998), e que se desenvolve em três níveis: individual, organizacional e comunitário.
Em nível individual, os processos de empoderamento podem ser alcançados por meio da participação em organizações ou atividades comunitárias, integrando grupos de trabalho, aprendendo novas tarefas, desenvolvendo novos potenciais, etc. O próprio fato de trabalhar em equipe, perseguindo metas comuns, já pode ter um potencial empoderador, do ponto de vista disciplinar. Esse processo pode ser ativado por animadores externos, como agentes sociais, ONGs, mentores, líderes de grupo, professores, etc., que atuam com o fim de prover oportunidades para as pessoas exercerem controle sobre suas vidas, podendo elas mesmas formarem novos grupos empoderadores, num processo solidário e continuado de formação cidadã. Esse processo sofre influências diretas (positivas ou negativas) do contexto social, isto é, do entorno ecológico no qual se desenvolve. Naturalmente, no ambiente favorável, em que a sociedade, o Poder Público, as entidades organizadas, etc. estão voltadas para a inclusão social, o processo de empoderamento prosperará de modo mais eficaz.
Ao tratar do nível organizacional do empoderamento, Zimmerman (2000) destaca a importância de se desenvolver a noção de “pertencimento”, de “sentir-se parte do grupo”, de “ser equipe”, pois é essa noção de pertença que legitima e fortalece o grupo. Aqui sobressai o papel da comunicação como agregadora dos sujeitos sociais, ajudando a criar um ambiente favorável em busca das metas propostas. O comunicador precisa estar consciente de que sua atuação é fundamental na coesão interna do grupo e na busca pelos apoios de que ele precisa para ter visibilidade e resultados. Trata-se, portanto, de fortalecer a organização como um todo, no marco teórico da teoria de difusão de informações que estabelece: “Um adequado fluxo de informação e uso apropriado dos meios de comunicação de massa podem contribuir para mudar os hábitos dos indivíduos”. Mas a comunicação em si não é capaz de mudar a realidade. A mudança só ocorre a partir da motivação individual. A comunicação pode reforçar as técnicas de empoderamento do grupo social. Em muitas situações, isso significa colocar em marcha processos de liderança compartilhada, processos de capacitação de membros em função dos objetivos da organização, processos de tomada de decisões, sistemas de distribuição de funções e responsabilidades conforme a capacidade de cada um, criação de mecanismos de intercâmbio de informações e recursos, um modelo ou estilo de gestão adequada em função do crescimento e desenvolvimento da organização. Naturalmente nada disso é atingível se todo o grupo não estiver imbuído dos mesmos objetivos, se não for solidário, se não houver respeito, confiança e tolerância.
O nível comunitário do empoderamento resulta dos dois níveis anteriormente mencionados. Quando se conta com indivíduos interiormente empoderados e organizações voltadas para o empoderamento, então se pode falar em comunidades empoderadas que defendem os seus direitos, que se interessam pelo bem coletivo, que se solidarizam com o semelhante, que lutam pela inclusão social com o fim de empoderar outros grupos, que têm visão crítica sobre as injustiças sociais e econômicas em nível local e mundial, que respeitam o meio ambiente, etc. Speer e Hughey (1995) observam que o empoderamento no nível comunitário implica o desenvolvimento de redes intersetoriais de organizações e instituições da comunidade local. Essa cooperação, mediante a troca de informação e experiência, levando em conta todos os agentes dentro do enfoque ecológico, é determinante para o bem-estar de toda a comunidade, na mesma medida em que a participação individual é que vai enriquecer e fortalecer as organizações empoderadoras. A intenção é evidenciar o caráter eminentemente sistêmico do processo de empoderamento. Nem mesmo o professor, o líder de grupo, o mentor poderá estar só, na sua tarefa de empoderar. Paulo Freire lembra que ninguém ensina ninguém, pois o processo de aprender é recíproco. Assim, na comunidade empoderada também haverá uma acentuada noção de democracia interna, de horizontalidade de mando, de modo tal que todos possam ser ouvidos com respeito. Essa inter-relação das pessoas no grupo, do grupo na comunidade, da comunidade no sistema-mundo nos conduz a outro modo de ver o nosso mundo e o mundo em si, num processo ecológico em que estamos todos integrados entre nós mesmos e com a natureza da qual somos parte indissociável e da qual dependemos para viver. No futuro mundo de comunidades empoderadas, isto é, de comunidades que participam igualitariamente do banquete da vida, sem exclusões, não haverá lugar para a violência e a guerra. A comunicação é central nesse processo de conscientização política e cidadã. Com efeito, a hipótese inicial da teoria difusionista diz que
“a combinação de meios de comunicação de massa e estratégias de comunicação interpessoal (caráter sistêmico) pode favorecer a mobilização individual para a adoção de novos meios de produção por meio de um processo de abertura, interesse, avaliação e adoção de tecnologia”.
Retornando a Zimmerman, dos três níveis apontados emerge um questionamento: o que é mais importante, o empoderamento individual, organizacional ou comunitário? Os psicólogos transpessoais, entre eles Ken Wilbur, Michael Washburn, Stanislav Grof (citados por CAPRA, 1988), assinalam que a transformação interna resultante do empoderamento individual está muito ligada a um espírito de comunidade, de solidariedade humana. À medida que a pessoa passa a se conhecer, a aceitar-se e a amar-se a si mesma, ela começa a aceitar e amar o outro, uma vez que pode ver a si mesma no outro. Assim, o empoderamento individual promove a solidariedade, uma autodefinição pessoal baseada no sentido de pertencimento a uma comunidade maior, universal, cósmica e não como indivíduo egoisticamente isolado.
No empoderamento de nível transpessoal, pelo fortalecimento interno do sujeito, há uma sensação automática de solidariedade com todos os viventes, um sentido de compaixão pelo excluído, acompanhado pelo deslocamento da mentalidade temerosa e avara do “eu primeiro”, que é norma do capitalismo, a uma mentalidade de maior plenitude (“viver e deixar viver”), uma confiança de que “já tenho o suficiente”. Esse ponto de vista da psicologia transcendental e dos sociólogos transpessoais sobre empoderamento está muito próximo dos pontos de vista de muitas tradições espirituais do mundo antigo.
Segundo McLaughlin e Davidson (1994), “o empoderamento baseado na transformação interior motiva a pessoa a melhorar não só sua própria vida, mas também a vida dos demais”, ao passo que Lape e DuBois (1984) afirmam que
“o empoderamento individual se manifesta na conscientização e participação política – um sentido de militância baseado não em um pequeno interesse pessoal, tampouco em sentir-se vítima, nem em lançar a culpa nos demais, mas no sentido maior de comunidade e responsabilidade. Com a participação, crescem as habilidades políticas”.
A teoria do empoderamento ensina que todos e cada um têm poder de transformação, de superação. O empoderamento transforma-nos em sujeitos da história, pessoas que transformam seu ambiente ao invés de serem transformadas por ele. O empoderamento individual traz a força de cada um à mesa de negociação por um mundo melhor, por uma vida mais digna. Mas não há jogo sem jogadores. E não basta participar, é preciso se envolver, se comprometer, jogar-se por inteiro. Assim, é tão importante o empoderamento individual quanto o organizacional e o comunitário, mas nada se consegue se as pessoas não se dispuserem a colaborar, disciplinadamente, pois não se trata de um bem que se pode dar, mas sim de um processo induzido, amplo e vagaroso, no qual as próprias pessoas participantes são protagonistas por meio de seus esforços individuais e coletivos. Por isso é importante que o processo seja organizado horizontalmente, pela própria sociedade, atuando diretamente junto com os grupos e segmentos envolvidos de modo que alcancem seus objetivos com a união do grupo e não com poderes outorgados por outros, quase sempre com segundas intenções, para tirar proveito político, etc.
Granovetter (1985), Bourdieu (1989), Evans (1996), Durston (2000) e Romano e Antunes (2002) concordam que o empoderamento envolve autoconfiança (para fugir da apatia, ser atuante, acreditar na causa, alimentar o otimismo); capacidade crítica (para perceber, no entorno, quais são os problemas a serem analisados e superados); participação (reunir-se, dialogar, agir, manifestar-se); organização (estudar, aprender, abrir-se ao novo conhecimento, às novas tecnologias, doar-se ao coletivo); solidariedade (no sentido de generosidade, alteridade, aceitação das diferenças); e capital social (constituir-se como ser pensante e crítico para conduzir sem ser conduzido).
O empoderamento é capaz de elevar o nível de “capital social”, ou de participação cidadã na Sociedade Civil, de um grupo ou de uma comunidade. Para Pierre Bourdieu (1983, p. 249),
“capital social é a agregação de recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento mútuo e de reconhecimento” (grifo nosso).
Distingue três formas de CS: econômico, cultural e social, chamando atenção para a desigualdade de acesso aos recursos. Para Bourdieu as novas tecnologias acabam favorecendo sempre mais as elites que são, naturalmente, contrárias à formação de capital social nas democracias abertas onde existe, por exemplo, liberdade de expressão.
A observação de Bourdieu põe em destaque o papel do ativismo político em favor das classes excluídas, cabendo ao jornalismo socialmente comprometido dar voz a esses setores e colaborar com o seu empoderamento. Também Paulo Freire insiste que só o reconhecimento traz o conhecimento, só a atitude humilde diante do saber pode conduzir ao saber em si, um conceito valiosíssimo para o jornalista interessado em conferir exaustivamente a informação recebida antes de publicá-la, no marco da ética que a profissão requer e exige.
Em Coleman’s (1994, p. 302) aprendemos que
“o capital social é definido por sua função. Não é uma entidade única, mas uma variedade de diferentes entidades, com duas características em comum: todas elas consistem em algum aspecto de uma estrutura social e facilitam certas ações de indivíduos que se encontram dentro da estrutura”.
Coleman’s acha que a formação de capital social, embora favorecendo as elites como ensina Bourdieu, também está acessível às comunidades carentes e aos grupos excluídos da sociedade, desde que venha a contar com motivação e apoio neste sentido. Novamente se vê aqui a importância da comunicação quando ela se coloca a serviço da sociedade e não apenas de grupos políticos, ideológicos ou de governos. A pesquisa de Coleman’s realça, igualmente, o papel da família, das relações de parentesco e das instituições religiosas na formação de capital social.
Para os pesquisadores do Banco Mundial, quando falamos em CS estamos nos referindo às instituições, relações e normas que definem a qualidade e a quantidade de interações sociais em uma comunidade. O CS não é apenas a soma das instituições que constituem elementos essenciais de uma sociedade, é a “liga”, a “cola” que cimenta essas relações, que as mantém unidas e coesas.
Entre os estudos mais citados, nos últimos anos, sobre CS está o de Robert Putnam (1941), que, a partir das teorizações de Coleman’s e Bourdieu, mapeou os níveis de participação cívica nos Estados Unidos e constatou acentuado declínio nas últimas três décadas do milênio. Sua pesquisa foi publicada no livro Bowling alone, em 2000. Esta é sua definição de CS: “Considerando que o capital físico se refere a objetos físicos e no capital humano refere-se às propriedades dos indivíduos, o capital social refere-se às ligações entre os indivíduos, às redes sociais e às normas de confiança e reciprocidade que surgem a partir dessas ligações. Neste sentido o capital social está intimamente relacionado com o que alguns têm chamado de ‘virtude cívica’. A diferença é que o capital social é mais poderoso quando incorporado em um sentido de rede de reciprocidade das relações sociais. A sociedade de indivíduos isolados, embora muito virtuosos, não é, necessariamente, rica em capital social (PUTNAM, 2000, p. 19).
Putnam constatou uma diminuição significativa na quantidade de americanos que participam de organizações religiosas, atividades cívicas, recreativas, clubes e outras iniciativas coletivas (como jogar vôlei), com um correspondente aumento de atividades individualizadas (principalmente ver televisão). Em sua pesquisa, os indicadores de conhecimento político, confiança na classe política, ativismo político e atuação em bases populares estão todos para baixo. Os americanos estão assinando 30% menos petições e revelam 40% menos disposição de participar de um boicote de consumidores em comparação com uma ou duas décadas atrás. Em meados da década de 1970 o americano médio frequentava clubes todos os meses. Em 1998 essa participação havia caído quase 60%. Em 1975 as reuniões com amigos chegavam a 15 encontros por ano, em 1998 caíram pela metade. O trabalho observou, igualmente, que, embora os americanos se revelem mais tolerantes uns com os outros em relação a gerações passadas, eles confiam menos uns nos outros. Os dados revelam esse crescimento da desconfiança mútua, da desonestidade. Há mais reclamações à polícia e aos tribunais, o que provocou a elevação do número de advogados, policiais e pessoal de segurança, lembrando o pesquisador que durante a maior parte do século tais atividades estavam estagnadas, a ponto de a América ter menos advogados per capita em 1970 do que tinha em 1900. A conclusão de Putnam é que isso enfraqueceu o capital social do país. Dessa forma, poderosos meios de comunicação, como a TV ou a internet, em vez de contribuírem para o empoderamento das pessoas e dos grupos sociais, estariam atuando em sentido contrário.
Nem todos os estudiosos concordam com a teoria de Putnam. Não se poderia atribuir à televisão o papel de mudar totalmente a sociedade, ainda que pesem as críticas gerais contra o conteúdo da programação de TV mais voltado para o espetáculo e a força da imagem. Theda Skocpol (2003), ao criticar o trabalho de Putnam, observa que as alterações mais significativas na sociedade atual se referem à mudança da forma associativa de vida. Ela questiona o excesso de ênfase no trabalho de Putnam e outros sobre o funcionamento dos grupos locais e das associações.
“O voluntariado cívico nunca foi predominantemente local nos Estados Unidos e nunca se desenvolveu para além do governo nacional e da política. Os teóricos do capital social têm a tendência de analisar todas as formas de participação de uma só vez” (SKOCPOL, 2003, p. 12).
Ela sugere que uma confluência de tendências e eventos gerou uma mudança de adesão à mobilização geral em forma de organizações cívicas. Segundo ela, depois de 1960, época de mudanças nos ideais raciais e de gênero, um novo tipo de relacionamento empurrou as lideranças dos públicos masculino e feminino para novas N ovas oportunidades e desafios direções. Novas oportunidades e desafios políticos atraíram repolíticos atraíram recursos cursos e ativistas cívicos em direção aos lobbies centralizados. As novas tecnologias e fontes de apoio financeiro permitiram a constituição de novos modelos de associativismo. Finalmente, mudanças na estrutura e nas classes elitistas americanas criaram um círculo mais amplo para organizações profissionalmente geridas. Agora os americanos mais privilegiados podem se organizar virtualmente (SKOCPOL, 2003, p. 178).
Outra contribuição significativa ao trabalho de Putnam veio de Ann Bookman (2004). Ela acha que não se pode falar em capital social, hoje, sem levar em conta o papel da mulher na sociedade, a qual teria um capital social “acumulado” ao desempenhar duplas jornadas como profissional e mãe de família. Novas formas de CS estão se desenvolvendo, entre famílias que trabalham em ambientes urbanos e suburbanos (como no caso dos cuidadores de crianças e idosos, os empregados domésticos, etc.).
De todo modo o trabalho de Putnam deixa claro que a formação de capital social traz inúmeras vantagens. Ele cita, por exemplo, o desenvolvimento das crianças, por meio do melhor aproveitamento escolar e, consequentemente, do comportamento e desenvolvimento futuro, quando a família dá ao acompanhamento da formação escolar o destaque que ele merece. Mostra que é perceptível a redução no índice de criminalidade nas comunidades onde os jovens estão interligados por redes de amigos e participam de atividades comuns. Diz que o CS pode ajudar a atenuar os efeitos insidiosos da desvantagem socioeconômica, quando uma nação, uma sociedade ou mesmo um grupamento de pessoas, ou de empresas, se organizam para formar capital social por meio do florescimento de redes sociais, mediante técnicas de empoderamento. Ele também vê uma relação entre CS e boa saúde, ao observar que cai pela metade o risco de morte entre pessoas que vivem em grupo com relação a pessoas que vivem isoladas, solitárias. No grupo, a pessoa acaba sendo ajudada a desenvolver hábitos mais saudáveis, como deixar de fumar, fazer exercícios, sair de casa, alimentar-se melhor, cuidar dos medicamentos, etc. Para ele, a assiduidade a um clube, a participação em trabalhos voluntários, a recreação, a frequência à igreja equivalem, para a pessoa que antes vivia só, à felicidade de receber um diploma acadêmico ou ter o salário duplicado. Pode-se ter uma vida rica e feliz sem ter riqueza material, ensina.
Este artigo tem o objetivo de relacionar o papel social dos meios de comunicação com sua capacidade de contribuir para o empoderamento e, consequentemente, a elevação do capital social nas comunidades. Muito embora as técnicas de formação de capital social sejam aplicáveis a todas as pessoas e grupos sociais, faremos aqui um recorte no segmento de público que mais tem crescido nos últimos tempos e que vai se tornando, cada vez mais, uma pauta de abordagem diária para a imprensa. Trata-se do segmento das pessoas idosas e do fenômeno global do envelhecimento demográfico, tema, aliás, pouco tratado na área acadêmica, o que parece confirmar o modo paternalista e assistencialista como é vista a pessoa idosa na sociedade, como se não tivesse ou não pudesse ter qualquer papel social. Igualmente é importante lembrar que o idoso é, hoje, um consumidor urbano de notícias e informações, ao contrário de algumas décadas atrás, quando ainda existiam comunidades rurais e as tecnologias de informação limitavam-se praticamente ao rádio.
O mundo do século XXI será, em grande parte, urbano. Nos países em desenvolvimento, a população urbana decuplicou em apenas 65 anos, passando de 100 milhões em 1920 a 1 bilhão em fins do século. Considerando o conjunto da humanidade, hoje com 6,5 bilhões de pessoas – onde se inserem os problemas ecológicos e ambientais, inclusive questões prementes como a mudança do clima e o envelhecimento demográfico –, os planejadores levam em conta dados da Organização das Nações Unidas (ONU) segundo os quais a população poderia se estabilizar entre 8 e 14 bilhões de habitantes em algum momento do século XXI. É importante registrar que 90% desse crescimento populacional ocorrerá nos países mais pobres, conforme o documento da ONU “Nosso Futuro Comum”. Isso significa que os países mais desenvolvidos também terão as populações mais idosas do mundo. De fato isso já vem ocorrendo. Até meados do século XVIII, a esperança de vida nos países europeus rondava os 30 anos. No ano 2000 era de 77 anos e está subindo (SEMPERE e RIECHMENN, 2000, p. 191). No Japão atual é de 85 anos. Em 2050 dois em cada cinco japoneses terão mais de 65 anos, somando-se a uma população superior a dois bilhões de idosos em todo o mundo, segundo projeções da ONU. O gráfico a seguir dá uma ideia da situação. É possível, observar, por exemplo, que, apesar de a longevidade estar crescendo também nos países pobres, a sobrevida segue elevada proporcionalmente à qualidade de vida do país onde vive o idoso. Assim, na faixa superior a 80 anos, os porcentuais de sobrevida vão se reduzindo drasticamente nas regiões mais pobres, se comparadas com as regiões mais ricas do planeta. Ao passo que na Alemanha (15,3%) e no Japão (15,2%) a Quarta Idade mantém representação expressiva na população, em outros países como Índia (3,3%), México (2,4%) e Nigéria (0,7%) esse segmento é cada vez menor.
Perante esses dados, parece correto supor que os meios de comunicação, notadamente os Novos Meios de Informação e Comunicação (Nomic), sem abrir mão dos meios tradicionais, têm muito a contribuir nessa tarefa de dar visibilidade social aos grupos excluídos, neste caso ao segmento dos idosos, sempre que estivermos falando de um jornalismo socialmente comprometido.
É curioso observar que, muitas vezes, na busca desenfreada do lucro, o capitalismo acaba flanqueando alguns espaços que a sociedade organizada pode explorar. Um exemplo claro é o apoio que a Comissão Europeia vem dando ao desenvolvimento de novos produtos midiáticos na área das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Desde 2007 até 2013 a União Europeia e os EUA, junto com o setor privado, investirão mais de um bilhão de euros em pesquisa e inovação dentro do programa “Envelhecer bem na Sociedade da Informação”. Apesar dos objetivos econômicos, o programa está organizado em normativas que podem contribuir com a inclusão social, tais como: 1. uma Sociedade da Informação aberta a todos (IP/05/643); 2. uma Sociedade da Informação aberta ao crescimento e ao emprego (IP/05/643); 3. Acessibilidade Eletrônica (IP/05/1144); 4. uma agenda política de inclusão digital, conforme acordado em 2006 pelos Estados-membros reunidos em Riga (IP/06/769).
Da verba total, 600 milhões de euros são destinados ao programa “Vida Cotidiana Assistida pela Comunidade”, 400 milhões de euros destinam-se ao recente Programa Marco de Pesquisa da União Europeia (IP/06/1590) e 30 milhões foram aplicados em 2007 no Programa de Apoio à Política em matéria de TIC (IP/06/716). O objetivo, segundo o site da UE, é
“criar uma sólida base industrial na Europa para as Tecnologias da Informação e da Comunicação e o envelhecimento. A própria Europa poderia converter-se em um mercado referencial das TICs para um envelhecimento melhor. Posto que o envelhecimento é um fenômeno mundial, uma indústria europeia forte significaria oportunidade em todo o mundo”.
Ao lançar o plano em junho de 2007 em Bruxelas, a comissária europeia de Sociedade da Informação e Meios de Comunicação, Viviane Reding, disse que “as Tecnologias de Informação e Comunicação proporcionarão novos produtos e serviços mais acessíveis que respondam às necessidades de nossos idosos”, lembrando que a pesquisa voltada para o desenvolvimento de aplicações mais práticas e simples, de mais fácil compreensão e utilização, tem um âmbito de aplicação muito mais amplo.
Dessa forma, atraindo os empresários para o negócio, a Comissão Europeia contribui, de modo substancial, para chamar a atenção da sociedade para o fenômeno do envelhecimento demográfico, que, do ponto de vista ecológico, é tão importante quanto a mudança do clima e, no entanto, não vem sendo tratado com a devida seriedade, uma vez que parece estranho falar de “envelhecimento” na Sociedade do Conhecimento permeada por bens simbólicos que remetem a um mundo freneticamente high tech, sem tempo ou sem espaço para reflexões. Resulta claro, todavia, que os investimentos em TICs também podem ser canalizados para o empoderamento de pessoas e grupos sociais visando à elevação do capital social, mesmo que não seja esta a intenção primeira da elite econômica que centraliza os meios de comunicação. O documento da União Europeia reconhece que a maioria dos idosos ainda não se beneficia das vantagens da era digital, por exemplo, e que só 10% deles, na Europa, utilizam a internet. O programa da UE defende “comunicações de baixo custo e serviços on-line especialmente dirigidos aos idosos”, o que poderia aliviar suas limitações de locomoção, além de poder gerar até mesmo um mercado virtual para o trabalho do idoso no lar. Conforme o documento,
“os graves problemas de visão, audição ou destreza frustram com frequência os intentos de 21% das pessoas de mais de 50 anos que tentam integrar-se na Sociedade da Informação”.
Trata-se de uma situação que realmente demanda algum tipo de atenção – não só na Europa, mas em todo o mundo – pois, conforme os levantamentos que deram origem ao programa da UE para envelhecer bem,
“em 2020, 25% dos cidadãos da União Europeia terão mais de 65 anos. Calcula-se que o gasto com pensões, assistência à saúde e cuidados de longa duração aumentarão de 4% a 8% do Produto Interno Bruto-PIB, nos próximos decênios e em 2050 o gasto total triplicará”.
O objetivo do programa de apoio às TICs é a formatação de programas, inclusive na área da Comunicação, que ajudarão cada vez mais as pessoas idosas a prolongar sua vida ativa e produtiva, a continuar participando da sociedade com serviços on-line mais acessíveis e a desfrutar durante mais tempo melhor qualidade de vida e melhor saúde. É necessário lembrar, ainda de acordo com o documento, que “os europeus mais idosos são também importantes consumidores, possuindo bens que superam os três bilhões de euros”. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, onde a maior parte da economia americana está sob controle de pessoas com mais de 75 anos. E nos Estados Unidos os idosos estão se organizan do em força eleitoral e já são maioria no Congresso, comprometendo-se a votar projetos que beneficiem diretamente esse segmento da população (THUROW, 1997).
O Plano de Ação que integra o Programa da UE “Envelhecer bem na Sociedade da Informação” pretende
“aumentar a sensibilização e criar consenso por meio da cooperação dos interessados, incluindo um portal de internet sobre melhores práticas; acelerar a aceitação das novas tecnologias por intermédio, por exemplo, de um conjunto de projetos piloto e de um sistema de prêmios europeus para lares inteligentes e para aplicações que favoreçam uma vida independente; impulsionar a pesquisa e a inovação, apoiando o surgimento de produtos, serviços e sistemas inovadores baseados nas TICs, destinados aos idosos europeus, cada vez mais numerosos”.
Todos esses dados revelam que os meios de comunicação, em todo o mundo, precisam se voltar, com atenção, para este segmento de público que se faz cada vez mais importante entre os consumidores de informação. A grande pergunta é se os jovens atualmente empenhados na formação acadêmica para o futuro desempenho do jornalismo estão sendo conscientizados, preparados, sensibilizados para o cumprimento dessa nova pauta. Afinal, o envelhecimento não pode ser visto como um “modismo”, um fenômeno “de momento”. A opção, para todas as pessoas, incluindo os jovens, não é escolher entre “sim” ou “não” nesta questão. Portanto, o jovem que hoje convive com a presença do idoso na própria família, ao frequentar a casa dos amigos, no ambiente de estudos, no comércio, nas ruas, nos meios de comunicação, nas manifestações de todo tipo sabem que isto se tornará cada vez mais frequente, como indicam as estatísticas, e sabe também que este será o seu mundo futuro. A característica das questões eminentemente sistêmicas como esta é que todos estão imbricados, de um modo ou de outro, na complexidade do mundo, daí a importância ecológica do problema. Se não temos a opção de “não envelhecer” só nos resta a opção de “envelhecer bem”. Por isso a questão do idoso deve ser tratada, em nível de comunicação, não com pieguice, paternalismo ou comiseração, mas com a dignidade e o respeito que o fato merece. Assim, não se deve tolerar qualquer tipo de discriminação dos meios de comunicação ou da sociedade em relação aos idosos. O Brasil inova nessa matéria com a criação do Estatuto do Idoso, que protege os direitos da pessoa idosa e pune a discriminação. Mas ainda não há, no país, uma cultura de respeito aos “maiores”, para usar o carinhoso termo espanhol, como ocorre em países orientais, caso do Japão e da Índia, por exemplo. Tanto assim que o próprio Estatuto cobra dos empresários de mídia um espaço próprio para a Terceira Idade, mas isso é, praticamente, ignorado.
Do mesmo modo que a preparação dos futuros jornalistas para lidar com temas ambientais ainda é precária no Brasil, pois só algumas universidades adotam essa questão como matéria disciplinar nos cursos de Comunicação, também é escassa e quase inexistente a preocupação em preparar os comunicadores para a pauta do envelhecimento demográfico. Mas alguma coisa já está surgindo e um exemplo é o caso das universidades abertas à Terceira Idade, que podem ser um instrumento de aplicação da teoria do empoderamento ou do capital social na medida em que preparam o idoso para uma vida social ativa e plena.
Vimos neste artigo que as técnicas de empoderamento podem contribuir significativamente para a inclusão dos indivíduos e dos grupos sociais. Também vimos que o empoderamento faz crescer o nível de capital social da comunidade, levando a uma participação cidadã mais efetiva. Consideramos que os meios de comunicação têm importante contribuição a dar a este respeito e registramos a possibilidade de se produzir empoderamento a partir dos investimentos nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Finalmente apontamos o caso das universidades abertas à Terceira Idade, as quais são exemplo prático de aplicação das técnicas de empoderamento que merecem mais cobertura da mídia. O que queremos chamar atenção, entretanto, é para o pouco destaque que os meios de comunicação dão à questão do envelhecimento demográfico e para a falta de interesse dos cursos de Comunicação Social em preparar os futuros jornalistas em temáticas de cunho ambiental e de ecologia humana, como no caso da visibilidade dos idosos na sociedade, por meio da mídia.
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