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Síndrome de Júlio Verne

Postado em 01/02/2000

O escritor francês que viveu no século 19 previu em seus livros as aventuras que seriam realizadas atualmente, como a volta ao mundo em um balão e a excursão ao centro da Terra.
É verdade que não chegamos a tanto, mas jornadas inusitadas são cada vez mais freqüentes e concorridas


O espírito de aventura sempre habitou nas ações do homem. Desde sempre fomos obrigados a abandonar o território conhecido para buscar sustento em locais ignorados e muitas vezes inóspitos. Milhares de anos depois, com o planeta inteirinho esquadrinhado, a aventura permanece em nosso imaginário. Mas o impulso que a move não é mais a busca pela sobrevivência ou interesses econômicos. Os aventureiros que decidem deixar o conforto da vida moderna têm propósitos muitas vezes ignorados. Às vezes, nem os próprios protagonistas conseguem explicar o porquê. Talvez seja uma característica inerente à espécie: a síndrome de Júlio Verne.

Senão, como conceituar a centelha que levou Thomaz Brandolin a adotar as aventuras como estilo de vida? São vinte anos de expedições incríveis. A mais espetacular, segundo sua própria análise, aconteceu em 1996, quando passou vinte dias no Pólo Norte. Detalhe: ele seguiu sozinho, ou melhor, com a companhia de um cachorro-esquimó. Experiente em ambientes gelados e não muito hospitaleiros (esteve na Antártida e chefiou a primeira expedição brasileira ao Himalaia), a fim de celebrar seus quinze anos de aventuras, ele decidiu lançar-se a si mesmo um desafio: alcançar o Pólo Norte magnético.
Um exemplo como esse suscita de pronto uma pergunta renitente (mesmo que involuntária): por que raios alguém enfrentaria frio e desconforto sem qualquer necessidade prática? Afinal, não havia interesse científico envolvido e aquela região já está inteiramente mapeada. Além disso, a paisagem composta de uma planície de gelo, apesar de belíssima, torna-se monótona com o passar do tempo.

Mas nada disso importava. A intenção do aventureiro ao desembarcar perto do paralelo 90 era colocar-se à prova. Desafiar os próprios limites, confrontar-se com todos os sentimentos de insegurança que, normalmente, estão latentes e que desabrocham potencializados numa situação extrema. "Sozinho, num lugar desconhecido e desabitado, aflora uma sensação de superliberdade. Não existe outra referência senão a própria opinião. Recaem sobre você as conseqüências das suas decisões."

E em meio ao frio intenso e aos obstáculos naturais, as alternativas são abundantes e qualquer conclusão equivocada poderia atrasar ou mesmo inviabilizar a continuidade da expedição.

Na verdade, a aventura de Thomaz, como é de praxe na maioria das grandes empreitadas, teve início bem antes do Círculo Polar Ártico. Para enfrentar as altas latitudes do planeta é necessário um rigoroso planejamento que inclui desde a preparação física adequada até o aperfeiçoamento da técnica sobre os esquis.

"Em novembro de 1995, segui para Resolute, um vilarejo esquimó próximo ao Canadá, que seria o ponto de partida para minha caminhada. Na época, os dias eram bem curtos e já no fim do mês o sol não aparecia mais no horizonte", recorda Thomaz. Depois de um curto regresso ao Brasil, o aventureiro rumou definitivamente para o hemisfério norte para praticar um pouco de esqui e seguir viagem em direção ao Pólo Norte magnético, localizado no nordeste canadense.

No dia 31 de março do ano seguinte, com quase 24 horas de luz diárias, mas sob um frio de até 42 graus centígrados abaixo de zero, Thomaz e o cachorro Bruno começaram o "passeio" de 140 quilômetros sobre a calota de gelo polar. Cada um puxando um trenó. O homem com 90 quilos de alimentos e equipamentos e o cão rebocando 45 quilos de ração.

A solitude voluntária de Thomaz foi parte determinante da viagem e assim, completamente só, ele se viu obrigado a desbaratar os diversos problemas que surgiam. O primeiro deles foi a temperatura severa: abaixo dos 40 graus, o frio passa a interferir seriamente nos equipamentos e no funcionamento do organismo. Os tecidos enrijecem e o risco de congelar as extremidades do corpo (como dedos e nariz) aumenta muito.

Nessas ocasiões e devido ao mau jeito do trenó atrelado a ele e ao cão, qualquer manobra tornava-se um exercício engenhoso. "Era preciso manter em mente que a camada polar é gelo, ou seja, não existe terra por baixo. Portanto, fissuras e barreiras são normais e imprevisíveis. O grande problema é que quando você se depara com uma rachadura na crosta não tem idéia de sua extensão: ela pode medir poucos metros ou muitos quilômetros."

Com o passar dos dias, a primavera tomava o lugar do inverno glacial, fazia os dias cada vez mais longos e a temperatura aumentou até uma média de 15 graus negativos. O calor (ou "o frio mais ameno"), em vez de ser um elemento favorável, prejudicava o aventureiro, pois com temperaturas mais altas o corpo sua mais e a roupa especial não conseguia absorver toda a água produzida, aumentando o risco de congelar. O resultado era que Thomaz devia desacelerar a marcha e torcer para que o tempo ajudasse. Mas isso não aconteceu. Em dez dias o vento e a neblina impediram a caminhada, forçando o aventureiro a permanecer entocado na barraca.

Outro potencial empecilho era a presença abundante de ursos polares. Esses animais carnívoros, desabituados com a presença humana na região, podiam tomar atitudes imprevisíveis. Para evitar surpresas bem desagradáveis, entre a tralha, havia uma espingarda carregada com tiros de festim. O cachorro Bruno acompanhou a viagem justamente para prevenir a presença desses enormes mamíferos. Em algumas ocasiões, a dupla encontrou ursos polares a uma distância temerosa: menos de cem metros. Mas o aventureiro garante que os bichos não ficaram muito interessados na companhia daquele maluco que estava atravessando o Ártico.

No fim de vinte dias de andança, devido à condição climática e aos alimentos que se esgotavam, Thomaz Brandolin fez contato com um avião que o retirou daquele imenso nada. A aventura terminou sem que tivesse cumprido o objetivo predeterminado. "Apesar do aparente fracasso, acho que a jornada teve um grande êxito. O fato de vencer o desafio pessoal foi mais relevante do que atingir o Pólo Norte magnético."

No Topo do Mundo

De todas as formas de aventura, o montanhismo é uma das mais excitantes e tradicionais. Quase todos os aventureiros iniciaram suas carreiras buscando os cumes mais intocados. Atualmente, existem várias categorias de montanhismo: a escalada alpina, realizada por grupos pequenos, subindo com velocidade, sem auxílio de guias e de oxigênio sobressalente; a expedição, escalada em equipe formada por vários membros e oxigênio extra a ser utilizado no caso de grandes altitudes; a big wall (grandes paredes), que obriga o alpinista a dormir por no mínimo duas noites pendurado nas escarpas em barracas especiais; a escalada em gelo, cuja dificuldade está em subir por cascatas congeladas e picos cobertos de neve.

Seja qual for o estilo, a montanha é normalmente um ambiente inóspito e imprevisível, um local a ser decifrado. Para escalar uma parede é necessário muito planejamento, logística e treinamento. É isso que salienta Armando Gabassini, alpinista há doze anos, instrutor e dono de uma distribuidora de equipamentos para alpinismo. "São vários os prazeres envolvidos numa escalada. Existe a parte técnica, ou seja, a dificuldade envolvida em cada parede. A outra é oferecida pelo próprio meio ambiente: a paisagem dos lugares normalmente é exuberante. Nos Andes ou na Pedra do Baú, a beleza torna a escalada bem mais agradável."

No montanhismo, o desafio pessoal e o incremento técnico ficam em segundo plano. Quando se escala, o obstáculo a ser superado não está na montanha em si. Na realidade, o alpinista não luta contra a montanha. O verdadeiro embate está no âmago de cada aventureiro, que precisa dobrar os anseios e as próprias limitações num ambiente normalmente arredio à presença humana.

Pense na cadeia do Himalaia, onde estão quatorze montanhas com mais de 8 mil metros de altitude. No meio delas, o Everest, o pico mais alto do mundo, com 8.848 metros. Nessa altura, as condições são terríveis: o frio, o vento, a neve e o ar rarefeito levam o alpinista a expor o organismo aos limites. E tudo piora quando a escalada prescinde de oxigênio artificial e de guias.

Nesse caso, o alpinista é responsável por todas as etapas da empreitada.

O casal Paulo e Helena Pinto Coelho são velhos conhecidos do Everest. Em quatro ocasiões buscaram alcançar o cume mais famoso do mundo. Nunca conseguiram, mas só o fato de galgar as paredes geladas compensa o esforço. "Estivemos na primeira expedição brasileira ao Himalaia em 1991", explica o físico nuclear. "No ano passado, fizemos mais uma tentativa, mas só chegamos a 500 metros do topo", lamenta.

A relação de Paulo com a montanha começou há trinta anos. Nessa data, ele foi apresentado, por meio de fotografias, à região da Serra do Mar. "Daí, o bicho da escalada me picou e nunca mais parei." Em 1973, a diretora de escola Helena conheceu o marido num curso ministrado no Centro Excursionista Universitário, cujo instrutor era Paulo. Iniciaram, então, um romance nas alturas e se casaram. No reveillon do milênio, subiram as encostas geladas do Aconcágua, na Patagônia chilena, a quase 7 mil metros acima do nível do mar.

Com quase três décadas de experiência, os cônjuges acompanharam de perto a evolução da prática alpina. Eles lembram o improviso que marcava as primeiras escaladas, quando tinham que desbravar trilhas ainda inexistentes e criar equipamentos. Hoje, os iniciantes têm mais acesso a apetrechos importados e há muito mais literatura e informações sobre montanhismo.

Sem nunca contar com patrocínio, o casal consumiu as economias de uma vida para bancar as expedições ao Himalaia. Helena afirma que cada centavo amealhado em São Paulo vai para o Everest, que escalam no estilo alpino, isto é, sem a ajuda de guias e nem oxigênio extra. "Dá um sabor muito maior", garante Paulo.

Mas escalar a maior montanha do mundo demanda cuidados constantes. É necessário estar bem preparado, física e mentalmente. "Temos um treinamento específico que desenvolve a parte aeróbica e psicológica. Para isso, praticamos ioga, que melhora a capacidade de concentração, respiração e alongamento, imprescindíveis na altitude", explica Helena.

Uma Expedição ao Everest

Subir a mais de 8 mil metros realmente não é uma tarefa simples. As condições nessa altitude exigem muito da pessoa, que é obrigada a expor seus limites. O frio e o cansaço são enormes e as mudanças bruscas do clima são recorrentes, com ventos fortes e a possibilidade de avalanches.

Mas, no caso do Himalaia, antes de começar a escalar, são necessários paciência, dinheiro e disposição para vencer os entraves burocráticos do Nepal e do Tibet, países em que está localizado o Monte Everest. "Logo na chegada a Katmandu, capital do Nepal, a primeira providência é arrumar um traslado para o Tibet, que cobra mais barato pela permissão de subir a montanha. São 5 mil dólares contra os 50 mil exigidos pelos nepaleses. Depois, é preciso contratar um intérprete e um despachante - oficial de ligação - apenas para transpor a zona fronteiriça entre os dois países. Chegando ao sopé do monte, monta-se o primeiro acampamento a mais ou menos 5 mil metros de altitude", explica Paulo.

A subida é paulatina. Começa na base e são erguidos acampamentos na subida ao topo. A cada estágio, uma parada para aclimatação. Em seguida, a estratégia demanda o retorno ao nível anterior. E assim sucessivamente até uma altitude em torno de 7 mil metros. Tem início, então, o ataque ao cume: um arranque morro acima, sem descanso, que dura cerca de 36 horas, ida e volta. O sucesso da subida depende das condições climáticas ideais. E isso é muito raro no alto do Himalaia. "Todas as vezes que tentamos alcançar o topo, fomos impedidos pela neblina, pelo vento e pela ameaça de avalanches", comenta Helena. Nessas condições fica muito perigoso prosseguir. O limite entre ousadia e imprudência é muito tênue e alguns aventureiros que trespassam essa linha sofrem acidentes fatais. "A montanha não dá segunda chance: ela mata", conclui Paulo.

Volta à América em nove meses

Quando Marcelo Ramos largou um bom salário e uma carreira promissora em uma grande empresa não imaginava que dois anos depois teria contornado de carro o continente americano. Afinal, não ostentava um perfil aventureiro, nem praticava esportes radicais, como asa delta ou pára-quedismo. Gostava da natureza e, nos finais de semana, curtia deixar a agitação da cidade grande, no caso, São Paulo.

De novo surge a pergunta capital? Por que largar tudo para rodar mais de 77 mil quilômetros em nove meses de viagem? "Esse era um sonho antigo da minha vida. E houve um momento em que decidi concretizá-lo. Foi preciso coragem, pois eu larguei tudo e durante seis meses me dediquei aos preparativos da viagem."

Quando Marcelo refere-se aos "preparativos", significa dizer que foi obrigado a correr atrás de dinheiro para realizar sua empreitada. "Não tinha nada muito planejado. Tive que bater de porta em porta para encontrar um patrocinador que bancasse a viagem. No fim, a Ford me emprestou um carro, uma caminhonete Ranger, e 39 mil dólares para todos os meus gastos: hospedagem, alimentação e trâmites burocráticos incluídos."

Tudo acertado, Marcelo engatou a primeira marcha no dia 27 de fevereiro do ano passado. Acompanhado por um amigo, seu destino era o extremo sul do continente, em Ushuaia, Argentina. Dezessete mil quilômetros separavam o viajante do ponto mais setentrional das Américas, no litoral do mar Ártico, norte do Alasca. Foram 120 dias transpondo fronteiras, visitando cidades, conhecendo culturas distintas e fazendo amigos. "Quis provar que uma aventura como essa não é tão difícil de ser realizada. Uma pessoa normal, sem nenhuma experiência anterior, com um carro standard pôde concluí-la sem problemas. É um incentivo para quem sonha em viajar." O itinerário completo? Do sul da Argentina até o norte do Alasca, margeando a costa do oceano Pacífico. No Canadá, o viajante atravessou para a costa leste americana e retornou a São Paulo.

Antes de partir, Marcelo armou uma infra-estrutura de divulgação das informações colhidas durante o percurso. Contratou uma assessoria de imprensa e montou uma página na Internet, na qual publicava um diário de bordo atualizado constantemente. Pela Internet também mantinha contato permanente com mochileiros que encontrava pelo caminho. "O e-mail é um excelente antídoto para a solidão", garante.

A exemplo de Thomaz Brandolin, ficar sozinho foi um dos intuitos da jornada. Marcelo comenta que viajar desacompanhado facilitou o contato com as pessoas e dinamizou sua rotina. O companheiro que iniciou a viagem desistiu de prosseguir ainda na Argentina. A partir daí, o resto dos 72 mil quilômetros foram transpostos na solidão. "Levei mais de duzentos CDs que escutei de trás para frente duzentas vezes. Depois de um certo tempo, comecei a falar com meu carro. No começo fiquei preocupado, pensei que tivesse enlouquecido. Mas depois deixei para lá: batia vários papos com ele."

No seu dia-a-dia, ele percorria em média 300 quilômetros, apesar de em algumas ocasiões ter dirigido mais de mil quilômetros, raramente passava mais de uma semana em cada cidade. Sem conhecimento de mecânica, Marcelo encontrou poucas dificuldades. "As estradas principais estão até certo ponto em bom estado de conservação, o que me surpreendeu bastante. O problema é a burocracia exigida em algumas fronteiras, principalmente na Bolívia e na Nicarágua."

Longe de casa e testemunha de múltiplas culturas, essa longuíssima jornada inspirou várias reflexões. "Comparando o Brasil com os outros países latinos, vê-se que nosso país tem um enorme potencial. E, comparando os povos latinos com os norte-americanos e canadenses, é realmente impressionante a diferença no acolhimento. Até o México, as pessoas são bem mais hospitaleiras e menos desconfiadas."

Conexão fluvial Campinas-Buenos Aires

O confronto com a morte e os limites pessoais impulsionam as aventuras. Talvez, no mistério das emoções, a adrenalina emule os espíritos e o conceito de desafio alimente esse vício maquiado. Todos os aventureiros garantem que não existe masoquismo, mas a gana de sair do lugar-comum, o contato com a natureza e a expectativa do desconhecido e da ignorância do final da empreitada credenciam pessoas alheias a esse espírito imputar o adjetivo "maluco" àqueles que buscam fortes emoções.

Mesmo diante da força da natureza, os aventureiros diversificam as maneiras de desafiá-la, munidos de propósitos particulares. Esse foi o caso dos amigos Carlos Vageler e Alessandro Casella, que saíram de Campinas e, atravessando a malha fluvial do Brasil e da Argentina, desembarcaram em Buenos Aires. O trajeto foi realizado em uma canoa a remo, com duração de 99 dias. "Antigamente, as aventuras tinham um caráter comercial, como as viagens de descobrimento. Hoje, elas possuem outro aspecto. No nosso caso, fizemos a aventura pela aventura e aproveitamos para analisar algumas questões ambientais importantes, a história e a cultura ribeirinha", explica o professor de educação física, Carlos.

A dupla elaborou o projeto durante um ano e meio e só no final conseguiram levantar o patrocínio necessário. Depois, foi colocar a canoa n'água e cruzar os rios Atibaia, Piracicaba, Tietê e Paraná. "Noventa e cinco por cento do percurso é navegável, pois os rios estão praticamente todos represados. Temos a primazia de sermos a primeira embarcação não-motorizada a realizar eclusagem."

A rotina dos remadores repetia-se a cada dia, aproveitando a descida do rio e a força da correnteza a favor, remavam de seis a oito horas diárias, após um café da manhã reforçado. Na seqüência, comiam apenas bolachas e sanduíches e paravam na boca da noite para armar acampamento. Remaram 3,3 mil quilômetros carregando entre 200 e 250 quilos de equipamentos e alimentos.

Durante o percurso, a dupla pôde observar o estado de preservação do rio e do entorno. "É muito grande o desrespeito pelos rios. Tudo está muito deteriorado. Na situação em que se encontra, é muito difícil reverter o estado do meio ambiente. O assoreamento constante em vários trechos inviabiliza a construção de hidrelétricas, ameaça a hidrovia e os peixes nativos estão sendo dizimados", lamenta Carlos.

O resultado da expedição está publicado em um site na Internet, com galeria de fotos e um diário de bordo, onde os aventureiros deixam extravasar uma opinião ambígua: a emoção de completar a dura jornada e a tristeza com o descaso dos homens.


Carlos Sposito Desafia o Desafio

Algumas aventuras possuem um caráter competitivo. Poderíamos defini-las como a radicalização dos esportes radicais ou, em outras palavras, já não é mais suficiente disputar uma maratona. É necessário corrê-la na Patagônia ou no Saara. As competições automotivas são outro bom exemplo: o tradicionalíssimo rali Paris-Dakar, que este ano chegou no Cairo, capital do Egito, reuniu 405 veículos. Na entrevista a seguir, o aventureiro Carlos Sposito, useiro e vezeiro em "desafiar desafios", relata um pouco sua experiência.

O que induz uma pessoa a deixar o conforto da casa e os atrativos da cidade para enfrentar desafios naturais?

Esta pergunta eu me faço sempre, principalmente quando estou em uma situação extrema de desconforto e insegurança. Em primeiro lugar, o hábito desde criança de "ir à natureza". No meu caso, o escotismo foi o responsável pelo início na vida ao ar livre. Um outro ponto importante é o inconformismo que várias pessoas têm em relação à falta de espaço e à poluição. Além disso, a adrenalina realmente vicia .

Qual ou quais das suas empreitadas foi mais difícil?

Apesar da minha participação na Marathon des Sables e mais recentemente a travessia do Grand Canyon correndo serem os fatos mais conhecidos de minhas atividades, existem outros que eu considero como mais difíceis. Um deles foi um trekking solitário que eu fiz na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Num dos dias eu saí para uma pequena caminhada sem equipamentos básicos, água ou alimento. Apesar da minha experiência, depois de algum tempo percebi que "estava momentaneamente sem saber onde me encontrava". Eu tenho que confessar que estar perdido em um lugar desconhecido e sem equipamentos me deixou bem "adrenado". Nessas horas, o prazer de conseguir manter a calma e o sangue-frio é inigualável. Outro momento difícil foi um trekking até a base do vulcão Licancabur, no deserto de Atacama. Eu parti sozinho com a intenção de ir e voltar no mesmo dia. A dificuldade aqui não foi o risco corrido mas o excesso de esforço físico, que é uma grande paixão minha. Quanto mais desespero físico, mais feliz eu fico.

Qual ou quais você mais curtiu?

Esta pergunta é extremamente difícil, quase que "irrespondível". Cada atividade outdoor, por mais sem importância que possa parecer, tem sua magia única.

Você não tem medo de morrer?

Tenho. Mas os riscos em geral são calculados. E é esse medo da morte que ativa a adrenalina que tanto nos vicia. Porém, se você não tem cabeça para se questionar periodicamente, correrá o risco de entrar em uma espiral ascendente de busca de emoções cada vez maiores que pode levá-lo a um risco acima do limite probabilístico de sair ileso.

Na sua opinião, o que explica essa necessidade humana de superar os próprios limites?

O que me levou a fazer essas coisas foi a curiosidade sobre os limites do meu corpo em condições extremas. No caso do Saara foi o calor, a secura, a monotonia e a variação extrema de temperatura dia/noite. No Grand Canyon a motivação foi a variação de altitude. A experiência que eu tinha era de caminhar em altitude. Correr foi algo completamente novo (e bastante desgastante!). Creio que a necessidade de tentar superar seus próprios limites tem a ver com a curiosidade tipicamente humana de questionar tudo ao seu redor, inclusive a si mesmo.

Como é o patrocínio e o apoio aos praticantes desse tipo de esporte?

É preciso matar um leão por dia para sobreviver de patrocínio ou apoio para atividades outdoor. É necessário, além de um bom projeto de retorno de mídia, uma grande dose de sorte para bater na porta certa e na hora certa. Ainda é preferível jogar futebol ou vôlei...

Há lugares legais para esses esportes em São Paulo? Como se iniciar nas aventuras?


Creio que o estado de São Paulo possui muitas possibilidades. É só procurar. Quanto à iniciação, o melhor caminho é procurar um clube idôneo ou uma escola reconhecida para fazer um curso, seja lá que atividade for. A diferença entre fazer uma atividade outdoor (onde a natureza é quem manda) com ou sem curso pode ser a distância entre uma vida longa de prazeres e emoções e uma vida curta com um acidente fatal.

Qual a sua idade?

Tenho 41 anos e corpinho de 40...

Diário de Bordo
Vancouver (Canadá), 27 de fevereiro de 1999

No albergue, meu companheiro de quarto era um japonês chamado Katzu. Ele não falava nenhuma palavra em inglês, mas possuía um sorriso aberto e franco. Perdemos horas com desenhos e mímica. Quando ele entendia e gostava do que eu dizia, exclamava: - Uuuuuuuuu!!!!! e dava uns tapinhas nas minhas costas.
Descemos para uma cerveja e após umas doses a comunicação melhorou, tipo bacana esse Katzu. Pelo que eu acho que entendi, ele abandonou a namorada e o emprego para aprender inglês e trabalhar com turismo. O mundo está cheio de pessoas interessantes com sonhos e ideais diferentes e é tão bacana conversar com esse tipo de pessoa, trocar palavras, idéias. São momentos especiais, são as pessoas que realmente fazem o lugar.


Longe da Água Fresca

Atualmente, grande parte das pessoas que embarcam numa viagem prefere arregaçar as mangas e literalmente botar a mão da massa. São os chamados ecoturistas ou turistas de aventura. Para esse grupo, simplesmente apreciar uma bela vista não basta. O que eles querem é enfrentar tudo aquilo que a vida urbana sempre se esforçou para afastar. "No meio da travessia da Serra dos Órgãos, que começa em Petrópolis e termina em Teresópolis, ficamos a dois dias da civilização", exemplifica Elves Costa, sócio da Trilha Brazil Turismo de Aventura. Outro atrativo do ecoturismo é a possibilidade de sociabilização que os grandes meios urbanos parecem sepultar: "Num lugar lindo, perto da natureza, dificilmente as pessoas estão mal-humoradas. Além disso, durante as caminhadas, um precisa ajudar o outro, por isso, fica mais fácil fazer novas amizades", conta Renata Alves, 21 anos, ecoturista há um ano. "Algumas caminhadas reúnem gente de todas as idades", conta.
Cada momento de uma atividade de ecoturismo deve ser minuciosamente estudado para que nada pegue os turistas de surpresa. As agências contam com guias especializados e uma equipe de segurança que acompanham as atividades. Outro importante quesito para uma verdadeira viagem ecoturista são os cuidados que devem ser tomados em relação ao meio ambiente. Geralmente, os lugares explorados são praticamente intocados, então, a ordem é preservar: "Nosso público, com certeza, é o mais ecológico possível. Mesmo assim, sempre que terminamos uma atividade fazemos a operação varredura. Percorremos novamente todo o trajeto para recolher o que, por acaso, ficou pelo caminho", conta Elves. "Essa atividade só vem a promover essa consciência." Tomara que ele esteja certo.


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