Postado em 02/05/2012
Com mais de 40 anos de carreira, Antônio Petrin coleciona papéis marcantes na televisão, com destaque para Pantanal, Malu Mulher, Éramos Seis e Chiquinha Gonzaga, e no cinema, tendo atuado em filmes de Tata Amaral, Hector Babenco e João Batista de Andrade. Porém, é nos palcos do teatro que Petrin se formou e que se sente mais livre para explorar as possibilidades da interpretação.
Formado pela Escola de Arte Dramática (EAD), recebeu o Prêmio Apetesp de melhor ator de 1983 por seu desempenho no espetáculo Ganhar ou Ganhar, de Donald L. Coburn, com direção de Celso Nunes. Petrin esteve em cartaz até o mês passado com a peça Palácio do Fim, dirigida por José Wilker, no Sesc Consolação.
Em entrevista à Revista E, ele fala sobre seu método de interpretação e sobre as mudanças do teatro brasileiro na década de 1960. “O público ia em massa ver teatro político. Nós servíamos de porta voz daquele público contra as condições que existiam”, afirma. “O teatro político era forte, nós tínhamos grandes autores, o Augusto Boal era um grande encenador, o Arena Conta foi histórico, Arena Conta Tiradentes, Zumbi. E os atores, Paulo José, Lima Duarte, Milton Gonçalves, pessoas que fizeram a história do teatro brasileiro.”
Por que você resolveu se tornar ator?
Nem eu sei responder. Hoje, depois de 50 anos, eu me pergunto como eu pude virar um ator em um bairro operário de Santo André. A igreja era a referência de diversão da comunidade. Para atrair fiéis, ela começava a promover jogos, brincadeiras, exibir filmes do Charles Chaplin e a fazer peças amadoras contando as histórias dos santos.
E lá estava eu fazendo algumas peças e aquilo me encantou. Já mais velho, no meu bairro, tinha um rapaz, que disse que ia fazer matrícula em uma escola para ser ator e me perguntou se eu queria ir com ele. E nós fomos. No final das contas, ele não foi aprovado. Mal sabia eu que quem entraria para a Escola de Arte Dramática [EAD] seria eu.
Qual sua ligação com o teatro político?
Eu, um cidadão de Santo André, alienado das coisas do mundo, quando entro para a EAD, começo a ter uma nova visão da vida, da sociedade, começo a ter consciência do que significo, eu e minha geração. O golpe militar começa a cercear a liberdade de imprensa, eu obtinha essas informações na escola, que é um divisor de águas na minha vida.
Também tem meu pai que era um cidadão muito político, ele tendia ao Partido Comunista, fazia propaganda para o candidato do Partido Comunista. A minha própria origem, minha família era de trabalhadores, eu vivia com o meu irmão em um bairro pobre. Na escola, começamos a estudar Brecht [Bertold Brecht, dramaturgo e diretor alemão marxista], teatro político. O público ia em massa ver teatro político, até porque os estudantes eram os grandes espectadores de teatro.
O teatro era muito presente na vida social. Servíamos de porta-voz daquele público contra as condições que existiam. Tanto é que, nessa época, a censura começou a exercer seu poder de forma mais violenta. O teatro passou a ter, antes da estreia, um ensaio para um censor, que foi a coisa mais abominável por que já passei na minha carreira. O teatro político era forte, nós tínhamos grandes autores, o Augusto Boal era um grande encenador, o Arena Conta foi histórico, Arena Conta Tiradentes, Zumbi. E os atores, Paulo José, Lima Duarte, Milton Gonçalves, pessoas que fizeram a história do teatro brasileiro.
O que era fazer a Escola de Arte Dramática nos anos 1960 quando se discutia muito o jeito brasileiro de interpretar?
Esta história de ter uma forma brasileira de interpretar na verdade não existia. Talvez hoje, falando do passado, se procure essa maneira brasileira de interpretação. Na minha época do teatro amador, que fiz durante muito tempo, ninguém sabia o que era método de interpretação.
Eu achava que isso não existia. Isso teve início nas escolas, você aprende que existe método para interpretar, mesmo porque o teatro brasileiro já existia. O desenvolvimento do teatro brasileiro, que veio de Jaime Costa, Procópio Ferreira, aquelas peças de teatro de costumes, todos esses atores marcaram suas épocas. O que a gente tinha de mais original era o teatro de Martins Pena [dramaturgo que introduziu a comédia de costumes no Brasil], na época considerado o Molière brasileiro, mas estava longe de ser isso.
O teatro brasileiro era uma coisa amadora. O Oficina começa do teatro amador, o Zé Celso. Eu me lembro que na EAD ia uma pessoa vender livros e tinha lá livros sobre o Stanislavski [ator e diretor russo que inovou o método de interpretação cênica], mas era em espanhol, nem edição brasileira tinha. A biblioteca da Escola de Arte Dramática era excelente, mas praticamente todos os volumes estavam em francês, inglês ou espanhol.
Em português, quando havia algum, era português de Portugal. Só mais tarde começam a aparecer [edições nacionais]. Na EAD, havia várias pessoas em sua primeira experiência em atuar. Eu e meus colegas, que tínhamos vindo do teatro amador, achávamos um absurdo que um sujeito que nunca tinha pisado em um palco quisesse estudar arte dramática.
E essas pessoas tinham um preparo intelectual melhor do que o meu, pois estudavam filosofia, odontologia. Na escola, nos reuníamos e líamos Stanislavski, aquilo era fascinante. Nesta época, o Teatro de Arena era o nosso grande modelo, em que o operário finalmente estava em cena, enquanto no TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], já decadente, só a aristocracia e os grandes clássicos eram encenados.
Qual era a sua impressão como ator iniciante, neste período, ao ver um espetáculo do Teatro Brasileiro de Comédia depois de ter visto uma peça do Teatro de Arena?
Era diferente. Eu assisti um espetáculo chamado Em Moeda Corrente do País [peça de Abílio Pereira de Almeida, escrita em 1957, montagem de 1960], com Cacilda Becker e Walmor Chagas, aquilo eu assistia embevecido, e aquele texto era brasileiro, do Abílio Pereira de Almeida, era uma coisa fascinante. Depois você vai ver Cacilda fazendo A Dama das Camélias [adaptação do romance de Alexandre Dumas Filho, publicado em 1848, levada aos palcos em 1951], aquela coisa clássica. A aristocracia paulistana ia ao TBC.
O outro jeito que aprendíamos na escola era dizer as falas de forma impostada, e não dava para criticar, porque era a única formação que tínhamos, que vinha da escola francesa, italiana, dos grandes diretores, tanto que a Escola de Arte Dramática começa em cima do TBC.
Quando a forma mais naturalista de interpretação do Actors Studio, que o Augusto Boal traz para o Brasil, deixa de ser o projeto de um grupo para ser mais disseminado?
Isso dependia de cada diretor. Se você trabalhava com um diretor como o Ademar Guerra, com o qual eu trabalhei, ele tinha essa preocupação em trabalhar a interpretação de forma diferente da maneira da do TBC. Alguns diretores percebiam, a partir da experiência do José Renato e do Augusto Boal no Teatro de Arena, a intimidade que o Teatro de Arena oferecia.
Até hoje, é muito diferente você representar em um palco italiano e em uma arena, em que precisava de muito menos esforço vocal. O grande diferencial era a empostação que se fazia. A televisão é que muda a maneira de representar, que introduz o naturalismo. Lógico que o cinema, o Marlon Brando, o Actors Studio, aqueles grandes filmes que começavam a parecer, o maniqueísmo dos atores, que depois acaba se tornando uma coisa chata, o próprio Marlon Brando vai abrindo mão desta maneira de se representar.
Era uma época. Assim como o teatro do corpo também foi uma moda, o foco na expressão corporal. Então, todo o espetáculo tinha que ter um contorcionismo na interpretação, as pessoas se desnudando em cena, criando uma maneira nova de representar. O Arquiteto e o Imperador da Assíria [escrita por Fernando Arrabal em 1966 e encenada em 1970], com José Wilker e Rubens Corrêa, já era uma pequena amostra de como o teatro começa a ganhar o corpo, era uma maneira que surpreendia a gente, mas não durou muito.
Os anos 60 tiveram modismos radicais, como o teatro de provocação ao público. Como essas peças eram recebidas?
Isso começa com o Oficina, achar que a burguesia é a responsável pela situação política do País, o que de certa forma era. O que acabou acontecendo é que ninguém mais ia ao teatro, porque ninguém queria ser agredido, mas o teatro começa a ganhar fôlego com isso. Roda Viva, por exemplo, mas hoje o Chico Buarque renega essa peça e não admite mais que a encenem, porque é uma peça fraca, que o Zé Celso pega e transforma em um delírio. Aí começa o teatro político, esse, sim, ganha dimensão forte.
Desde que começou a carreira até agora, o que mudou no fazer do teatro brasileiro?
Quando eu comecei, em Santo André, as leituras de mesa não eram tão dedicadas. Depois, isso se torna evidente, o espetáculo sai pronto da mesa, de uma análise profunda do texto, de um estudo do autor, de localizar o objetivo maior do teatro dele. Tudo é pensado na mesa, do figurino à cenografia. Quando eu saí da EAD, comecei a trabalhar com diretores desta maneira. Uma segunda fase foram as improvisações e os laboratórios, não havia um diretor que não fazia um trabalho de mesa de duas horas, logo em seguida laboratório, em que você trabalha seu corpo, e depois as improvisações de cenas.
Qual o seu método para criar um personagem?
Muita pesquisa do personagem e principalmente do autor. Quando eu fiz Mortos sem Sepultura [peça de Jean-Paul Sartre, publicada em 1946], eu pensava ‘como seria este personagem se o Juca de Oliveira fizesse?’ Eu estudava o Jean-Paul Sartre, o que o diretor propunha de discussão sobre o Sartre, sobre a própria obra, por que ela havia sido escrita.
Estudava a ocupação nazista, assistia a filmes, para tentar me engravidar do personagem, mas a minha primeira tentativa era imaginar que eu era o Juca de Oliveira fazendo aquele personagem. Eu nunca contei isso para ninguém [risos], aí eu ia largando o Juca de Oliveira e ia fazendo. Às vezes pensava como o Paulo Autran ou o Raul Cortez interpretariam. Na época, tinha uma coisa muito boa, que nos ajudava a estudar, todo o espetáculo tinha uma sessão para a classe teatral, então nós víamos todos os espetáculos.
Como você se prepara para um papel?
Faço uma árvore genealógica do personagem. Anoto tudo o que os outros personagens falam dele e o que ele fala dos outros. Tento perceber os enlaces dramáticos que o personagem passa, quais são os momentos mais dramáticos do personagem. Se o personagem é real, como em Palácio do Fim [escrita pela canadense Judith Thompson e dirigida por José Wilker], pesquiso a vida dele, mas uma coisa é a pesquisa da realidade, outra é a pesquisa artística. Não posso reproduzir aquela pessoa, posso interpretá-la. Tenho que criar uma imagem muito clara dela e mostrar para o público.
“Uma coisa é a pesquisa da realidade, outra é a pesquisa artística. Não posso reproduzir aquela pessoa, posso interpretá-la. Tenho que criar uma imagem muito clara dela e mostrar para o público”
“Nesta época, o Teatro de Arena era o nosso grande modelo, em que o operário finalmente estava em cena, enquanto no TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], já decadente, só a aristocracia e os grandes clássicos eram encenados”
“Quando fiz Mortos sem Sepultura, eu (...) estudava o Jean-Paul Sartre, o que o diretor propunha de discussão sobre o Sartre, (...) a ocupação nazista, assistia a filmes, para tentar me engravidar do personagem, mas a minha primeira tentativa era imaginar que eu era o Juca de Oliveira fazendo aquele personagem”
“Quando eu comecei, (...) as leituras de mesa não eram tão dedicadas. Depois, isso começa a se tornar evidente (...). Uma segunda fase são as improvisações e os laboratórios, não tinha um diretor que não fazia um trabalho de mesa de duas horas, logo em seguida laboratório, em que você trabalha seu corpo, e depois as improvisações”
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