Postado em 01/02/2000
Música de qualidade, novas propostas e rostos que ninguém nunca viu. Esses são os ingredientes de três projetos criados pelo Sesc, cujo principal objetivo é dar espaço a novos talentos
O cenário musical brasileiro passa hoje por uma fase polêmica. O Brasil, famoso por ser berço de alguns dos melhores músicos do mundo, parece ter se rendido a melodias discutíveis, trajetórias efêmeras e intérpretes afônicos.
Não se trata de uma mera discussão sobre preferências musicais, mas denota que, em quase todos os estilos, o topo nas paradas de sucesso e o recorde de discos vendidos vêm ocupando o espaço do verdadeiro talento, e todo mundo perde com isso.
Felizmente, na guerra entre o talento e o modismo, há sempre quem contribua com suprimentos de primeiríssima necessidade. A tevê, que em alguns casos traz a doença mas também a cura, tem papel importante. Nos anos de 1960, os festivais da TV Record apresentavam ao Brasil e ao mundo a alegria de Jair Rodrigues, a presença contestadora de Caetano Veloso e a doçura de Gilberto Gil. Já os anos de 1980 foram a década do rock. Legião Urbana, Barão Vermelho, Titãs, Paralamas do Sucesso. Os programas que sintonizavam as novas bandas eram Misto Quente (1985), na TV Globo, e Fábrica do Som (1982), na TV Cultura, este último gravado nas dependências do recém-inaugurado Sesc Pompéia.
Aliás, em se falando de Sesc e de música brasileira, é necessário ressaltar a contribuição fundamental da instituição no lançamento de novos valores. Suas unidades sempre tiveram as portas abertas para o futuro. Uma tradição do novo que se consolidava a cada projeto musical. O próprio Fábrica do Som traduziu a efervescência de sua época unindo-se ao Sesc para colocar cabeças pensantes em contato. Porém, desde então, as coisas mudaram. A tevê parece ter esquecido seu passado, mas o novo continuou a ter espaço nos palcos da instituição.
Todas as vezes que quisermos ouvir uma voz nova, a programação musical do Sesc mostra-se um bom ponto de partida. Os shows na choperia do Sesc Pompéia, os saraus intimistas do Sesc Pinheiros ou as ensolaradas apresentações no Sesc Interlagos misturam artistas consagrados com os ainda desconhecidos. Somente assim se poderá formar uma nova geração de grandes músicos e intérpretes no cenário brasileiro.
Atualmente, três projetos do Sesc trazem ao público o que os jovens artistas ensaiam em suas garagens. O Prata da Casa, no Sesc Pompéia; o Alternativa da Alternativa, no Sesc Consolação; e a mais nova parceria entre o Sesc e a TV Cultura, o Musikaos, também no Sesc Pompéia. Ainda que os estilos e as formas sejam diferentes, existe um objetivo comum em todos eles: seguir a vocação do Sesc em lançar novos talentos.
A Prata
Desde junho do ano passado, artistas de todo o Brasil encontram no Sesc Pompéia mais uma chance de expor suas idéias e sua arte. O Prata da Casa apresenta todas as terças-feiras, no celebrado espaço da choperia do Sesc Pompéia, as mais diversas tendências. Por lá já passaram blues, samba, releituras de Noel Rosa, vozes, violões, triângulos e zabumbas. Todos a serviço de um padrão de qualidade que recorde os velhos tempos. Um futuro que não se contraponha ao passado. "A gente já tinha um projeto parecido desde 1982", explica Gisela Ferrari, programadora da choperia do Sesc Pompéia. "Era o Sossega Leão, que a gente fazia com o Skowa (do antigo Skowa e a Máfia), com o Paulo Miklos, do Titãs e mais um pessoal." A idéia era que os músicos se apresentassem com trabalhos paralelos e como todos eles já tocavam no Pompéia há um tempo, o nome só podia ser Prata da Casa. O sucesso foi grande e a proposta resolveu abranger um número cada vez maior de músicos, até chegar ao formato que tem hoje. "O Sesc Pompéia tem uma história íntima com a música. Todo mundo quer tocar aqui", conta Gisela. "É como um templo para mim, fiquei muito emocionada quando me convidaram", responde Susy Bastos, uma das intérpretes que já ocupou o palco do Prata. "O grande lance é que eventos assim chamam muito mais atenção para os artistas novos que se eles se apresentassem isoladamente", analisa Adolar Marin, violonista e compositor que, apesar dos 15 anos de carreira, verifica que ter se apresentado no Sesc, e pré-lançado seu CD Qualquer Estação lá, deu um impulso à sua carreira. Segundo Gisela, o grande diferencial entre o Prata e os outros projetos do Sesc é que ele não tem data para acabar e conta com a presença de um crítico para orientar os artistas. "Ele dá um toque para os artistas e isso os ajuda muito", conta a programadora. No Prata da Casa, o envolvimento dos participantes é total. Eles se conhecem, apreciam o trabalho um do outro, trocam idéias, opiniões e, juntos, mostram a força dos novos e desconhecidos talentos do Brasil.
A Alternativa
Durante o mês de janeiro, o Sesc Consolação realizou o projeto Alternativa da Alternativa, que reuniu o que há de mais novo no cenário pop/rock paulista. "A linha que estamos seguindo é a de destacar particularidades", explica Sérgio Pinto, coordenador do Centro Experimental de Música (CEM) da unidade. "Procuramos organizar as séries de shows em torno de temas mais específicos, que possibilitem ao público ter maior informação sobre a atual produção do cenário musical."
Um bom exemplo desse modelo foi o projeto Sem Fronteiras - Música de Povos de São Paulo que, em novembro de 1999, trouxe grupos étnicos representando as diversas colônias existentes na cidade para uma série de espetáculos. No Alternativa foi a vez dos artistas tidos como, digamos, "fora do padrão" mostrarem seu trabalho.
A proposta que guiou o novo projeto encontra suas raízes nas séries Impressões Sonoras e Essas Mulheres, também realizados no Sesc Consolação. "O primeiro nos possibilitou conhecer trabalhos de artistas iniciantes e projetos experimentais muito ousados", retoma Sérgio. "Já o segundo nos mostrou vozes como as das cantoras Vanessa da Mata e Stella Campos. Foram projetos que alcançaram grande repercussão junto à mídia e ao público." Com o Alternativa da Alternativa não foi diferente. Logo após a divulgação do projeto nos jornais, o CEM já começou a ser procurado por artistas e produtores. "Um deles produz fitas demo através de um selo chamado Question Mark Records e me enviou um trabalho muito interessante de uma banda chamada Momento 68." Quanto aos demais participantes, um elemento comum a todos é que as bandas aparecem com versões paralelas de suas formações oficiais. "Com exceção do grupo Sala Especial, os conjuntos apareceram alterados, como o Duo Anaconda, por exemplo, que é uma versão reduzida do original", explica Sérgio. "Já a Between Sky and Flowers tem em sua formação membros de outras bandas, como Mickey Junkies, que faz punk rock; Los Sea Dux, mais para o funk; e Shiva Las Vegas, que faz uma espécie de tecno."
Qual o produto dessa miscelânea? "O resultado foi um blues aculturado. Um som parecido com a música dos americanos Nick Cave e P. J. Harvey", responde Sérgio. Outro bom exemplo de uma versão alternativa de uma banda já alternativa, talvez daí o nome do projeto, é o grupo Gash. Para quem nunca ouviu falar dele, vale lembrar que é uma versão da banda Pin Ups, só que com violões e percussão no lugar de guitarras distorcidas.
O Caos
Depois do Fábrica do Som e do programa Bem Brasil, que até hoje faz sucesso sendo transmitido ao vivo do Sesc Interlagos, a mais nova parceria entre os dois será... um caos. Na verdade, um Musikaos. Este é o nome do programa de música, jogos e informação que irá ao ar nas tardes de sábado na TV Cultura e será gravado no teatro do Sesc Pompéia. "A TV Cultura e o Sesc sempre foram muito íntimos", comenta Mônica Carnieto, administradora do teatro da unidade. "Um belo dia conversávamos sobre os tempos do Fábrica do Som, sobre nossas parcerias com a TV Cultura e sobre o que seria legal fazer para comemorar a maioridade do Sesc Pompéia, que completa 18 anos neste ano. Daí o Pedro Vieira, que dirigiu o Fábrica, e dirige agora o Musikaos, adorou a idéia de fazermos alguma coisa nesse sentido. Assim nasceu o projeto." Pedro Vieira fala da satisfação de trabalhar com o Sesc. "Já há o costume de trabalhar com o pessoal daqui, as coisas simplesmente dão certo. Voltar para cá é como voltar para casa", comemora.
O programa terá uma hora de duração e será aberto ao público, cedendo espaço a grupos, artistas e idéias novas. A intenção é apresentar seis bandas por edição, duas consagradas e quatro novas, entre elas, duas de faculdades que participarão do programa e duas inscritas. Haverá dois sets e uma edição ágil de imagens na qual serão intercaladas cenas e situações. Política, comportamento, esporte e meio ambiente completam o caráter musical. "O programa terá poesia, performances e outras manifestações artísticas", explica Gastão Moreira, ex-VJ da MTV e apresentador do Musikaos.
Gastão emenda dizendo que um dos intuitos do programa é conscientizar o jovem sobre várias questões. "Os adolescentes de hoje são muito desengajados", analisa. "E esse fato marca a diferença entre o Fábrica do Som e o Musikaos. Uma diferença relacionada ao momento histórico de cada um deles. No início dos anos de 1980, o momento político exigia do jovem um maior envolvimento com certas questões." A partir dessa observação, os organizadores criaram outra meta para o programa: resgatar, por meio de suas atrações, a consciência dos jovens. "Queremos conhecer o universitário brasileiro", resume o apresentador. Rogério Brandão, diretor de programação da TV Cultura, emenda dizendo que, até agora, os programas destinados ao público jovem ou subestimavam sua inteligência ou o tratavam como uma mera fatia de mercado a ser explorada. "O Musikaos marca a volta da TV Cultura ao trabalho com os jovens e nós não queremos que seja um programa feito para eles se divertirem e sim para incitá-los a pensar", define. Além da oportunidade de uma retomada do senso crítico dos jovens, a nova parceria entre a TV Cultura e o Sesc dará a oportunidade aos participantes de um contato maior com a música. "Geralmente, os programas não dão chance de tocar ao vivo nem para os grupos consagrados", explica Renato Lima, produtor do programa. "Isso é ruim para o público e para os próprios músicos. No Musikaos não haverá playback. Tanto as bandas desconhecidas como os artistas já consagrados terão espaço para mostrar seu trabalho, tendo liberdade de tocar o que quiserem."
Fábrica do Som
O programa Fábrica do Som foi um espaço musical criado pela TV Cultura em parceria com o Sesc para os futuros talentos da música, que foi ao ar pela primeira vez em 12 de março de 1982. Com apresentação de Tadeu Jungle, o programa era gravado no Sesc Pompéia e mostrava o trabalho independente de jovens artistas que produziam uma música diferente e tinham a preocupação de não se submeter a gravadoras. Uma vez por semana os iniciantes contracenavam com gente consagrada.
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