Postado em 22/12/2011
1
Lado a lago
Newman quieto em frente ao lago
nenhuma esperança: a graça
e a graciosa garça esgarça a gaze da asa
o lago opaco, polido
dia e noite, tanto faz
Newman quieto em frente ao lago
pedra e chuva
o instante-água
em movimento-parado
o lago, os olhos no lago
o lago nos olhos claros
o azul coagulado
a mão, o copo colado
cai no colo antes do trago
tudo que é certo e que é vago
no mesmo azul congelado
agora e nunca o lembrado
Newman quieto em frente ao lago.
2
Linha de Sombra
Se você fosse um veleiro,
o sino batendo os quartos,
o sol tingindo a beleza
de teu ló a barlavento,
se você fosse um veleiro,
a âncora pelos cabelos,
os cabos caçando os panos,
ah, eu posso ver a cena:
dois indo a popa arrasada
e eu cantando a salena,
todo pano sobre, a luz,
adriças içando flâmulas
entre os recortes azuis...
Se você, Lúcia, Dolores,
Pilar, Clarice ou Maria,
se você fosse um veleiro,
o meu velame alaria,
se você fosse um veleiro,
eu jamais adernaria.
3
Testemunha
Pro avô Aguiar
Quando a espanhola
plantou cadáveres
e arrancou cabelos,
tu já estavas.
Também depois,
quando as revoluções se sucederam
até que os cavalos foram atados ao obelisco.
Viste o desfile,
um a um, entre delírio,
dos heróis anônimos que ajudaram a abater
a árvore da raça superior.
Depois, amaste o caudilho,
seu fumo e seu mate,
e choraste, como homem, sua morte,
entre discursos e rajadas de metralha.
Brasília cresceu como um girassol,
e uma espada cortou a língua seca do pobre.
Foram-te arrebatados quase todos os amigos.
Hoje, pensam que lutas contra a morte.
Na verdade,
toda a tua vida é esta luta.
4
É Preciso Mesmo?
E na data inadiável
do cais onde se equipou
meu barco-sonho, comigo
de pé na proa, zarpou.
Incrível esse repertório
de tormentas, dor, abismos
que, frágil, atravessará
para chegar onde estou.
5
Psico-ártico
Não queria viver uma vida
como a dos vampiros
– que se levantam no escuro
de seus leitos pútridos
para sugar o sangue dos outros.
Mas não adianta.
Nós queremos viver,
viver a todo custo,
sob quaisquer condições.
Mesmo o suicida quer viver.
Todo suicida deixa um bilhete,
mesmo aqueles que não deixam,
em meio a sangue, vômito e ossos destroçados:
“Eu não queria morrer.
Eu queria viver uma outra vida”.
Aldir Blanc é compositor, cronista e poeta, autor dos livros Rua dos Artistas e Transversais (Agir, 2006) e Guimbas (Desiderata, 2008), entre outros.