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Viagem pelo novo mundo

Postado em 01/04/2000

Malu Maia
Nos anos de 1950 ou 1960, um valvulado companheiro oferecia um passatempo high tech interessante: a possibilidade de vasculhar o seu dial em ondas curtas à busca das mais distantes emissões do planeta. O resultado, na maioria das vezes, era sons quase inaudíveis que reproduziam idiomas igualmente incompreensíveis. Mas isso não reduzia em nada o fascínio dessa aventura. O deleite não estava somente nas notícias ou músicas que podiam ser ouvidas, mas especialmente no prazer de estar de ouvidos grudados numa realidade tão distante. As características do rádio já nos davam uma agradável sensação de intimidade e domínio, talvez porque correr o dial de um lado a outro, com o cuidado e a perspicácia que a precária tecnologia da época exigia, nos transferia uma perspectiva de interatividade e conquista, em vez da idéia de um produto bem embalado, disponível para pronta-entrega como sugere a tevê e o cinema.
A Internet revigora essa possibilidade. A tecnologia pode não ser tão precária como antes, ainda que prometa muito mais do que possa ser oferecido hoje, mas estabelece, de modo semelhante, um contato pessoal e íntimo com o mundo distante. E, assim, não é por acaso que seus usuários são chamados de internautas. Da mesma forma que nos antigos rádios, isto é, sentados num canto qualquer da casa, os internautas podem zarpar diuturnamente à procura de novas realidades. Desta vez não mais orientados pelo acaso ou pela sorte de conseguir captar uma boa emissão naquele horário, mas norteados pelos próprios interesses ou por suas paixões. Nesse sentido, ao contrário do que possa parecer, não dependemos muito da tecnologia, mas de nossas expectativas e habilidades. No mundo real, o deslocamento depende de um destino conhecido, no mundo virtual, o que se exige para o sucesso da viagem é mais subjetivo: ter interesses definidos. Esse é o grande diferencial da Internet.
Para o deslocamento nas áreas de interesse, a tecnologia evoluiu muito, porém, a ocupação do espaço virtual ainda engatinha. O que se vê no geral é herança das mídias conhecidas ou a transferência, ainda que nobre, para o campo virtual, de serviços tradicionais disponíveis, tais como vendas, pesquisas bibliográficas etc. Ainda são poucas as intervenções próprias para a exploração do potencial que a tecnologia já oferece para ocupação genuína desse espaço, pois a Internet não é exclusivamente uma mídia, como muitos a designam. É um mundo em si. Reúne o que de melhor e pior o ser humano é capaz de produzir. Deverá ter uma forma, uma arquitetura e uma comunicação próprias e capazes de despertar os sentidos de uma maneira ainda desconhecida. Ela possibilita o encontro e a interação tal qual no mundo real. Para quem gosta de literatura, por exemplo, é possível desde comprar os últimos lançamentos em livrarias ou raridades nos sebos online - e isso é o mais óbvio da Internet - até encontrar interlocutores em qualquer canto do mundo, pesquisar a história universal sob os mais diversos olhares e descobrir como a palavra está sendo explorada, utilizada e aplicada nesse universo. As mesmas oportunidades estão presentes em todas as áreas, das mais nobres às mais bizarras.
Entretanto, no deslocamento virtual, o conceito de distância merece ser revisto. Ele se relaciona com a subjetividade e não mais com os limites geográficos. Não interessa se o que se busca está na Ucrânia ou no computador ao lado, mas a distinção entre o seu olhar e outros infinitos olhares presentes no mundo virtual.
Esse deslocamento não tem definido um ponto de partida e chegada. Cada ponto de chegada remete a infinitos pontos de partida. O seu interesse vai se ramificando na medida em que se desloca. Isso não significa dispersão, mas sim, uma trama de hipóteses que o internauta tece a cada clique.


Malu Maia é jornalista e responsável pelo Sesc Online

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