Postado em 01/02/2000
Dentre os temas setoriais que estimulam balanços e prognósticos sobre o porvir brasileiro - social e individual - a educação, sem dúvida, constitui pedra angular.
A tarefa é gigantesca: como assegurar educação para todos com qualidade?
Dando continuidade à série de debates estimulados pelos 500 anos de Descobrimento, nossos convidados enfrentam esse desafio e oferecem um amplo leque de reflexões (respostas e inquietações) enfocando aspectos candentes
Paulo Renato de Souza
O primeiro ano do segundo mandato do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso na área da Educação caracterizou-se pela profundidade das reformas aprovadas e implementadas, bem como pelas políticas de melhoria da qualidade da Educação no país. O marco institucional do ensino foi profundamente alterado, por meio de Emenda Constitucional e leis - principalmente a Lei de Diretrizes e Bases. As políticas do governo privilegiaram as ações de caráter estrutural, para atingir as raízes das deficiências do nosso sistema educacional.
No primeiro ano do segundo mandato, as ações desenvolvidas mostraram a manutenção da diretriz central de garantia da qualidade do ensino em todos os níveis e da universalização da Educação. As parcerias com estados, municípios, instituições, empresas e sociedade indicam o reconhecimento da nossa política educacional, que valoriza a escola pública como instrumento de cidadania.
Os itens a seguir oferecem exemplos dessa nova diretriz. Criado em 1998, com execução prevista para seis anos, o Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep) objetiva implementar um novo modelo de educação profissional, adequado ao mercado de trabalho e que atue em sintonia com os setores produtivos locais e regionais. O orçamento é de US$500 milhões, sendo metade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), US$125 milhões do Ministério da Educação e o restante do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Ministério do Emprego e Trabalho.
Já foram aprovados 120 projetos, no valor total de R$221.785.241,61, assim distribuídos: 43 convênios com instituições federais no valor de R$83.373.320,00; 27 convênios com instituições estaduais no valor de R$46.286.331,61, e 50 convênios com instituições do segmento comunitário, no valor de R$92.125.590,00.
O Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo), lançado pelo presidente Fernando Henrique, em abril de 1997, objetiva levar a informática a seis mil escolas e a 7,5 milhões de alunos da rede pública de ensino do país, nos níveis de educação fundamental e média. O investimento é de R$110 milhões em capacitação de recursos humanos, montagem de infra-estrutura, hardware e software. O ProInfo já chegou a 2.276 escolas. Estão em funcionamento 223 Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE), responsáveis pela capacitação dos professores e técnicos em suporte e pelos estudos para definição dos softwares a serem usados em sala de aula.
Foram instalados 30.177 microcomputadores. Foram capacitados 1.419 professores multiplicadores e 20.557 professores que atuam em salas de aula. O Programa de Garantia de Renda Mínima, criado para assegurar às famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo condições financeiras que permitam a permanência na escola das crianças e adolescentes de 7 a 14 anos de idade, incentivando a escolarização, é financiado por recursos federais e municipais. Em 1999 foram beneficiadas 504.208 mil famílias e 1.088.070 crianças de 7 a 14 anos de idade, distribuídas em 1.005 municípios. A União repassou R$39.601.467,24 para o programa. Outros 146 municípios estão aguardando a liberação de verbas. A meta é atingir, este ano, 60% dos municípios brasileiros, beneficiando dois milhões de famílias.
O Enem (Exame Nacional de Ensino Médio), criado como sistema de avaliação do ensino médio no país, inova ao medir as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos, em lugar de exigir a simples memorização de conteúdos. Em 1999, 315.960 estudantes fizeram as provas, o que significa 120% a mais do que no ano anterior.
A grande novidade do Enem é o seu reconhecimento pelas instituições de ensino superior. Mais de 90 universidades confirmaram a utilização do exame como um dos critérios de ingresso aos cursos de graduação. Em 1998, apenas quatro instituições aproveitaram os resultados para seleção de alunos.
Conhecido popularmente como Provão, o Exame Nacional de Cursos é um sistema de avaliação do ensino superior criado pelo Ministério da Educação. Recebido com resistência por estudantes e instituições há quatro anos, quando foi realizado pela primeira vez, teve em 1999 um comparecimento recorde de 94,5% dos graduandos inscritos e também o menor porcentual de provas em branco - apenas 1,4% dos 163.981 graduandos. No ano que passou, 13 cursos foram avaliados: Administração, Direito, Economia, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Jornalismo, Letras, Matemática, Medicina, Medicina Veterinária e Odontologia. Em 2000, mais cinco cursos serão avaliados.
O exame vem conseguindo alcançar seu objetivo de melhorar a qualidade dos cursos. Um exemplo é o aumento significativo de professores com mestrado e doutorado.
De 1998 a 1999, o número de docentes com mestrado cresceu em 23,1% e os com doutorado teve um saldo de 29,4% em apenas dois anos. Por fim, o Financiamento ao Estudante (Fies) constitui um novo sistema de financiamento ao estudante do ensino superior, tendo beneficiado, em 1999, mais de 80 mil alunos, incluídos os ex-bolsistas das entidades filantrópicas, que entraram direto no financiamento. A idéia do programa é ajudar os estudantes matriculados em cursos de graduação de instituições particulares de ensino superior a custearem sua formação.
Walnice Nogueira Galvão
Tudo indica que paira sobre a educação brasileira uma palavra de ordem mais ampla e geral que é o desmonte do estado. De repente, tudo que era bem comum é vendido para um dono, e o dinheiro não se sabe para onde vai. Mas, com certeza, não vai para coisas que beneficiem a maioria da população, como geração de empregos, saúde e educação - para falar só nas mais urgentes.
Assim, os cidadãos ficam sem o patrimônio e sem os serviços que esse patrimônio oferecia. Em compensação, ficam com a dívida, que vão ser obrigados a pagar.
O desastre que é hoje a educação brasileira tem data de inauguração: até 1964 a rede pública era de qualidade, tanto no primário quanto no secundário. As pessoas mais abonadas disputavam lugares para os filhos nas escolas públicas, as quais, como era do conhecimento de todos, eram melhores que as privadas. Em poucos anos, a ditadura tinha invertido a relação. Assistiu-se à destruição da rede pública, concomitante à extraordinária multiplicação de escolas privadas de primeiro e segundo graus, bem como de cursinhos, praga tão brasileira, atestado de incompetência de nosso ensino. Nada a estranhar, no único país do mundo que tem cartório e despachante.
No ensino superior, a ditadura, para acabar com a agitação estudantil alimentada pela falta de vagas na universidade, tratou de criar um sem número de faculdades particulares de giz-e-lousa pelo país afora. Havia, e há, muito empresário interessado no valor mercantil - e apenas nesse - da educação.
Em conseqüência, o paradoxo que hoje se observa é o seguinte: como as universidades públicas são as melhores e mais concorridas, passam no vestibular os candidatos que fizeram primário, secundário e cursinho em escolas pagas. A clientela do superior acaba por se constituir de quem não precisa de ensino gratuito. O que redunda num raciocínio perverso, que utiliza esse argumento para pregar a privatização da universidade.
Ao contrário, uma solução sadia, partindo do princípio de que a educação é dever do Estado e direito dos cidadãos, é melhorar consideravelmente os três níveis, democratizando a concepção de ensino.
Educação pública, gratuita, de alta qualidade e para todos: este é o ideal de uma educação da democracia e para a democracia.
Walnice Nogueira Galvão é professora titular de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo (USP), escritora e ensaísta
Regina de Assis
1. Por uma política nacional para a infância brasileira
O direito à educação básica, consagrado pela Constituição Federal de 1988, representa uma demanda essencial das sociedades democráticas e vem sendo exigido, vigorosamente, por todo o país, como garantia inalienável do exercício da cidadania plena.
A conquista da cidadania plena, da qual todos os brasileiros são titulares, supõe, portanto, entre outros aspectos, o acesso à educação básica, constituída pela educação infantil, fundamental e média, tal como definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB, Lei 9.394/96.
A integração da educação infantil no âmbito da educação básica como direito das crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, dever do Estado e da sociedade civil, é fruto de muitas lutas desenvolvidas especialmente por educadores e alguns segmentos organizados, que ao longo dos anos vêm buscando definir políticas públicas para as crianças mais novas.
No entanto, os 500 anos de história brasileira ainda carecem de uma definição sobre a política nacional para a infância, que se remeta à indispensável integração do Estado e da sociedade civil, como co-participantes das famílias no cuidado e na educação de seus filhos entre 0 e 6 anos.
Uma "política nacional para a infância brasileira é um investimento social que considera as crianças como sujeitos de direitos, cidadãos em processo e alvo preferencial de políticas públicas integradas".
A partir dessa definição, além das próprias crianças de 0 a 6 anos e suas famílias, são também alvo de uma política nacional para a infância os cuidados e a educação pré-natal voltados aos futuros pais.
Só muito recentemente a legislação específica vem se referindo a esse segmento da educação, e na própria LDB/96, o tratamento dedicado à educação infantil é bastante sucinto e genérico.
Felizmente, por determinação desta Lei e da n° 9.131/95, que criou o Conselho Nacional de Educação, define-se caber à Câmara de Educação Básica a elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Durante os 500 anos de história brasileira, esta é a primeira vez que se define, no âmbito federal, quais são os aspectos considerados essenciais e indispensáveis ao cuidado e à educação das crianças de 0 a 6 anos em todo o país.
Por isso, confere-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para os programas que cuidam das crianças, educando-as de 0 a 6 anos, em esforço conjunto com suas famílias, especial importância, pelo inédito de seus propósitos e pela relevância de suas conseqüências para a educação infantil no âmbito público e privado.
Ao elaborar essas Diretrizes, a Câmara de Educação Básica, além de acolher as contribuições prestadas pelo Ministério da Educação, através de sua Secretaria de Educação Fundamental e respectiva Coordenação de Educação Infantil, manteve amplo diálogo nacional com múltiplos segmentos responsáveis por crianças de 0 a 6 anos, na busca da compreensão de anseios, dilemas, desafios, visões, expectativas, possibilidades e necessidades das crianças, suas famílias e comunidades.
O aprofundamento da análise sobre o papel do Estado e da sociedade civil em relação às famílias brasileiras e seus filhos de 0 a 6 anos tem evidenciado um fenômeno, também visível em outras nações, que é o da cisão entre cuidar e educar. E este dilema leva-nos a discutir "a importância da família versus o Estado", "poder centralizado versus descentralizado", "desenvolvimento infantil versus preparação para a escola", "controle parental versus profissional" sobre os objetivos e conteúdos dos programas.
Dessa forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, contemplando o trabalho com crianças de 0 a 6 anos em diversas instituições e setores da sociedade, além de nortear as propostas curriculares e os projetos pedagógicos, estabelecerão paradigmas para a própria concepção desses programas de cuidado e educação com qualidade.
A partir dessa perspectiva, é muito importante que os Conselhos Municipais e Estaduais de Educação e respectivas secretarias tenham clareza a respeito de que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil são obrigatórias para todas as instituições de cuidado e educação para as crianças de 0 a 6 anos, a partir do momento em que foram homologadas pelo Ministro da Educação, o que já ocorreu desde sua publicação no Diário Oficial da União do dia 13/04/99, na Seção 1, p. 18, sob o n° 1/99 CEB/CNE.
Além da LDB/99, o Plano Nacional de Educação a ser votado no Congresso Nacional, a própria Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, consagram as crianças de 0 a 6 anos como "sujeitos de direitos".
2. Dados e recursos para a educação infantil no Brasil
Nos 500 anos de história brasileira, a celebração destas conquistas legais só terá sentido se, de fato, as crianças de 0 a 6 anos e suas famílias puderem se beneficiar integralmente do que as leis lhes facultam, através das ações responsáveis de governos e sociedade civil.
Assim, além de buscar planejamento, execução e avaliação de políticas públicas integradoras das demandas sociais de crianças pequenas e suas famílias, principalmente através das áreas de Educação, Saúde, Previdência, Bem-Estar Social, Família, Trabalho, Cultura, Habitação, Lazer e Esportes, é absolutamente necessário contar com dados censitários e estatísticos fidedignos, atualizados e específicos para subsidiar principalmente as ações dos poderes executivos e legislativos, além das instituições do Terceiro Setor, como as fundações, institutos, ONGs e outras organizações da sociedade civil.
Embora a obtenção de dados censitários e estatísticos seja complexa, dada a especificidade e as particularidades do atendimento em educação infantil no país, ainda assim é muito importante que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP/MEC, prossiga com os esforços que vem desenvolvendo nesse sentido. Ou seja, que a análise de estatísticas e indicadores educacionais vise a melhoria e o aperfeiçoamento dos processos e sistemas de produção, tratamento e análise de dados, não apenas para mensurar eficiência, mas para:
- Identificação de efeitos não previstos das políticas, programas e projetos educacionais;
- Análise de resultados de inovações introduzidas nos sistemas;
- Aferição de tendências de evolução dos sistemas de ensino.
É evidente que as ações integradas, principalmente do poder público, exigirão para a execução da política nacional para a infância brasileira dotações orçamentárias específicas, principalmente as oriundas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado pela Emenda Constitucional n° 14/96.
Durante os anos de 1997 a 1999 notou-se uma indesejável diminuição das creches e classes de educação infantil, especialmente no âmbito dos sistemas públicos de ensino, em grande medida devido à aplicação exclusiva dos recursos do Fundef para os alunos de 1ª a 8ª séries do ensino fundamental. É necessário que o MEC, através de sua Secretaria de Ensino Fundamental, na qual está a Coordenação de Educação Infantil (Coedi), envide esforços, inclusive junto ao Congresso Nacional, para que os recursos para atender e ampliar a enorme demanda por educação infantil no Brasil seja atendida, de acordo com os direitos das crianças e suas famílias, consagrados na CF/88, na LDB/96 e no Estatuto da Criança e do Adolescente/90.
3. Propostas pedagógicas e professores para a educação infantil no Brasil
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) iluminam os caminhos de todos quantos desejam os melhores programas de cuidado e educação com qualidade para as crianças brasileiras.
Partem da definição de princípios éticos, políticos e estéticos, que ao valorizar a autonomia, a solidariedade, a responsabilidade e a opção pelo bem comum, junto com os deveres e direitos de cidadania e através de uma pedagogia da sensibilidade, da criatividade e do acolhimento da diversidade cultural e da desigualdade de situações educacionais, supõe instituições de educação infantil sintonizadas com o tempo que vivemos, em busca de cidadania plena para todos.
As DCNEI apontam ainda a enorme importância do trabalho de cuidado e educação das crianças mais novas, ao valorizar sua identidade individual e familiar, a de seus professores e das próprias instituições. Valorizam a concepção de criança entendida como um ser humano integral, com capacidades psicomotoras, socioemocionais e cognitivo-lingüísticas, que se intercomplementam, influenciando e transformando as relações das crianças de e para seu contexto. As crianças são e, portanto, não "esperam" um "vir a ser".
Elas têm, por isso, direito a propostas educacionais de qualidade, com fundamentos, planejamento, execução e avaliação constantes e integradas.
Como conseqüência dessa afirmação, têm também direito a professores adequadamente qualificados para o trabalho de cuidado e educação.
O Artigo 62 da LDB/96 prevê a qualificação dos professores para a educação infantil, nas modalidades dos cursos normais de nível médio, superior, nos institutos superiores de educação e nos cursos de pedagogia no interior das universidades. O país ainda possui um contingente de cerca de 40% de professores leigos, sem formação específica, trabalhando como professores de educação infantil. No entanto, a Lei prevê que até 2007 todos os professores deverão estar qualificados em nível de graduação no 3º grau, o que representa um alvo desejável e um enorme desafio para a sociedade brasileira.
Por isso, o recente Decreto Presidencial n° 3.276 de 06/12/99, criando a exclusividade da formação de professores para a educação infantil e quatro primeiras séries do ensino fundamental, no âmbito da normal superior e dos institutos superiores de educação, representa um retrocesso inexplicável no momento em que todo o país está empenhado na melhoria da educação nacional.
Privar as universidades, principalmente as públicas, de habilitar professores para o trabalho com educação infantil e início do ensino fundamental, através de seus cursos de pedagogia, é ignorar conquistas dos educadores brasileiros e os direitos - garantidos pela CF/88 e LDB/96 - das crianças, suas famílias e dos que desejam trabalhar com elas como seus professores, no momento em que o país registra 500 anos de luta pela sua democratização e pela melhoria da qualidade de vida e educação de todos.
Este é um bom desafio e motivação para o trabalho de todos os que entendem crianças de 0 a 6 anos, suas famílias e professores como sujeitos de direitos, com garantia inalienável a uma vida de cidadania plena, no marco dos 500 anos de história do Brasil.
Dra. Regina de Assis é professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e Relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
Fúlvia Rosemberg
Nos últimos anos, vem se percebendo maior interesse pelo tema da igualdade de oportunidades entre os sexos na educação. Seja no plano do conhecimento ou de ações em políticas educacionais, observa-se que a questão não constitui objeto de preocupação apenas de feministas, mas vem entrando nas agendas de balanços do século e metas para o próximo milênio.
Um exemplo significativo dessa nova preocupação pode ser encontrado no livro Allez les Filles, publicado em 1992, por uma dupla de autores franceses - Baudelot e Establet - que se tornaram famosos nos anos de 1960 ao publicar L'École Capitaliste en France.
Baudelot e Establet abriram um extenso painel sobre o tema educação e mulheres com uma metáfora: "Cada mês do século 20 contou tanto para a educação das mulheres quanto todos os séculos anteriores deste milênio. À luz destas mutações, as discussões dos séculos anteriores sobre a educação a ser dada às mulheres se assemelham a antecipações monstruosas, mesquinhas e desajeitadas: máquinas voadoras de Leonardo ao lado do Concorde".
Os autores resumem a evidência de um amplo e constante acesso das mulheres à educação formal em todos os níveis de ensino, inclusive no superior, durante o século 20, resultando no fato de que encontramos, em inúmeros países, igualdade sexual de acesso e permanência na escola. E mais: em vários países do mundo, as mulheres constituem maioria entre estudantes dos cursos secundário e superior. Neste panorama educacional, o que significaria, então, a igualdade de oportunidade entre os sexos?
Como em outras esferas da vida social, aqui também se observa uma clivagem entre países ricos e pobres. Para os países ricos, os temas que vêm mobilizando a preocupação é a constatação da permanência de guetos sexuais nas carreiras escolares evidenciando uma bipolarização: os homens seguindo carreiras principalmente nas exatas; as mulheres nas letras e humanidades, especialmente magistério. Associada a essa tendência, observa-se a preocupação com a permanência de uma ideologia sexista na escola (materiais didáticos, currículo, relação professor-aluno, uso dos espaços, etc.) e a busca de saídas para que a educação constitua uma instituição capaz de formar novos padrões de relações entre homens e mulheres: preparando mais as mulheres para posições competitivas no mercado de trabalho; preparando os homens para assumir mais a função de provedores de cuidado (Jensen, 1993).
Os países mais pobres têm sido exortados a garantir o acesso das mulheres ao sistema educacional, em especial a diminuição do analfabetismo feminino, dado seu impacto perverso na vida produtiva e reprodutiva. A situação brasileira se assemelha à dos países ricos em patamar inferior. Isto é, quando se compara o acesso de mulheres e de homens à educação formal, observam-se oportunidades e barreiras equivalentes associadas à origem econômica e ao pertencimento racial: mulheres e homens brancos de bom nível de renda familiar dispõem de boas e equivalentes oportunidades educacionais, ocorrendo na universidade a mesma formação de guetos sexuais das carreiras acadêmicas observada nos países ricos; mulheres e homens não-brancos, contando com pequena renda familiar, dispõem, igualmente, de péssimas condições educacionais.
Essa particularidade do sistema educacional brasileiro - igualdade de oportunidades de acesso e permanência no sistema para ambos os sexos e intensa desigualdade associada ao pertencimento racial e à origem econômica - tem me levado a deslocar o eixo da reflexão e da busca de prioridades quando reflito sobre o tema da igualdade de oportunidades educacionais.
Focalizo na desqualificação do magistério um dos principais sinais de discriminação sexual na escola brasileira: o magistério é uma ocupação pouco valorizada, especialmente quando os(as) alunos(as) são crianças pequenas freqüentando a educação infantil e o ensino fundamental.
No imaginário social trata-se de uma profissão feminina, não só porque exercida por mulheres, mas porque, ao invés de produzir bens materiais, produz vida.
A solução técnica para reverter a discriminação é fácil: colocar no topo da hierarquia ocupacional as profissões que formam e conformam a vida. A solução política implica subversão de valores: loucura, diriam muitos, seria aceitar que a professora de creche fosse tão valorizada quanto o banqueiro.
Fúlvia Rosemberg é pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP
Francisco Aparecido Cordão
A Lei Federal nº 9.394/96, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), situa a educação profissional na confluência dos direitos do cidadão à educação e ao trabalho. O entendimento da educação profissional como "integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia" e a concepção de que a mesma "conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva" representam uma forma moderna de encarar a educação profissional como educação do cidadão trabalhador.
Historicamente, não tem sido essa a visão da sociedade brasileira em relação à educação profissional. Aliás, antes da atual LDB, sequer era considerada por muitos como educação. A educação profissional assumia caráter assistencialista ou economicista, e era reservada às classes menos favorecidas. O termo "formação profissional" aparecia naturalmente associado à "mão-de-obra", reproduzindo o dualismo existente na sociedade brasileira entre "elite condutora" e "força de trabalho".
Acontece que, atualmente, não se concebe mais a educação profissional como simples instrumento de uma política assistencialista ou linear ajustamento às demandas do mercado de trabalho. Ela representa uma importante estratégia para que um número cada vez maior de cidadãos tenha efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade. Impõe-se a superação do enfoque tradicional de uma formação profissional centrada no treinamento operacional e na preparação para a execução de um determinado conjunto ou repertório de tarefas. A educação profissional requer, além do domínio operacional de um determinado fazer, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão e o entendimento do saber tecnológico, a valorização da cultura do trabalho, o desenvolvimento do espírito empreendedor e a mobilização dos valores necessários à tomada de decisões.
A atual LDB reservou um espaço privilegiado para a educação profissional, que ocupa um capítulo específico dentro de um título amplo, que trata dos níveis e das modalidades de educação e ensino, sendo considerada como um fator estratégico de competitividade e desenvolvimento humano na nova ordem econômica mundial. Para tanto, impõe-se uma articulação de forma inovadora com a educação básica. A educação profissional não deve substituir e nem concorrer com a educação básica. A melhoria da qualidade da educação profissional pressupõe uma educação básica de qualidade, a qual constitui condição indispensável para o êxito num mundo pautado pela competição, inovação tecnológica e crescentes exigências de qualidade, produtividade, conhecimento e autonomia na tomada de decisões.
Torna-se cada vez mais essencial que a educação técnica se constitua num centro de referência tecnológica em sua área de atuação e para a região na qual atua, de forma que ela tenha condições de orientar o desenvolvimento de itinerários de profissionalização para trabalhadores e setores de desenvolvimento de pessoal das empresas.
Quem procura uma escola técnica procura constituir conhecimentos e desenvolver habilidades e atitudes para um exercício profissional competente. Este é o compromisso da escola técnica. Muito simples, mas profundamente exigente, o qual implica profundas alterações de currículos, metodologias, recursos didáticos e modalidades de programação. A nova educação profissional deve buscar garantir aos seus clientes o desenvolvimento da capacidade de raciocínio, autonomia intelectual, pensamento crítico, iniciativa própria, espírito empreendedor, bem como da capacidade de visualização e solução de problemas.
O Parecer CEB/CNE (Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação), nº 16/99, de minha autoria, deu origem à Resolução CEB/CNE nº 04/99, que definiu diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico, obrigatórias a partir do ano 2001, definiu competência profissional como sendo a capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. Esta é a orientação do Conselho Nacional de Educação para alterar profundamente o panorama da educação profissional no Brasil.
Francisco Aparecido Cordão é assessor educacional do Senac de São Paulo, vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e relator das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional de
nível técnico