Na esteira da modernização do país, os deslocamentos populacionais não seguem mais os modelos tradicionais. Hoje em dia, as migrações obedecem esquemas mais complexos, dotados de muitas variantes. Além da possibilidade de trabalho, a qualidade de vida, o lazer, a recuperação dos laços familiares e a desconcentração econômica brasileira também são determinantes para a mudança de endereço. E m fevereiro do ano passado, em sua coluna na revista Veja, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo analisou a expansão populacional brasileira por meio de um exemplo bem prosaico: o futebol. Na semana anterior à publicação do artigo, jogaram pela Copa do Brasil, Santos, de São Paulo, e Sinop (Sociedade Imobiliária do Nordeste do Paraná), do Mato Grosso. A partir da excentricidade da tabela futebolística, o articulista comparou a trajetória das duas cidades. “Santos, fundada em 1543, é uma das cidades mais velhas do Brasil. Sinop, de 1974, é uma das mais novas. Santos surgiu quando os portugueses começavam a explorar as beiradas, e não mais que as beiradas, das terras recém-descobertas. Sinop inscreve-se no capítulo da marcha para o oeste das últimas décadas”, escreveu. O texto mostra como as origens das duas cidades se equipararam na ambição e no engenho humano em estabelecer raízes, criar vínculos e prosperar. Segundo o articulista, a diferença mais aguda entre os dois projetos é que em Santos o acaso e a fé guiaram a empresa jesuítica, enquanto a distante Sinop valeu-se da “previsão e da ciência” como essência fundamental. O que mais chama a atenção na empreitada urbanizadora de Sinop é a vocação humana para se mobilizar e deslocar o próprio esqueleto e toda parafernália que garante o conforto da civilização. Esse esforço é observado por Roberto Pompeu, que conclui seu artigo ressaltando a inclinação brasileira em erigir núcleos urbanos: “No Brasil ainda se fazem cidades, e está aí Sinop, com esse nome feio e absurdo, para provar. Em poucos países, talvez nenhum, ainda se fazem tantas cidades. E, ainda por cima, elas logo se enchem de gente. Palmas, capital do Tocantins, surgiu há dez anos e já tem 140 mil habitantes. Sinop tem mais de 50 mil. Isso é bom? É ruim? Pode simbolizar o dinamismo do país, sua coragem e determinação em preencher os claros de seu mapa, mas pode querer dizer também que aqui está sempre sobrando gente – gente expulsa, deserdada, insatisfeita, disposta sempre a partir para outra. O leitor faça sua opção”. Essa pergunta capciosa amarra a essência dos deslocamentos humanos no Brasil: uma voracidade intrínseca que chegou com os portugueses e aumentou pelas muitas necessidades. Apuros que empurraram as massas do Nordeste para o Sudeste, do Sudeste para o Sul e do Sul para o Centro-Oeste e que atualmente assumem proporções muito mais complexas e implicam movimentos bem mais sutis do que as grandes migrações, a nuança mais bem acabada dos deslocamentos. Hoje, ao se relevar as muitas alternativas, seja pelo crescimento do país, seja pelo desenvolvimento tecnológico ou mesmo devido às relações sociais apuradas, a mobilidade é flagrada em diversos momentos do cotidiano. Ainda está presente nas retiradas que cobrem grandes distâncias atrás de trabalho e perspectivas, mas está relacionada, além disso, a outros eventos, como uma excursão de turismo, a possibilidade de uma vida mais saudável, a tentativa de salvar um casamento. Retirantes Quando se analisam os deslocamentos humanos no Brasil, logo vêm à mente as grandes migrações que transferiram um contingente enorme de pessoas do Nordeste para o Sul, ou, mais precisamente, para a cidade de São Paulo. Durante seis décadas, milhões de nordestinos deixaram o solo desolado do sertão em busca de um sonho materializado na perspectiva abstrata de “uma vida melhor”. Até o começo dos anos de 1980, esse percurso era a confirmação das teorias que buscavam explicar os movimentos migratórios baseados em referências geográficas rígidas, ou seja, gente que abandonava o lugar de origem para chegar em um destino predefinido. “Hoje, as cidades sulinas não podem mais assimilar o contingente que chega”, explica Dirceu Cutti, editor de Travessia – Revista do Migrante. “Devido a essa nova lógica, as pessoas não conseguem se fixar na nova cidade e acabam se entregando a bicos ou empregos temporários. É a mobilidade total.” Segundo Dirceu, essa é a origem dos novos andarilhos. Pessoas que não se encaixam nas necessidades institucionais e não são absorvidas como mão-de-obra. “É um contingente que cresce a cada dia, mas se esconde à margem da sociedade.” Uma das conseqüências desse novo fenômeno social é o aumento do número de albergues e de casas de pouso no interior do Brasil, construídas no rastro da população desvalida, enxotada pela falta de emprego. O ineditismo dos “neomigrantes” corrobora uma nova teoria para a migração. Se antes ela era vinculada à existência de trabalho, atualmente o fluxo incessante de andarilhos pelas cidades desafia explicações racionais. Sem emprego e perspectivas, perdem-se as referências e a imigração torna-se uma alternativa na pobreza. As novas realidades econômicas contribuem para refrear o movimento migratório. Os estudos mais recentes baseados nos dados demográficos do Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade) mostram que a taxa de crescimento do município de São Paulo, que era de 4,5% no fim da década de 1970, baixou para 0,34% entre 1991 e 1996. Isso significa uma enorme saída de população da maior metrópole do país, inclusive com trocas migratórias negativas para a capital paulista, com relação a determinados fluxos migratórios; apesar de, no cenário nacional, o estado de São Paulo ainda canalizar o fluxo migratório do país. “Em números absolutos, São Paulo ainda é o destino prioritário dos imigrantes, mas a partir dos anos de 1990, o estado perdeu a capacidade de assimilação. Portanto, considerando certos movimentos de migração, ou seja, São Paulo e Paraná, São Paulo e Minas Gerais e mesmo São Paulo e as zonas urbanizadas do Nordeste, houve, nesse período, mais gente que saiu do que entrou. Agora, entre São Paulo e o Nordeste rural, as trocas migratórias são positivas e o contingente que chega é mais numeroso do que a soma de imigrantes das outras regiões”, explica Rosana Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp (NEPO). Existem algumas teorias que explicam a queda da imigração para São Paulo. Uma diz respeito à desconcentração econômica que partilhou o investimento financeiro, antes concentrado no Sul e Sudeste, com outras regiões desassistidas. Essa situação conjuntural permite o movimento de retorno dos emigrados para as regiões de origem, além de seduzir aqueles que não partiram para permanecer. “Os imigrantes que vêm a São Paulo não têm mais perspectiva de trabalho. Vêm atrás de redes sociais com parentes que se estabeleceram aqui há mais tempo”, conclui Rosana. Sem parar No caso de Maria Aparecida dos Santos Silva, a prática confirma a teoria como num perfeito, embora irreal, laboratório social. As observações empíricas do caso concreto confirmam as suspeitas delineadas pelas estatísticas. Senão, vejamos: Cida chegou em Sorocaba há cinco anos, proveniente de União dos Palmares, a terra de Zumbi. No primeiro momento não nutria preocupações excessivas com trabalho ou sustento da família. Da mesma forma, não empenhou todas as esperanças no Eldorado sulista – terra de promissão e abundância. Seu propósito ao desembarcar na rodoviária do Tietê tinha caráter sentimental. Sua missão era salvar o próprio casamento. Como? Viria a São Paulo, onde já moravam parentes e contraparentes, e aqui esperaria o marido com o intuito de iniciarem uma vida nova e, quem sabe, resgatar a paixão esmaecida. Infelizmente, as traquinagens da vida desataram para sempre o nó conjugal e o intento inicial de Cida não se cumpriu. Resultado: aproveitando a infra-estrutura estabelecida há muitos anos pelos seus, a moça resolveu enfrentar o monstro. Primeiro em Sorocaba, morou com uma ex-cunhada e, depois, na casa do irmão, na capital. Cida, como tantas imigrantes, trabalha em casa de família. Depois de conseguir um emprego, ela trouxe o filho adolescente, que mora vizinho a um tio em Cotia, grande São Paulo, numa casa alugada pela mãe. Hoje, avaliando esses cinco anos, Cida diz que não concebe alguém morar em um fim de mundo como Palmares. Para ela, São Paulo é insubstituível, pois “o trabalho está aqui e se a pessoa perseverar, ela pode ter o que quiser”. A ressalva é quanto ao preço da moradia, “o aluguel é muito caro”, mas de resto ela concede ao monstro e às suas adjacências olhar transigente. Nem mesmo a violência que, segundo ela, povoa o imaginário de quem está prestes a partir para enfrentá-lo, assusta em demasia no traquejo cotidiano. “Pela tevê, a gente ficava apavorada, mas quando chega o problema não é tão grave como pintam”, afirma. E mesmo com pouco tempo de metrópole, ela já fala de cátedra. Quando viaja para Palmares de férias, reclama do silêncio exagerado, do colear moroso do tempo. “Não consigo me acostumar.” Mesmo sem saber, Cida participa ativamente das estatísticas que comprovam as novas formas de deslocamento sugeridas no começo da matéria. É justamente essa mobilidade curta, concentrada em um espaço geográfico reduzido, que desafia a interpretação dos especialistas. É verdade que ainda existe, em grande número, a migração de retorno, ou seja, daqueles que deixam o destino original para regressar aos locais de origem. Mas entenda-se, nesse caso, origem como referencial meramente geográfico, pois em tantos anos, o migrante quase nunca encontra a situação original. Na volta, normalmente ele é absorvido no mercado de trabalho do setor terciário das capitais ou nas cidades de maior porte, em número cada vez maior. Porém, o fenômeno que marca os deslocamentos mais recentes, na maior parte, reduz-se aos deslocamentos pendulares (dorme em um município e trabalha em outro) ou a uma intensa mobilidade inter-regional, com trânsito constante entre municípios próximos. De acordo com uma pesquisa de Rosana Baeninger, entre 1991 e 1996, 923 mil pessoas mudaram de município na região metropolitana de São Paulo, enquanto 4,5 milhões trocaram de cidade no estado de São Paulo. “Nos anos de 1980, 650 mil pessoas deixaram a capital com destino ao interior do estado, sendo que 50% desse contingente era dotado de qualificação técnica, administrativa e científica, e recebia, segundo o censo, mais de dez salários mínimos. Essa é a prova da reestruturação produtiva, que desviou o curso dos investimentos. Foram criados outros centros produtivos que receberam essas pessoas. Hoje, no estado de São Paulo, as regiões de Campinas, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Santos e Araçatuba desenvolveram uma grande infra-estrutura urbana graças a esse processo”, observa a pesquisadora do NEPO. O novo cenário econômico alterou os conceitos sobre imigração. Se antes o êxodo era rural, hoje as pessoas trocam de cidades, criando, nas palavras de Rosana, “regiões polarizadoras e novas espacialidades”. Olhando atentamente para os números, nota-se que a cidade de São Paulo perde habitantes para os municípios adjacentes (Guarulhos cresceu a 4,31%/ano, entre 1991 e 1996), assim como Campinas, que também sofre com o êxodo. “Essas observações derrubam o mito da explosão demográfica dos grandes centros e provam que o desenvolvimento econômico não está diretamente relacionado ao tamanho da população. Existe hoje uma realocação inter-regional que expressa os fenômenos sociais”, conclui. Vira mundo Dentro da nova dinâmica populacional, é preciso investigar os motivos que levam a constantes deslocamentos. A expansão das fronteiras agrícolas aparece como alternativa para explicar o surgimento de Sinop. Palmas, capital do Tocantins, por exemplo, surge como espaço alternativo dentro de um novo estado. Mas, analisando um contexto mais local, fica uma pergunta: o que leva alguém a deixar São Paulo para morar em Ribeirão Pires ou sair de São José e mudar para Araçatuba? O especialista em recursos humanos e headhunter, Simon Franco, faz uma ponderação pragmática: “A pessoa só deixa o lugar onde está se houver possibilidade de trabalho na cidade de destino. Os outros fatores são subsidiários. O trabalho é o centro das decisões, apesar de não ser o único. Quando existe essa perspectiva, a pessoa pesa outros aspectos como qualidade de vida e, se for o caso, muda”. Nesse sentido, o manual de administração moderna reza que em algumas empresas, principalmente nos setores de informática e telecomunicações, em que a modernidade faz sua avant-première, a produção não depende mais do controle rígido sobre os passos dos funcionários. Esse modelo caiu na obsolescência e abriu lugar para o que se denomina de controle de resultados calcado “na mobilidade de horários sem a necessidade de o funcionário estar todo o tempo na sede da empresa”, conforme a análise de Simon Franco. O teletrabalho, como se batizou esse sistema, convive bem com as dificuldades da vida moderna. Com mais tempo em casa, evitam-se trânsito, horas perdidas e o trabalho pode render mais. A convivência num ambiente familiar mais equilibrado e a liberdade de trabalhar em um horário mais conveniente favorecem a produção. A economista Isabela Baleeiro Curado, professora do Departamento Geral e de Recursos Humanos da Fundação Getúlio Vargas, concorda com a visão de Simon Franco, mas reforça que essa prerrogativa abrange um número muito pequeno de profissionais e um nicho muito específico do mercado. “São pessoas disputadas à tapa que formam o capital intelectual de uma empresa – um contingente imprescindível com empregabilidade muito alta e que pode trabalhar em casa.” Mas ela ressalta que, na maioria dos casos, os altos executivos desenvolvem uma propensão excessiva para o trabalho e tornam-se muito exigentes com os próprios resultados. “Nessas ocasiões, algumas empresas fazem do local de trabalho um ambiente muito sedutor que chega, inclusive, a proporcionar condições de lazer para que o funcionário não vá para casa.” Já é corrente na Europa e nos Estados Unidos empresas cujas sedes foram transformadas em verdadeiros clubes com sauna, piscina, alojamento, sala de massagem, cama elástica e video games. No Brasil, ainda não se chegou a tanto, mas a idéia de conforto e aconchego acompanha algumas firmas. Nos passos dos avanços tecnológicos, o teletrabalho e as novas empresas sociais formam as duas faces da mesma moeda. Em ambas, a idéia da mobilidade está presente. Tanto em casa, quanto na empresa, nota-se que não vale a pena sair para a rua e enfrentar os obstáculos que dificultam o trânsito e desperdiçam um tempo precioso. É nesse momento que o deslocamento se mostra indispensável. Se, como afirmou Simon Franco, o trabalho é a mola propulsora da migração, esse axioma corresponde, como vimos, a uma parcela mais abastada da população. Uma pesquisa realizada pelo NEPO/Fapesp, em 1993, em 150 municípios paulistas, ressalta bem essa discrepância. Enquanto entre os de menor poder aquisitivo a qualidade de vida estava relegada ao sexto lugar entre os motivos que levaram à mudança de cidade, para a classe média esse foi um quesito muito importante (terceiro lugar). Para Rosana Baeninger, a diferença entre o preço do solo é um dos fatores que explicam as migrações inter-regionais em se tratando de pessoas menos favorecidas. Já os mais abastados podem se dar ao luxo de se curvar a atributos, digamos, secundários, mas que interferem diretamente na qualidade de vida. Foi o que ocorreu com Isabela, personagem exemplar para ilustrar os dados que ela mesma forneceu. Tudo começou há três anos, quando a economista e a família resolveram deixar a capital para buscar paz e ar puro no interior. A decisão implicava deixar o círculo social e a comodidade cultural da metrópole em troca da saúde do filho menor, que sofria de complicações pulmonares: “De bronquite à pneumonia, fiquei expert, inclusive mantínhamos um aparelho de inalação em casa para emergências. Quando você enfrenta uma situação como essa, é fácil fazer a opção. Deixamos pouco para trás e ganhamos muito”. O processo de seleção do destino foi algo incomum: o casal escolheu o novo lar a partir da estrada. “Primeiro decidimos pelo eixo Anhangüera-Bandeirantes, porque o tráfego é melhor que nas outras rodovias.” O passo seguinte, encontrar a cidade ideal. Jundiaí foi logo descartada. No plano rodoviário, Louveira era a próxima escala. Sapeavam de casa em casa, olhando sítios e quejandos quando o destino lhes colocou uma estradazinha vicinal no caminho. No papel de Moisés, vadeando pelo Mar Vermelho, tomaram o caminho e aportaram em uma localidade desconhecida. “Era domingo à tarde. Paramos diante de uma pracinha bucólica, cheia de árvores, com os moradores passeando.” Num passe de romance, marido e mulher se entreolharam e, de pronto, sabiam que ali estava o futuro ninho. “O problema é que não tínhamos a menor idéia de onde estávamos. Imagine a situação ridícula de alguém perguntar ‘que cidade é essa?’” Foi o que aconteceu. A resposta: Vinhedo, um rico município de 40 mil habitantes, a 80 quilômetros de São Paulo. “A cidade é ótima”, afirma Isabela. “Tem uma infra-estrutura invejável, boas escolas, bons restaurantes, cinema. Estamos a vinte minutos de Campinas e o ar daqui é uma maravilha.” Graças às novas tecnologias de telecomunicação e a uma flexibilidade de horários, Isabela e o marido controlam as vindas a São Paulo, que demoram entre uma hora e quinze e uma hora e meia. Em Vinhedo, moram no centro da cidade e levam, junto com os filhos e os “uvas” (os “naturais” da cidade) uma vida provinciana. “Nos damos bem com os vizinhos, as crianças saem na rua sem problemas. Mas, apesar disso, temos noção de que esse é um estágio temporário. Não vamos ficar aqui para sempre.” Mover por lazer Não é só atrás de trabalho que as pessoas se movem. Em tempos atuais, quando o estresse sufoca, lazer e entretenimento são razões muito convincentes para alguém se deslocar. O turismo, por exemplo. Hoje, essa atividade gera milhões de dólares e movimenta um contingente imenso. Se fizermos uma analogia com os grandes deslocamentos migratórios, o turismo apresenta alguns aspectos semelhantes. Por exemplo, o impacto que ele causa nos locais, o contato entre o turista e o morador e a troca cultural. “O turismo é um deslocamento voluntário com intenção de retorno em que o visitante usufrui dos recursos e da infra-estrutura local”, explica Flávia Roberta Costa, técnica do Sesc Paraíso. A definição da atividade turística é muito dinâmica e evoluiu com o tempo. Acompanhou de perto a renovação tecnológica, como a massificação do automóvel e do avião, além do desenvolvimento das condições básicas, como tratamento de água e saneamento. “Até os anos de 1970, o modelo que se adotava era o ‘turismo predador’, que privilegiava o ver e dificultava a convivência do visitante com os moradores”, explica. “Nos anos de 1990, o conceito evoluiu e passou-se a empreender um turismo preservador, que convive com a comunidade local. É uma atividade sustentável, cujo objetivo é preservar o patrimônio natural e cultural. Nas viagens modernas, predominam as excursões individuais ou de pequenos grupos, que possibilitam uma postura experimental e mais especializada por parte do turista.” É essa postura adotada pelo Programa de Turismo Social iniciado oficialmente pelo Sesc em 1979. “Nesses mais de vinte anos foram organizadas excursões para vários pontos do país, apoiadas sempre na motivação social de praticar um turismo responsável e de qualidade”, afirma Flávia. “Desenvolvemos viagens de acordo com a especificidade de cada grupo. Crianças, jovens e idosos são atendidos a partir de singularidades próprias. Quando saímos, mesmo para passeios curtos, na própria cidade, realizamos um processo educativo muito importante.” De São Paulo a Caxias do Sul O diretor financeiro José Rubens de La Rosa é exemplo do dinamismo econômico que criou novos pólos produtivos pelo Brasil. Há três anos, esse paulistano deixou a cidade onde viveu todos os, até então, 39 anos de sua vida para trabalhar em uma empresa estabelecida em Caxias do Sul, nas serras gaúchas. “Antes de ir tive de fazer uma somatória de prós e contras. O lado positivo é que no novo emprego eu teria mais possibilidade de crescer profissionalmente, além de não ficar desatualizado, pois poderia viajar para São Paulo ou para o exterior e, é claro, usaria a Internet. Do ponto de vista familiar, os laços com os parentes que ficaram se enfraqueceram um pouco, mas, por outro lado, ganhei no relacionamento com minha mulher e filhos.” Nem o pretenso choque cultural foi empecilho para José Rubens. Caxias, com 400 mil habitantes, tem boa infra-estrutura cultural, que mesmo quando morava em São Paulo não era usufruída com freqüência por sua família. “Nessa mudança, descobrimos que é possível cortar laços e raízes sem muito sofrimento. E, com uma certa paciência, a adaptação ao estilo de vida da cidade e de seu povo não causa muitas rusgas. É só não criar muitas expectativas e levar normalmente.” Migrantes involuntários Em 1993, Sebastião Salgado iniciou um projeto de investigação fotográfica para mostrar a grande saga da reorganização da família humana no final do século 20, na qual centenas de milhões de indivíduos abandonaram a estabilidade milenar de suas comunidades de origem para seguir outros destinos. Ao visitar mais de 40 países em sete anos, o fotógrafo entrou em contato com o fenômeno migratório, sua dimensão, diversidade e origem. O resultado dessa longa jornada pode ser conferido na exposição Êxodos, em cartaz no Sesc Pompéia entre 18 de abril e 4 de junho. A mostra exibe um acervo de 350 fotos, divididas em cinco capítulos: Migrantes e Refugiados; o Instinto de Sobrevivência, retratando a vida problemática dos mexicanos, marroquinos, vietnamitas, russos e a dificuldade dos sérvios, bósnios e kosovares, assim como os palestinos, que passaram décadas em campos refugiados. A Tragédia Africana: Um Continente à Deriva, trinta anos depois da primeira visita de Salgado ao continente, a constatação de que a situação piorou muito, guerras, genocídios, fome e a fuga de milhões de pessoas. América Latina: Êxodo Rural, Desordem Urbana, mostra a batalha pela terra na Amazônia, em Chiapas e no interior do Brasil. Em São Paulo, favelas cercam a cidade lotada de migrantes, onde a ameaça da violência urbana é constante. Ásia: A Nova Face Urbana do Mundo revela um novo perfil urbano da Ásia com a fuga da pobreza rural. Uma mudança repentina, com o surgimento de favelas e luxuosos centros financeiros como Xangai, Jacarta e Istambul. É a precariedade das megalópoles de sonho. Crianças Hoje, Homens e Mulheres do Novo Século. Sebastião Salgado, que estava em Moçambique, entre os refugiados da guerra civil, fotografou crianças dando início a um trabalho de 15 anos, que envolveu países como Afeganistão, Angola, Bósnia, Brasil, Burundi, Croácia, Hong Kong, Índia, Indonésia, Iraque, Moçambique, Paquistão, Ruanda, Sudão, Turquia, Vietnã e Zaire. Além das fotografias, o evento traz uma série de trinta filmes de três minutos para a tevê, o lançamento de livros e a exibição de um filme de uma hora, inteiramente dedicado às fotos de Sebastião Salgado (confira a programação completa no Em Cartaz).