Postado em 28/04/2011
Para os apaixonados por cinema, assistir a um filme é uma experiência única: entrar na sala de exibição, no escurinho do cinema, e se envolver com aquela história é como que sair da vida cotidiana para entrar numa outra atmosfera, numa outra realidade, num universo paralelo. Não à toa, muitos psicanalistas e estudiosos comparam a experiência do cinema com um sonho. E, sinceramente, pelo brilho nos olhos que me dá quando assisto a um bom filme, arrisco afirmar que sim, para mim cinema é sonho.
E imersos nesse sonho, entramos na história: uma história que pode ser contada de diversas formas, que pode nos levar a outros mundos, outros tempos, fazendo com que encontremos outros pontos de vista, nos despertando amores, rancores, revolta, medo, causando choro, fazendo rir... Tudo isso pode acontecer naquele espaço, na salinha, nas aproximadamente duas horas em que nos entregamos a essas outras experiências, em que vivemos esse sonho.
Então, quando as luzes se apagam, nessa imersão que o cinema proporciona, entramos numa história que foi construída, preparada, elaborada e produzida para nos envolver e que, para se tornar um filme, precisou do trabalho de várias pessoas: diretor, diretor de arte, montador, figurinista, diretor de fotografia, cenógrafo, elenco, motorista, cozinheira, eletricista... Mas e a história, a narrativa? Como uma história começa a se tornar um filme? Pelo roteiro.
Um roteiro é uma história que quer ser um filme e lembro agora da experiência que atualmente acontece no Sesc São Carlos, no projeto chamado O roteiro que queria ser filme, e que busca encontrar roteiros de curtas-metragens de grandes diretores não filmados para ser desenvolvidos e elaborados, ficando prontos para se tornar filmes.
Se um roteiro é uma história que quer virar um filme, o roteirista então é o profissional que, a partir de ideias abstratas, literárias, vai fazer uma primeira versão dessas ideias traduzidas em imagens. O cineasta Pier Paolo Pasolini entendia o cinema como a língua escrita da realidade ? e é essa língua que o roteirista vai falar, através da criação do roteiro.
Mas fazer um roteiro não é algo simples, mas sim um árduo processo que envolve muito trabalho, pesquisa, elaboração, reescrita... Não basta uma boa ideia, ela precisa ser preparada para se tornar um filme. O desenvolvimento do roteiro é um processo muito importante para que ele se torne um filme, e envolve diversas etapas. Um exemplo do quão elaborado é o trabalho do roteirista pode ser visto no Laboratório Novas Histórias, que acontecerá no próximo mês.
Nas últimas décadas, principalmente a partir da retomada do cinema brasileiro, percebemos uma profissionalização cada vez maior do campo do cinema, com uma valorização do trabalho de roteiristas, muitos deles vindos da literatura e de outras linguagens artísticas. Um cinema brasileiro que dialoga, e muito, com nossa literatura contemporânea, com outras artes, e que já tem sua marca. Marçal Aquino, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert, Andre Klotzel, Jorge Furtado, José Roberto Torero, Marcelo Gomes, Karim Aïnouz... A lista é extensa, felizmente.
Temos roteiros adaptados de obras literárias, de quadrinhos, inspirados em músicas, em outros filmes, nas artes visuais. Em alguns casos, o roteiro foi essencial para o sucesso do filme, como nas adaptações de Cidade de Deus (Fernando Meirelles, roteiro de Bráulio Mantovani) e O Invasor (Beto Brant, roteiro dele, Marçal Aquino e Renata Ciasca). E há ainda filmes em que o roteiro vai sendo construído junto com a filmagem, como nos documentários de Eduardo Coutinho, por exemplo.
É claro que, para um bom filme, não é preciso apenas um bom roteiro. Um bom filme reúne um bom roteiro, um bom diretor, um bom produtor, uma boa equipe, um bom fotógrafo, um bom diretor de arte, um bom distribuidor... Os donos da história são muitos, mas, sem a história, todo esse processo não pode começar. Para entrar nesse sonho, o primeiro passo é o roteiro.